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New York Times

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Artista usa fragmentos do cotidiano ganense

Por HOLLAND CARTER

Uma das maiores atrações da Bienal de Veneza, seis anos atrás, era um enorme lençol de luz ondulante que flutuava no salão principal e ia do piso até o teto. Numa cidade de mosaicos, a obra poderia ser vista como um supermosaico incrustado com ouro e prata.

Via-se que o objeto era composto por partes minúsculas e incontáveis: pedaços de metal colorido retorcidos para formar faixas, quadrados e círculos amarrados com fios de cobre.

Era possível identificar as palavras impressas sobre alguns dos pedaços: Bakassi, Chelsea, Dark Sailor, Ebeano e King Solomon. Algumas delas soavam estrangeiras. O mesmo poderia ser dito sobre o nome do artista: El Anatsui.

Naquele grande lençol de luz, o espectador enxergava a África, não a Europa, e o tecido tradicional "kente", não uma tapeçaria barroca. O fato de os pedaços metálicos parecerem material de ferro-velho ganhou significado. Clichês foram sendo ativados: África = reciclagem. A arte que no minuto anterior tinha sido apenas belíssima agora se tornava exótica e misteriosa.

Como foi que o trabalho de um artista africano virou a principal atração da vitrine mais prestigiosa da arte contemporânea mundial? Historicamente falando, artistas negros africanos conquistaram a atenção internacional apenas quando viveram e trabalharam fora do continente. A arte deles ganhava aceitação na medida em que divulgava sua africanidade. A "tour de force" de Anatsui em Veneza não satisfazia a nenhum desses critérios.

Agora, seis anos mais tarde, as mesmas perguntas podem ser expressas, dessa vez em torno da brilhante retrospectiva "Gravidade e Graça: Trabalhos Monumentais de El Anatsui", que ficará até 4 de agosto no Museu do Brooklyn, em Nova York.

El Anatsui nasceu em 1944 em Gana, que na época era a colônia britânica Costa do Ouro. Seu pai era pescador e artesão mestre na produção do tecido "kente".

Anatsui não chegou a aprender a tecer o "kente". Em vez disso, estudou arte no colégio e em programas universitários inspirados em modelos britânicos. Ao mesmo tempo, fez um esforço de imersão nas tradições ganenses locais. "Quando me formei na escola de arte, minha ideia era buscar o indigenato -trazer um pouco de material nativo para dentro de minha psique", contou a um entrevistador certa vez.

Seu primeiro trabalho como artista profissional, no início dos anos 1970, foi uma série de painéis de parede feitos de bandejas de madeira colhidas nas feiras de rua da cidade. Na superfície de cada bandeja, Anatsui gravou com ferro quente símbolos de têxteis ganenses, símbolos de mitos e memórias. Vistos num contexto ocidental, os resultados parecem abstratos, mas, na África, tinham significado específico.

A série também apresentou traços que iriam caracterizar boa parte de sua produção futura: o uso de materiais à mão, a portabilidade e a abstração.

Em 1975, Anatsui foi convidado para ser professor de escultura na Universidade da Nigéria, na cidade de Nsukka, onde se radicou. Pouco depois de chegar, ele começou a criar esculturas de cerâmica na forma de versões quebradas e remendadas de vasos tradicionais, sendo o interior deles repleto de formas que lembravam serpentes retorcidas. Eram objetos agitados, ferozes e desintegradores, que refletiam seu próprio senso de deslocamento ou o clima de toda a África pós-colonial em um momento de desilusão dolorosa.

O senso de turbulência continuou quando ele voltou a trabalhar com madeira. Em 1980, Anatsui adotou ferramentas elétricas na criação de suas esculturas.

Em 1990, quando o Museu Studio do Harlem enviou curadores à Nigéria para procurar artistas para sua mostra "Artistas Africanos Contemporâneos -Mudando a Tradição", Anatsui era um dos primeiros nomes da lista. Quando cinco artistas daquela exposição foram selecionados para participar da Bienal de Veneza, Anatsui foi um deles. A ocasião era histórica: a primeira vez em que artistas subsaarianos participavam da Bienal de Veneza.

Um momento de virada aconteceu em 1998, quando Anatsui inventou uma nova forma de arte. Um dia, segundo seu próprio relato, durante um passeio de rotina em Nsukka em busca de materiais interessantes para usar, ele topou com um saco de lixo cheio de tampas de garrafa de um tipo fabricado por destilarias nigerianas. Anatsui tinha encontrado seu material ideal: de fabricação local, fácil de encontrar e carregado de simbolismo cultural.

As bebidas destiladas chegaram à África com o colonialismo. A produção de rum moveu o comércio transatlântico de escravos. Mais tarde, a África tinha se apropriado de um produto importado da Europa e de valor dúbio. A história de tudo isso estava impressa, resumidamente, nos nomes de marca presentes nas tampinhas de garrafas: Bakassi, Chelsea, Dark Sailor e Ebeano.

Anatsui comentou: "Quando comecei a trabalhar com as tampas de garrafas, pensei em fazer uma ou duas coisas com elas. Mas então as possibilidades começaram a me parecer intermináveis". Como as esculturas anteriores de cerâmica e painéis de madeira, elas falam da decadência e da regeneração numa linguagem universal.

Para o futuro, Anatsui quer trabalhar ao ar livre. Neste ano, na primavera europeia, ele fará uma instalação diante da Royal Academy, em Londres, e outra em Amsterdã. Grande, mas leve e iluminada, é essa a meta da obra. "Estou buscando a leveza."


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