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Autor critica sistema penal severo dos EUA

Em obra, professor de direito relata casos de violência e propõe reformas na legislação

RODOLFO LUCENA DE SÃO PAULO

"Vou te fazer engolir os dentes", disse o guarda a um preso que ousou lhe olhar nos olhos. Com outros colegas, levou o detento a uma cela vazia. Atirado ao chão, em posição fetal, o homem foi chutado, pisoteado e espancado.

A brutalidade não é novidade na prisão da ilha Rikers, em Nova York. Lá, é comum que guardas levem prisioneiros a áreas não monitoradas por câmeras e os espanquem.

Bocas estouradas, rostos deformados, ossos quebrados, tímpanos perfurados, colunas fraturadas, concussão cerebral e lesões internas são algumas consequências.

Na Carolina do Norte, guardas forçam presos a passar pimenta nos órgãos genitais e beijar serpentes. No Mississipi, o número de estupros nas cadeias explode. Guardas transformam presos em escravos sexuais em troca de comida ou benefícios.

Um menino de 18 anos, em prisão temporária por ter violado regras da liberdade condicional, foi espancado até a morte por companheiros de cela, garotos de 16 a 19 anos.

Pequenas para a quantidade de seres humanos que abrigam, as celas oferecem condições degradantes até para os que nem sequer estão condenados. Num cubículo para detentos que aguardam julgamento, o vaso sanitário está coberto por fezes humanas secas, vômito suja a pia, o chão está cheio de lixo e restos de comida estragada.

São cenas de horror vividas todos os dias em prisões no mais rico e poderoso país do mundo. Estão descritas em "Inferno "" An Anatomy of American Punishment" (Inferno "" uma anatomia da punição nos Estados Unidos, em tradução livre). Professor de direito, literatura e crítica na Universidade de Columbia, Robert Ferguson traça um quadro dantesco da situação não só do sistema penitenciário, mas de toda a Justiça criminal do país e do ecossistema que a rodeia e sustenta.

Os Estados Unidos são o país com maior número de presos no mundo: 2,26 milhões de pessoas em 2010. É sete vezes a taxa de encarceramento na Europa. Lá, há um preso por mil habitantes; nos EUA, o índice é de um detento por 143. Há Estados que superam em muito essa taxa. Na Louisiana, um em cada 86 adultos está preso.

Resumo da ópera: os Estados Unidos têm 5% da população mundial e 25% dos presos do planeta.

ALÉM DA MEDIDA

As penas são mais severas do que "em qualquer outra democracia moderna", diz o autor. Mãe de três filhos, uma mulher de 27 anos foi condenada à prisão perpétua sem direito à liberdade condicional porque um ex-namorado havia escondido um pouco de cocaína no apartamento em que ela morava.

"Basicamente seu crime foi o de ser uma namorada", disse o juiz que a condenou. Ele afirmou que o "crime" não merecia tal punição, mas era o que a lei previa. Como ela, em 2003 havia 127.677 condenados à prisão perpétua --83% a mais do que em 1992. Mais de 33 mil deles não têm direito à condicional.

Tal indústria movimenta US$ 80 bilhões anuais. Um em cada nove funcionários públicos trabalha no sistema, e a privatização floresce: cadeias que visam o lucro faturam cerca de US$ 2 bilhões por ano e mantêm 7% da população carcerária --aumento de 700% de 1990 a 2006. São a perfeita ilustração da "natureza distorcida do sistema de punição nos EUA".

É um quadro que clama por mudança, no entender do professor, que discute propostas para reformar o sistema. Tudo escrito com profundo rigor acadêmico e grande elegância, que mantém preso mesmo o leitor leigo.

Além dos números, sentenças e relatórios de entidades de direitos humanos, Ferguson busca luzes na literatura: cita desde Kafka até Melville, passando por Dostoievsky e Dickens. Finaliza com erudito e filosófico passeio pela "Divina Comédia" e com um apelo: "É hora de encontrar uma saída".

"INFERNO - AN ANATOMY OF AMERICAN PUNISHMENT"
AUTOR Robert Ferguson
EDITORA Harvard University Press
PÁGINAS 352
PREÇO R$ 93,80
AVALIAÇÃO ótimo


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