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Inteligência - Roger Cohen

Emboscados no caminho para a modernidade

Aspirações da Primavera Árabe foram frustradas

Paris

Com seu avanço por grandes extensões do Iraque e a declaração de um califado global, os fanáticos do Estado Islâmico no Iraque e no Levante (EIIL) pareceram ter soterrado os últimos sonhos da Primavera Árabe.

Estava no cerne dos levantes árabes, mais de três anos atrás, a convicção, especialmente entre os jovens, de que as sociedades poderiam avançar para além da dicotomia debilitante entre ditadura e islã radical e desenvolver sistemas pluralistas que oferecessem aos árabes escolhas, oportunidades e representação dentro do respeito às leis.

Essa mudança teria exigido a integração de políticos islamitas moderados (representado por alguns membros da Irmandade Muçulmana), a alternação no poder e a fuga dos extremos sectários, por meio do desenvolvimento de instituições mediadoras. Teria conduzido o mundo árabe para a modernidade.

Tirando a Tunísia e o Curdistão iraquiano, essas aspirações foram frustradas. Os sentimentos que levaram árabes a sair às ruas não desapareceram, mas as sociedades árabes mostraram ser incapazes desta evolução em uma direção mais pluralista e democrática. Em vez disso, assistimos a uma espécie de "libanização" do Oriente Médio, embora dizer isso seja fazer uma injustiça com o Líbano de hoje.

Considerando que, nas últimas décadas, sociedades diversas, desde latino-americanas a asiáticas, tiveram êxito no tipo de transição para sociedades mais pluralistas que muitos árabes jovens desejavam, por que os fatos seguiram um rumo tão negativo?

Para começar, há uma divergência fundamental entre os proponentes do islã político e seus adversários com relação à natureza das sociedades árabes. Apesar da aparente adesão da Irmandade Muçulmana ao processo político democrático como veículo de transformações graduais, essas diferenças mostraram-se impossíveis de resolver.

Em segundo lugar, o liberalismo nas sociedades árabes é fraco -uma corrente periférica do pensamento político. Quando cobri a deposição de Hosni Mubarak, no Egito, as vozes de liberais estavam entre as que clamavam mais alto por sua saída.

Mas, pouco tempo depois, após uma eleição em que Mohammed Mursi, da Irmandade, recebeu pouco mais de 51% dos votos, esses mesmos liberais me diziam que ele tinha que ser deposto. "Esperem quatro anos e então o afastem", dizia a eles.

"É assim que a democracia funciona." Eles não concordaram. Hoje, tudo está como de costume no Egito, com um ex-general, Abdel Fattah el-Sissi, eleito com quase 97% dos votos -não tanto quanto os 100% que Saddam Hussein se outorgou em sua última eleição, mas você entendeu o espírito da coisa.

Em terceiro lugar, a violência na Síria vem sendo um veneno.Deixou-se que um levante contra a ditadura de Bashar al-Assad se transformasse em guerra civil e se tornasse o palco do conflito sunita-xiita (com a Arábia Saudita sunita e o Irã xiita apoiando cada lado), além de incubador de novas expressões do jihadismo, como o EIIL. Perderam-se oportunidades de prevenir o desenvolvimento de algo que hoje é um teatro de guerra sírio-iraquiano. O EIIL é a imagem espelhada de Sissi, um extremo islamita em contrapartida a seu extremo anti-islamita.

Em quarto lugar, as rivalidades regionais vêm enfraquecendo as reformas em todos os lugares. Os sauditas (com o apoio de Israel) estavam determinados a fazer descarrilar o experimento da Irmandade Muçulmana no Egito; o Irã está determinado a reforçar Assad; Israel vem manobrando para buscar um status quo que consolide sua dominância. O status quo significa a não resolução do conflito palestino e uma preferência por líderes que governam com mão de ferro.

Em quinto lugar, a redução da credibilidade do poderio americano sob o presidente Obama, especialmente depois que ele recuou em relação à "linha vermelha" que tinha traçado sobre o uso de armas químicas na Síria, criou um vácuo que foi preenchido por forças que se opõem às reformas que os EUA apoiaram, pelo menos nominalmente, quando árabes jovens e corajosos ocuparam a praça Tahrir em 2011.

Estaremos vivendo uma primavera islamita? É possível, mas creio que ela terá vida curta, porque a maioria dos árabes jovens não deseja uma volta à Idade Média.

A melhor maneira de continuar a ter esperança é rever nossas previsões de tempo.

Mencionei a relativa estabilidade do Líbano. Ela foi alcançada por meio de partilha do poder (tosca, porém eficaz), um quarto de século após o fim da mortandade sectária gerada pela guerra civil no país. Pode ser que se leve o mesmo tempo no Iraque e na Síria. Ou talvez um novo começo envolva a fragmentação desses Estados.

Envie comentários para intelligence@nytimes.com


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