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Análise

Por mais eficiente que seja novo papa, desvios ainda ocorrerão

MARCELO COELHO COLUNISTA DA FOLHA

Sem ser uma personalidade radiosa e midiática, dom Odilo Scherer é visto como um candidato interessante no conclave. Não apenas por ser latino-americano, mas também por possuir fama de bom disciplinador, pelo menos desde sua atuação como secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), de 2003 a 2007.

Sem dúvida, constam como prioridades do próximo papado colocar um pouco mais de ordem nas divergências internas da igreja, reprimir as intrigas e indisciplinas, punir escândalos e zelar mais pelo sigilo interno dos assuntos do Vaticano -abalado pelo "Vatileaks".

Contudo, por mais eficiente que venha a ser o novo papa, outros escândalos, desvios e desmoralizações fatalmente irão ocorrer.

O fenômeno não é exclusivo da Igreja Católica. De Bill Clinton a Berlusconi, de François Mitterrand a Renan Calheiros, revelações embaraçosas passaram a constituir o pão quotidiano do noticiário político.

Talvez tão respeitada quanto o Vaticano, a BBC ocultou, pelo que se noticia, os casos de pedofilia de Jimmy Savile, um queridíssimo apresentador televisivo.

Se nada é preciso dizer dos papelões da monarquia inglesa, talvez valha a pena lembrar que o sério e discreto rei Juan Carlos, da Espanha, foi flagrado matando elefantes num safári. Seu genro, o duque de Palma, enfrenta agora acusações de negociatas suspeitas.

A invenção da imprensa, por Gutemberg, teve influência importante no desencadeamento da reforma protestante. Talvez estejamos diante de um processo parecido.

A internet, as câmeras portáteis e os gravadores em miniatura estão corroendo a aura de respeitabilidade de toda figura pública.

O filósofo italiano Giorgio Agamben publicou no jornal "La Repubblica" um artigo de modo geral simpático a Bento 16, apontando a crise geral de legitimidade que atinge as instituições ocidentais. Não será resolvida, diz Agamben, só pela punição judicial dos culpados de irregularidades.

Claro que, na Igreja Católica, escândalos sexuais se tornam ainda mais devastadores, dado o moralismo de seus ensinamentos.

O fim do celibato eclesiástico seria de pouca ajuda: mesmo casado, um padre poderia aprontar misérias com amantes de todos os sexos -como acontece com qualquer político comum.

Fico pensando de que modo, com o tempo, esse tipo de escândalos poderia perder seu potencial explosivo. Nada é impossível.

Todo mundo conhece, por exemplo, a frase do Novo Testamento segundo a qual é mais fácil um camelo passar por um buraco de agulha do que um rico ganhar o reino dos céus. Condenações à usura e ao luxo ainda têm uma presença residual na mentalidade cristã.

Mesmo assim, o mundo não cai quando se vê bons católicos serem donos de banco, e a igreja continuou construindo lindos palácios e altares folheados a ouro depois das repetidas conclamações à austeridade feitas por seus críticos -protestantes ou não.

Encontraram-se argumentos para conciliar o que, em determinada época, parecia inconciliável. O que se fez com o dinheiro talvez precise ser feito com o sexo. Casos criminais continuarão a existir. Mas muito do que hoje é escândalo talvez pudesse ser visto como normal -e até desejável, do ponto de vista da afetividade humana.


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