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Suécia tem asilo para abrigar homossexuais

Com 27 apartamentos, espaço de lazer e vista para o mar, em Estocolmo, local reúne 33 idosos, e há fila de espera

Mentor do projeto diz que muitos dos moradores não têm família e precisarão de ajuda ao envelhecer

MARINA REIS COLABORAÇÃO PARA A FOLHA EM ESTOCOLMO

Rodeado por árvores e gramados idílicos no bairro Gärdet, em Estocolmo, um prédio de oito andares tornou-se uma moradia inusitada na Suécia. Desde novembro de 2013, três andares do imóvel foram ocupados pela Regnbågen ("arco-íris", em sueco), primeira associação de moradores idosos GLBT da Europa. O projeto começou na Parada do Orgulho GLBT de Estocolmo, em 2009.

"Pode soar um pouco egoísta, mas a ideia partiu de meu pensamento sobre minha própria velhice, sobre como eu gostaria de vivê-la", diz Christer Fällman, fundador da associação.

Com 27 apartamentos, um espaço de lazer comunitário e um terraço com jardim e vista para o mar, a associação conta com 33 moradores, cuja faixa etária média é 67 anos, além dos cerca de 70 membros que aguardam por uma vaga na fila de espera. "Nesse público-alvo, muitos não têm família e chega um dia em que não se tem mais a energia para sair sozinho para um café, uma ópera. A comunidade que criamos é para este grupo", explica.

Fällman, 55, é o morador mais jovem do grupo e atua como relações públicas da associação. "Homossexualidade era ilegal na Suécia até 1944. Depois, fomos classificados como doentes, mas não podíamos tirar licença médica. Essa medida só foi abolida em 1979, então também estamos atrasados aqui, apesar de haver países onde o atraso é ainda maior."

Mais de 30 anos depois do cenário conservador descrito por Fällman, a Suécia é considerada um dos países mais liberais do mundo. Mas não se trata de um paraíso, como a vista para o cais na manhã ensolarada parece sugerir.

"Perguntaram-me sobre a necessidade de se ter uma moradia como essa. Creio que, enquanto houver preconceito em nossa sociedade, haverá razão para nos separarmos da massa", afirma Fällman.

A ideia é possibilitar aos moradores a oportunidade de viver como são, sem medo de discriminação. "Antes de me mudar para cá, passei muitos anos sem me assumir como lésbica, mas a gente não se respeita quando não se assume. Agora, defendo o que sou", diz Agneta Sparre, 62.

PASSADO BRASILEIRO

Já seu amigo Björn Lundstedt revelou à família que era homossexual aos 20: "Meu pai me levou a um médico que sugeriu que eu me castrasse. Isso foi nos anos 60", lembra.

Apesar de não ter seguido a sugestão do médico, o pai nunca aceitou a identidade do filho: "Procurei pelo amor dele, mas nunca o encontrei. Já minha mãe sempre me apoiou, meu irmão também", declara.

Com uma camiseta azul onde se lê "Brasil", Lundstedt, 73, relembra o período em que viveu no Rio.

"Foi lá que conheci o Hélio, em um clube de samba para homens. Perguntei se ele queria vir comigo para a Suécia, e ele veio".

O casal viveu junto por dez anos, até que Hélio sofreu um infarto aos 46. "Foi pesado", diz Lundstedt.

A tristeza da memória, no entanto, dá lugar aos risos quando Sparre revela que o amigo Lars Mononen, presidente da associação, é extremamente popular entre as senhoras do bairro.

Mononen, 64, conta como foi se apaixonar por uma mulher quando jovem: "Gosto de homens desde a adolescência, mas quando tinha 30 anos surgiu uma mulher em minha vida".

Mononen e sua mulher viveram juntos por 12 anos e tiveram 3 filhos. "Foram anos muito felizes, foi um presente ter filhos."

A despeito do receio de Mononen, os filhos não se opuseram à opção de viver na Regnbågen: "Não queria expô-los ao me mudar para cá, perguntei várias vezes o que eles pensavam, mas eles me incentivaram", conta.

Além de possibilitar a proximidade entre pessoas com experiências comuns, Fällman explica que a ideia de um espaço específico para o grupo contribui para o intercâmbio com a sociedade e que a intenção não é criar isolamento.

"Esse projeto evidenciou os idosos GLBT, um grupo que, de outra forma, é invisível. Perdemos os amigos, aposentamos e vamos sumindo se não hasteamos nossa bandeira."

Lundstedt comenta como vivenciou a questão da integração no Brasil:

"Foi ótimo, a maioria das pessoas que conheci eram receptivas", diz. Ao ser informado sobre o projeto de lei que ficou conhecido como "cura gay" --aprovado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e arquivado em seguida pela Casa no ano passado--, Lundstedt afirma que também há políticos contra a causa GLBT na Suécia, mas são minoria.

"O partido Democrata Cristão e o Democratas Suecos foram os únicos que não compareceram à Parada do Orgulho GLBT de Estocolmo este ano". Quando indagados sobre como lidar com isso, Sparre brinca: "Eles [políticos que se opõem à ideia] podem vir passar duas semanas aqui."

Sobre as medidas políticas a serem tomadas contra o preconceito, Fälmann pondera: "Com leis podemos construir alguma segurança, mas o indivíduo muda por meio da educação. São os pais que podem fazer um grande trabalho pelas próximas gerações."


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