Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

New York Times

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Cinema digital impacta arte cubana

Por VICTORIA BURNETT

HAVANA - Sebastián Miló mal tinha dinheiro suficiente para abastecer o velho ônibus que levava sua equipe técnica ao set de filmagens todos os dias, o que dirá pagar salários aos atores.

Mas Miló, 33, cineasta cubano, tinha uma câmera digital Canon 5D e uma história para contar.

Assim, em uma semana frenética de maio de 2011, ele rodou "Camionero" -um filme de 25 minutos sobre o bullying- numa das elogiadas escolas internas rurais onde milhões de cubanos costumam cursar parte de seus estudos secundários.

Miló faz parte das centenas de diretores de cinema que, armados com a tecnologia digital, estão criando as bases de um cinema independente cubano. Um cinema que está fora do aparato de Estado, que definiu a produção cinematográfica durante boa parte do governo de Fidel Castro e que ainda controla o acesso às salas de cinema na ilha.

Em muitos casos, cubanos estão fazendo longas-metragens, curtas, documentários e trabalhos de animação com pouco mais que amigos e alguns equipamentos de baixo custo. Seus filmes recebem pouco apoio do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (Icaic), patrocinado pelo Estado.

Recentemente, Miló recebeu financiamento de US$ 10 mil de uma produtora espanhola, a Idunnu Music and Visual Arts. Ele contou que a equipe técnica e os atores trabalharam praticamente de graça. "Falaram que a mensagem do filme era importante para eles", explicou.

O "boom" global do cinema digital chegou a Cuba ao longo dos últimos dez anos, abrindo para diretores a possibilidade de criar obras que fugiam da supervisão das instituições financiadas com dinheiro público. O cinema independente tornou-se um novo meio de expressão num país em que, apesar das liberdades e das reformas econômicas introduzidas pelo presidente Raul Castro desde 2006, o Estado ainda controla a imprensa nacional, a televisão e o rádio, sendo o acesso à internet muito limitado.

Embora não seja possível estimar quantos filmes independentes já foram feitos, eles dominaram os trabalhos cubanos exibidos no Festival Internacional do Novo Cinema Latino-Americano, em Havana, e alcançaram visibilidade comercial antes inédita no ano passado com "Juan de los Muertos", filme sobre mortos-vivos lançado em vários países.

Por décadas, o Icaic foi uma ferramenta importante do programa do governo para educar os cubanos e para construir uma narrativa nacional dentro do sistema comunista. O instituto produzia dezenas de documentários e longas-metragens todos os anos e fomentou diretores aclamados, incluindo Tomás Gutiérrez Alea (conhecido como Titón), Humberto Solás e Fernando Pérez.

Após a queda da União Soviética, a verba do Icaic minguou. Hoje, o instituto depende de fontes no exterior para produzir um punhado de longas-metragens por ano. A explosão do cinema independente vem rendendo uma diversidade de filmes, alguns de gêneros rejeitados pelo sistema oficial, como suspenses e filmes de terror, e outros que traçam retratos duros ou satirizam amargamente o lado mais sombrio da vida na ilha.

"Melaza" (Melado), o filme de estreia de Carlos Lechuga, 29, traz uma história de degradação social numa cidade açucareira cuja usina foi fechada. Ele disse que os filmes independentes estão alimentando um diálogo entre cubanos ansiosos por verem as dificuldades de suas vidas tratadas na tela grande.

Mas os diretores enfrentam problemas para levar seus trabalhos até o público. O Icaic controla as salas de cinema do país, e o acesso à internet ainda é raro, caro e lento demais para permitir o download de filmes.

Karel Ducasse fez 500 cópias de seu documentário de 2007, "Zona de Silêncio", que fala sobre a censura, para vender e distribuir em festivais. "O Estado tem medo da mídia digital", comentou. "Sabe que qualquer coisa pode ser passada de mão em mão na ilha."

Os produtores cubanos estão ansiosos por uma legislação que lhes permita criar produtoras privadas e buscar autorizações para fazer filmes sem a obrigação de passar pelo Icaic.

Até mesmo o fundador do Icaic, Alfredo Guevara, disse acreditar que o Estado irá adaptar-se aos poucos à realidade de um cinema independente, e assim o cinema cubano poderá recuperar o brilho de filmes como "Memórias do Subdesenvolvimento" e "Morangos e Chocolate", de Gutiérrez Alea.

"Uma nova geração vai emergir", disse ele. "Talvez não surja outro Titón ou outro Humberto Solás. Mas haverá alguém, tenho certeza."


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página