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Conflito em Gaza expõe declínio de Assad
Mediação do Egito em cessar-fogo ressaltou enfraquecimento do elo do ditador sírio com o antigo aliado Hamas
Realinhamento de forças em curso no Oriente Médio indica perda de poder do "eixo de resistência"
O ditador sírio, Bashar Assad, em geral está entre os primeiros a protestar durante uma investida israelense contra a faixa de Gaza, controlada pelo Hamas.
Descrevendo-se como único genuíno defensor árabe dos palestinos -e tachando seus pares de ambivalentes ou de cúmplices de Israel-, Assad já explorou muitas vezes a causa árabe para respaldar sua posição doméstica.
Nos últimos dias, contudo, quando Israel lançou uma ofensiva contra o Hamas, a voz da Síria foi baixa -e poucos dariam ouvidos a ela.
Não apenas Assad é acusado de travar uma guerra contra sua própria população, em sua luta pela sobrevivência, como perdeu sua influência sobre os palestinos.
Assad não é mais o patrono do Hamas, organização islâmica sunita que transferiu sua sede para fora de Damasco após o levante sírio.
Khaled Meshaal, o líder do Hamas, apoiou abertamente seus irmãos sunitas em sua batalha contra o regime de Assad, dominado pela minoria alauíta. A atitude de Meshaal -e a cooperação crescente do Hamas com o Egito, que mediou o cessar-fogo com Israel- também colocou o Hamas em desacordo com o Irã, que, segundo Israel, tem sido um de seus maiores financistas e fornecedores de armas.
O papel enfraquecido da Síria reflete os realinhamentos graduais em curso na política do Oriente Médio após a Primavera Árabe: o chamado eixo de resistência -liderado pelo Irã e incluindo a Síria, o Hizbollah, libanês, e o Hamas- se enfraqueceu, enquanto ressurgiu um centro de poder egípcio mais tradicional, em aliança com outros Estados sunitas.
Isso pode afetar a evolução do Hamas e suas relações com Israel. O grupo militante xiita Hizbollah está parecendo cada vez mais isolado, na medida em que se manteve ao lado de Assad, assistindo a seu aliado palestino aproximar-se do campo árabe sunita.
Michael Williams, do instituto de estudos londrino Chatham House e antigo diplomata sênior da ONU na região, disse: "O eixo de resistência sofreu uma ruptura decisiva. O Hamas saiu, e a Síria está de saída. Isso deixa uma aliança xiita entre o Irã e o Hizbollah."
O Hamas, organização sunita e ramificação da Irmandade Muçulmana, sempre foi um parceiro pouco à vontade no eixo de resistência, sendo suas relações com o Irã, em especial, movidas pela necessidade e por uma rejeição comum ao processo de paz no Oriente Médio. Sob o governo do ditador deposto Hosni Mubarak, o Egito, ao lado da Jordânia e dos Estados do Golfo, era defensor do pró-ocidental Mahmoud Abbas e de sua Autoridade Palestina na Cisjordânia, comprometida com o processo de paz.
Mas o mundo árabe está voltando a acolher o Hamas, fato ilustrado por uma delegação que visitou Gaza na terça-feira para demonstrar solidariedade e, o mais significativo, pelo papel central exercido pelo Cairo -governado pelo presidente islâmico Mohamed Mursi- na negociação do cessar-fogo.
Para o analista Yezid Sayigh, do instituto de estudos Centro Carnegie para o Oriente Médio, em Beirute, o Hamas pode estar se aproximando de um ponto semelhante àquele em que estava a Organização pela Libertação da Palestina nos anos 1970, quando foi reconhecida pelos árabes como representante dos palestinos, desde que moderasse suas posições.
"O Hamas está começando a ganhar reconhecimento e a romper o bloqueio diplomático e político. Mas, para capitalizar sobre isso, precisa estar disposto a ingressar num processo político e comprometer-se a não usar de violência, mesmo que não chegue a reconhecer Israel oficialmente", disse ele.
Tradução de CLARA ALLAIN