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ONG de ex-soldados israelenses denuncia abusos contra palestinos

Entidade Breaking the Silence tem por objetivo coibir maus tratos nos territórios ocupados

'Jogar balas de borracha em crianças era como um videogame', diz ex-militar que hoje se arrepende da prática

DIOGO BERCITO ENVIADO ESPECIAL AO SUL DE HEBRON

Avihai Stollar passa, de carro, pelas vias de acesso a Hebron --cidade na Cisjordânia onde há uma comunidade de colonos judeus.

Cancelas e jipes militares bloqueiam as entradas. A visão lhe faz pensar em seu serviço militar, em 2001, quando obrigou moradores da cidade próxima de Yatta a viver sob toque de recolher, em uma forte ação punitiva.

Mas os anos o transformaram. Hoje, Stollar é um dos diretores do Breaking the Silence ("rompendo o silêncio"), um grupo de ex-soldados que coleta testemunhos de abusos do Exército. A organização celebrou, em junho, dez anos de criação.

Ele acompanha a Folha a uma viagem ao sul de Hebron, onde a disputa pelo território da Cisjordânia opõe comunidades palestinas, incluindo beduínos, e colonos israelenses.

Foi a região em que ele esteve durante a maior parte de seu serviço militar obrigatório de três anos. Foi ali, também, que ele travou uma longa batalha em sua consciência entre as ações militares e sua expectativa moral.

"Nós temos de ser responsáveis pelo que fizemos. Pelo que eu fiz", diz Stollar. "Mostrar que a ocupação é imoral, que não pode prosseguir."

O ex-soldado mostra à reportagem, durante a viagem, os pontos em que cumpriu seu serviço militar. O carro para em uma casa de concreto abandonada no deserto. Ali, há mais de dez anos, Stollar protegeu os colonos que haviam tomado a moradia de uma família palestina.

Na mesma época, sua unidade de infantaria ocupou a cidade de Yatta e impôs um cerco a seus milhares de habitantes.

"Crianças vinham atirar pedras e nós disparávamos uma porrada de balas de borracha", conta. "Era o jogo de videogame pelo qual nós estávamos esperando."

Stollar narra uma cultura de tédio, entre jovens soldados, em um ambiente de impunidade. As ordens, diz, eram "mostrar aos palestinos que havia um xerife por ali".

A reportagem da Folha lhe pergunta qual foi, durante os três anos de serviço, sua pior experiência militar.

Ele pensa como quem pinça um entre seus diversos exemplos.

Stollar conta, então, sobre o dia em que sua unidade capturou um suposto terrorista palestino. Ele foi chamado a vê-lo algemado e vendado, sentado em um amontoado de espinhos.

Na presença de um comandante, os soldados espancavam o seu prisioneiro.

"Meus amigos vieram perguntar se eu já havia batido nele. Eu disse que ainda não. Então chutei as costas dele enquanto os soldados aplaudiam. Eu era o ruivo fracote batendo no bandido", diz.

Mas, dias depois, Stollar ligou para seu pai e lhe narrou o episódio. "Ele me perguntou por que eu estava tão orgulhoso, e me disse que eu não tinha de usar violência", conta. "Foi importante que alguém de fora do Exército me mostrasse que há coisas absolutamente erradas."

Quatro anos depois de ter sido dispensado do serviço militar, Stollar foi convidado pelo Breaking the Silence para dividir suas experiências militares. Ele juntou-se ao grupo e é, hoje, o diretor de seu setor de testemunhos.

"Eu quero assumir as minhas responsabilidades", diz. "Não são pelas coisas que o governo, o Exército ou o batalhão fizeram. Pelas coisas que eu próprio fiz."

O Breaking the Silence tem como uma de suas metas extinguir o silêncio sobre a ocupação israelense da Cisjordânia, tomada em 1967, na Guerra dos Seis Dias.

"A sociedade não pode usar as minhas mãos e mentir para os meus pais para manter essa situação", diz. Mais do que criticar o Exército, a organização aponta aos cidadãos de Israel qual é a tarefa para a qual seus jovens são enviados, após alistados.

"Os generais podem tomar as decisões, mas o poder está nas mãos de soldados nos postos de controle militar. Eles têm 18, 19, 20 anos", afirma. "Há um sistema perpetuado por essas crianças."


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