Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Mundo

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Clóvis Rossi

O rei que abraça os súditos

O Juan Carlos que fica na minha memória pessoal é a do monarca capaz de "arropar" os espanhóis

É muito cedo, obviamente, para dizer se Juan Carlos passará à história como "um rei indispensável", como o definiu nesta terça-feira (2) o editorial on-line do "El País".

Seu papel, ao enfrentar uma tentativa de golpe da extrema direita, quando a recém-renascida democracia espanhola ainda engatinhava, merece de fato o qualificativo. Mas, depois, veio o desgaste provocado principalmente pelo fato de que um de seus genros envolveu-se em escândalos de corrupção. Também porque o rei foi caçar elefantes na África.

De todo modo, os 39 anos de reinado de Juan Carlos estão associados não apenas à vigência de uma democracia vigorosa mas também a uma espetacular aceleração econômica, mesmo que se incluam os cinco últimos anos de severa crise.

Como a democracia de que o rei foi garante era condição sine qua non para ingressar na então Comunidade Europeia, compare dados da Espanha pós e pré-ingresso: a esperança de vida saltou de 76 para 83 anos; a renda per capita foi de € 7 mil para € 23 mil; de 700 quilômetros de rodovias, passou-se a 7 mil --e por aí vai.

Para quem, como eu, acompanhou a transição espanhola para a democracia, desde os seis meses anteriores à morte de Francisco Franco, em 1975, vale dizer que a Espanha de hoje não é outro país, mas outro planeta. Melhor. Mas a imagem mais forte que o reinado de Juan Carlos me deixa não é nem a do democrata nem a do caçador, mas a do homem capaz de abraçar os súditos, como escrevi no dia 25/3/2004:

"A família real espanhola deu ontem uma extraordinária lição a respeito da dificilíssima tarefa de ser chefe de Estado.

Espera-se deles que sintam as dores e as alegrias de seus concidadãos. Quase todos os outros dizem senti-las, mas fica quase sempre claro que é apenas da boca para fora.

O rei Juan Carlos 1º, sua mulher, a rainha Sofia, as filhas Elena e Cristina, seus respectivos maridos, o príncipe herdeiro, Felipe de Bourbon, e sua noiva, a jornalista Letizia Ortiz, ao contrário, foram ontem ao funeral de Estado para as 189 vítimas dos atentados em Madri para expor em público sua dor e solidariedade.

O rei e a rainha choraram sem reservas, diante de um punhado de altas autoridades.

O rei não se incomodou de praticar o pouco real gesto de assoar o nariz em público, depois de chorar. (...) Fizeram questão de ir de banco em banco na catedral de La Almudena, cumprimentar um por um os parentes dos mortos.

(...)Quem puxava conversa recebia conversa. Quem chorava ganhava um abraço apertado e/ou um beijo no rosto.

(...)Todos choraram, inclusive os plebeus que se casaram com as duas infantas. Só não vi chorar a noiva do príncipe (jornalista é uma raça terrível).

Os cínicos dirão que são lágrimas de crocodilo. Não eram necessárias. O rei não precisa cativar cidadãos (e, por extensão, eleitores) para manter o emprego. Não traz os mortos de volta, mas sentir-se "arropados" (como dizem os espanhóis) pelo rei, com todo o simbolismo da coroa, é mais do que se consegue, em geral, de outras lideranças".

crossi@uol.com.br


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página