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Guerra da chave

Duas famílias muçulmanas são responsáveis por cuidar da porta da Igreja do Santo Sepulcro, em disputa que já dura mais de 900 anos

DIOGO BERCITO DE JERUSALÉM

Quando o papa Francisco visitou a Igreja do Santo Sepulcro, no domingo (25), ele encontrou as portas abertas --não por um dos líderes cristãos do templo, mas por duas famílias muçulmanas.

As famílias Nuseibeh e Judeh dividem a tarefa de abrir esses portões há séculos, apoiadas em tradições que remontam à época em que o sultão Saladino (1137-1193) arrancou Jerusalém das mãos dos cruzados cristãos.

À época, segundo os relatos, pareceu mais seguro a Saladino que uma família nobre muçulmana mantivesse as chaves da igreja, garantindo a ordem nos séculos por vir, entre a troca de sultões e as disputas entre cristãos.

A Igreja do Santo Sepulcro foi erguida ali no século 4º pelo imperador romano Constantino e é considerada o local da crucificação e do sepultamento de Jesus Cristo.

Hoje, Adib Judeh, 49 é o guardião das chaves e Wajih Nuseibeh, 64, o guardião das portas. Ambas as tarefas são fundamentais para a igreja, que não se pergunta quem veio antes, a chave ou a fechadura.

A questão, no entanto, divide essas famílias.

Recentemente, os Nuseibeh afirmaram ter a custódia não só das portas, mas também das chaves, levando a uma disputa entre as famílias e à assinatura de um documento confirmando a divisão anterior das tarefas. Desde o incidente, nos anos 1990, ambas as famílias não mantêm contato próximo.

Elas também discordam a respeito da história. Os Nuseibeh afirmam ter tido a guarda das chaves a partir do século 7, quando da conquista islâmica de Jerusalém.

Os Judeh dizem, por sua vez, ter contratado a família rival para abrir os portões, no século 12, para assim evitar ter de subir as escadas e abrir a fechadura, que está a cinco metros de altura.

CHAVEIRO

Os Judeh moram em uma casa no bairro árabe de Wadi al-Joz, em Jerusalém. Nela, Adib mostra pergaminhos, alguns do século 12, com os selos de sultões e o texto manuscrito que oficializa a tarefa de guardar as chaves. A família mostra as duas cópias da chave, que datam de 1149.

"Eu tinha 12 anos quando participei da cerimônia pela primeira vez, com meu pai", diz. O pai teve a posse das chaves até 1992, quando morreu. A tradição diz que o novo guardião é o primogênito. No caso, Adib, que tinha 26 anos quando assumiu o cargo.

"Não recebo nada por isso. É um trabalho de honra", afirma, apresentando a árvore genealógica da família, que aponta ligações entre os Judeh e o profeta Maomé.

Adib tem em seu arquivo, também, 165 firmãs (espécie de decreto) concedidos por 28 sultões, confirmando a honra concedida.

Os Judeh são donos, hoje, de uma loja de roupas na região árabe de Jerusalém. Eles são muçulmanos sunitas. "As pessoas pensam que somos cristãos", afirma Sari, irmão de Adib. "Ficamos orgulhosos, porque muçulmanos e cristãos são irmãos."

PORTEIRO

A Folha encontra Wajih Nuseibeh sentado em um banco de madeira, à entrada da igreja. Lacônico, não quer falar sobre a rixa familiar e prefere conversar sobre o papa. "Não estou animado com a visita", afirma o guardião. "Não é o primeiro papa que vejo e não vai ser o último."

Todos os dias, a chave é levada da casa dos Judeh para a dos Nuseibeh bem cedo.

Wajih abre as portas do Santo Sepulcro às 5h e volta para fechá-las às 21h, quando o objeto é devolvido à outra família. Para tal, diz receber cerca de R$ 320 da igreja ortodoxa grega, R$ 15 dos católicos e R$ 15 dos armênios.

"Não tenho outro emprego", diz, e nota que o fato de a posse das portas estar em mãos islâmicas leva ao fim das constantes disputas clericais. "Somos neutros em relação às seitas e damos a chance para que todos os peregrinos visitem a igreja."


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