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New York Times

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Desfile em Juba combate estereótipos

Organizadores do evento tentam criar senso de identidade

Por NICHOLAS KULISH

JUBA, Sudão do Sul - Mesmo pelos padrões das modelos de moda, as mulheres que vacilavam sobre saltos na passarela de terra eram notavelmente altas e esguias. Mas, a julgar pelos muitos habitantes altos do Sudão do Sul, elas não estavam muito fora da norma desse jovem país.

Enquanto prosseguiam os ensaios no hotel Bedouin Lodge, Akuja de Garang, a organizadora do evento, estava menos preocupada com suas beldades do que com um dos homens que iam desfilar.

"Esse é o meu modelo masculino, está vendo? O de laranja", disse ela, gesticulando na direção de um rapaz.

A questão era se ele aceitaria aparecer diante da plateia sem camisa, somente com um tradicional colete bordado Dinka. "Ele terá coragem suficiente para isso?", perguntou Garang.

Apesar do sucesso da supermodelo mais conhecida do país, Alek Wek, as imagens mais comuns do Sudão do Sul ainda são de rebeldes armados ou de crianças desnutridas.

Com o Festival de Moda e Artes para a Paz, em sua segunda edição anual, Garang, 38, tenta mudar não apenas as percepções externas, mas também o modo como a população local se vê, especialmente em um país ainda abalado pela tensão interétnica e a violência.

"Não temos um senso de identidade comum como sudaneses-do-sul", explicou Garang.

"Estivemos dispersos por muito tempo. O que ouvimos falar sobre os outros são estereótipos."

O desfile de moda em agosto foi apenas uma parte do evento que atraiu pessoas de todo o país, muitas vindas em aviões da ONU, incluindo percussionistas e dançarinos, cantores e rappers, assim como uma exposição de arte e artesanato.

"O Sudão do Sul esteve em guerra durante muito tempo", disse Ellen Lekka, especialista em cultura da Unesco, que foi um dos patrocinadores do evento. "Tradições que passam de geração em geração podem ter se perdido na luta pela sobrevivência e na migração."

Há poucas ruas pavimentadas em Juba, mas lá estão brotando prédios de apartamentos, hotéis e até edifícios de escritórios com dez andares.

"Quando comparamos a Juba de hoje com a de um ano antes de sermos chamados de Sudão do Sul, há uma grande diferença", disse Davidica Ikai, presidente do Grupo de Mulheres Itwak, que exibia e vendia objetos artísticos no festival.

Mer Ayang, cantora que se apresentou no evento, disse esperar que o desenvolvimento na capital não cobre um alto preço do restante do país.

"Eu julgaria meu país em termos de desenvolvimento se tivéssemos melhores escolas, hospitais, ruas e serviços públicos", explicou.

Eva Logune, modelo sudanesa-do-sul que vive na Malásia, disse que o evento de moda e arte foi uma rara oportunidade de mostrar outro lado do país.

"Até cinco anos atrás, tudo o que se ouvia falar sobre Juba ou o Sudão do Sul era que havia pessoas famintas e agonizantes", disse Logune, que como modelo se chama Eva Lopa.

Décadas de guerra civil deixaram milhões de pessoas deslocadas internamente e refugiadas, muitas vivendo nos vizinhos Quênia ou Etiópia, ou na África do Sul, nos Estados Unidos ou no Canadá.

Garang nasceu em Juba e se mudou quando criança para Cartum, a capital do Sudão, depois que seu pai morreu.

Quando tinha 18 anos, ela e sua mãe foram para o Cairo, onde, no início, ela teve de trabalhar como faxineira. Como falava bem inglês, conseguiu um emprego melhor, como recepcionista, mas ainda se lembra do racismo que às vezes a confrontava quando viajava de ônibus no Egito.

Mudou-se novamente, para o Reino Unido, e acabou fazendo mestrado na Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres. Voltou para o sul do Sudão pouco antes da assinatura do Acordo Abrangente de Paz, em 2005, que deu origem à independência do Sudão do Sul.

Por meio de seu trabalho com a ONU e grupos beneficentes, Garang viajou pelo país reunindo artefatos, tantos que transformou sua casa em uma galeria. Ela combinou seu hobby de colecionar com o interesse por moda para organizar o primeiro desfile de moda no país, no ano passado, pelo qual ela mesma pagou.

As roupas deste ano, todas criadas localmente, exceto por uma linha da Etiópia, misturam tecidos tradicionais africanos com cortes modernos.

As modelos ainda não desenvolveram a aparência fria e distante de suas colegas de Paris e Milão e dançavam atrás da cortina ao som de "Starships", de Nicki Minaj, enquanto esperavam para desfilar.

Uma modelo com a cabeça raspada e um andar bem rebolado sempre provocava os mais fortes aplausos. Isto é, até que apareceu o modelo homem de Garang, com seus ombros largos e o peito nu, a cintura rodeada por contas amarelas, laranja e azuis, sob o olhar incrédulo dos homens e gritos entusiasmados das mulheres.

"É algo que eu sinto que tenho de fazer", disse Garang. "Até agora, parece que as pessoas estão gostando."


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