Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Mundo

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Minha história - Iekhan Safar, 26

Montanha do terror

Yazidi que hoje vive nos EUA relata drama de parentes que buscaram refúgio no monte Sinjar e se diz frustrada por não poder ajudar

ISABEL FLECK DE NOVA YORK

RESUMO

Nos Estados Unidos desde 2006, Iekhan Safar, 26, da minoria curda yazidi, acompanha com apreensão a situação no Iraque. Ela deixou o país após se casar com Raber, também yazidi, que já vivia nos EUA. Iekhan falou à reportagem da Folha por telefone, de Lincoln, no Estado de Nebraska, onde vive com os filhos Nazlein, 5, Ghamgin, 4, e Lazgin, 2.

-

Fiquei por dias sem notícias da minha irmã. Ontem [terça] consegui falar com meu cunhado, Kassem, pela manhã. Ele chorava muito, pois tinham perdido sua filhinha de dois anos quando fugiam do monte Sinjar.

Ela morreu ao cair num barranco quando eles corriam, tentando escapar de um ataque dos terroristas [do grupo Estado Islâmico]. Quando eles vêm para cima dos yazidis, todos saem correndo. É a única coisa que o meu povo pode fazer.

Minha irmã Edla [28 anos] não queria deixar a montanha sem a filha, mas ela não teve como chegar até o seu corpo. Ela não pode nem enterrar sua filha.

É muito difícil para mim ver tudo isso daqui, dos EUA, e não poder fazer nada. Só posso pedir às pessoas que, se puderem, ajudem o meu povo de alguma forma.

Tenho uma família grande -dez irmãos e irmãs-- e não sei como estão todos eles, se meus sobrinhos estão vivos.

Há muitos dias não falo com meu pai, não sei nada sobre ele: sobre como está, onde está, se está com minha madrasta e meus irmãos.

É um sentimento terrível, e sinto pena de todos os yazidis, não só da minha família.

Com os dias, ficou cada vez mais difícil falar com nossos familiares que estavam presos no monte Sinjar, porque os celulares foram ficando sem bateria. Só falei com meu cunhado quando eles conseguiram deixar a montanha.

Os terroristas também cortaram a internet. Não querem que o mundo saiba o que acontece com os yazidis. Não querem que o mundo saiba que estão sequestrando e estuprando garotas, matando.

Meu cunhado disse ter visto os terroristas levarem duas garotas, com cerca de dez anos, ainda nas montanhas. Ele quis tentar impedir, mas teve medo de que algo acontecesse à sua família.

Ao deixar a montanha, minha irmã e o marido viram 11 corpos de pessoas que morreram de fome e de sede.

Meu cunhado disse: Já ouvi histórias assim em filmes, mas nunca tinha visto nada parecido na vida real."

Na confusão, em meio à fuga da montanha, minha sobrinha, de 25 dias, foi levada por alguém que estava tentando salvá-la. Minha irmã só a encontrou três dias depois.

É estranho ouvir tantas histórias horríveis nesse lugar, pois a montanha sempre me lembrou momentos felizes. Vivi no Iraque até os 18 anos, e costumávamos ir ao Sinjar fazer piquenique, acampar.

Agora, minha irmã e a família estão em algum lugar do Curdistão, com outras famílias, numa casa que não tem teto, portas, janelas, com medo de que os terroristas cheguem a qualquer hora.

Os terroristas não gostam de nós e da nossa religião. Querem que nos tornemos muçulmanos, mas não aceitamos isso. Eles querem só uma religião no Iraque.

Os yazidis não são perigosos, nem adoram o mal, como eles dizem. Se você for para o Iraque, não vai achar nenhum yazidi junto com esses terroristas, cometendo crimes. É por isso eles não gostam de nós.

Eles também perseguem quem gosta dos EUA ou quem ajudou as forças americanas na guerra, como um dos meus irmãos, que serviu de tradutor para as tropas.

Meu marido não pode voltar para o Iraque agora que tem cidadania americana. Ele seria morto.

Não há alternativa para os yazidis no Iraque. Eles têm de ser retirados de lá. É por isso que a ajuda de qualquer país é muito importante agora.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página