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New York Times

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Comédie-Française apresenta autor sírio

Por CELESTINE BOHLEN

PARIS - Quando o mais prestigioso teatro da França foi palco da estreia de uma peça árabe, "Ritual for a Metamorphosis", pela primeira vez em seus 333 anos de história, uma resenha no "Le Monde" saudou a chegada de "um drama otomano".

A manchete indignou a viúva e a filha de Saadallah Wannous, dramaturgo sírio morto em 1997 que é conhecido pelo tratamento cáustico que dá a problemas de hipocrisia, religião, sexualidade, mulheres, poder e revolução -questões ainda explosivas no Oriente Médio.

"Elas ficaram furiosas", recordou o diretor da peça, Sulayman al Bassam. "Não paravam de perguntar: 'Será que eles não sabem que isso é um insulto?'."

O jornal acabou corrigindo a manchete, mas o caso serviu como um aviso precoce sobre a leitura equivocada da peça, algo que deixou perplexo o diretor Bassam, 41, britânico de origem kuaitiana e veterano do circuito internacional.

O que o preocupou não foram as reações da crítica, que foram diversificadas, mas o modo como a peça foi apresentada pelo próprio teatro Comédie-Française. Bassam acha estranho que, em um momento de turbulência e revolução no mundo árabe, uma peça importante de um autor árabe moderno seja tratada como uma relíquia.

"O fato de essa ser uma peça síria que levanta questões tremendamente importantes em torno do papel da religião ortodoxa e que antevê uma revolução foi suavizado", disse Bassam. Em lugar disso, ele detectou "um desejo de apresentá-la como algo exótico e bizarro, uma comédia pitoresca, charmosa e vinda de outro lugar."

Desde setembro de 2001, instituições culturais do Ocidente mergulharam numa orgia do Oriente Médio. O Museu Metropolitano de Nova York e o Louvre, em Paris, abriram alas dedicadas à arte islâmica. Mas, na visão de Bassam, pouco espaço é reservado ao artista árabe contemporâneo.

O Comédie-Française não é um teatro como outro qualquer: seu diretor é nomeado pelo governo e sua missão é transmitir e preservar o teatro francês. Quando ele extrapola essa missão, o faz com cuidado e vagar.

Bassam vinha querendo encenar uma peça de Wannous havia anos. "Ele é uma espécie de figura mentora, o escritor árabe que, ao longo das décadas, manteve um nível instigante. Ele foi fundamental para a ideia que tenho do que é possível escrever."

"Ritual", uma das últimas peças de Wannous, de fato é ambientada em Damasco no século 19, nos tempos otomanos, e conta uma história tortuosa de poder, intrigas e obsessão sexual. Um homem de destaque local e sua concubina são presos durante um encontro amoroso, mas o líder religioso local, o mufti, por razões próprias, convence a mulher do homem notável a tomar o lugar da concubina na prisão. A mulher impõe uma condição incomum: quer se tornar concubina, ela própria. Ela o faz, com muito êxito, desencadeando um frenesi sexual que toma conta da cidade e arrasta o próprio mufti para uma armadilha.

A peça, que ficou em cartaz no Comédie-Française até 11 de julho, só foi encenada por um período extenso no mundo árabe uma vez, em Beirute, em 1996. Saiu de cartaz em Aleppo, na Síria, sete anos atrás, após apenas uma apresentação, quando o mufti local interpretou a história como um ataque pessoal a ele.

Na França, inesperadamente, "Ritual" não teve nenhuma repercussão. Não suscitou interesse no mundo teatral parisiense, que Bassam descreve como um "aviário dourado".

"O que achei perturbador foi a impressão crescente de que, à medida que a crise síria se desenvolvia, essa peça acabou sendo vista como perturbadora, algo que poderia levar a problemas ou escândalos", comentou o diretor. "Se você apresenta essa peça como se estivesse apresentando Molière, presta um desserviço à sua finalidade original."


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