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Opinião

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Anna Veronica Mautner

Geografia especial

Éramos a Turma da Maria Antonia, uma patota ousada. Não pensávamos no futuro. Estávamos juntos para pensar e crer. Intelectuais de vanguarda

Antigamente, mas não há tanto tempo assim, as patotas muitas vezes ganhavam o nome das ruas, praças e bares em que se reuniam.

Eu vou falar da minha rua, da minha patota. A chamada Turma da Maria Antonia ficava transitando entre a própria rua Maria Antonia, a rua Doutor Vila Nova e a praça Leopoldo Froes.

Na rua Doutor Vila Nova, ficava também o colégio Rio Branco, anos depois transferido para a avenida Higienópolis, deixando lugar para o Sesc, lá até hoje.

Na época, ainda existia o bonde Vila Buarque. Não tínhamos indústria automobilística e quase nenhum de nós tinha automóvel.

A escola, a faculdade, o grêmio eram os lugares onde nasciam os "homo politicus" de então.

Foi por aí que muitos humanistas, anos depois famosos, nasceram. Ruth Cardoso, Fernando Henrique, Lourdes Sola, Giannotti, Bento Prado, Paul Singer e tantos outros. Toda uma geração que se alimentava mutuamente.

O lugar de namorar era a praça Leopoldo Froes, bem arborizada, de noite apelidada como o "centro de namoro S/A".

Muitos de nós nos casamos entre nós, muitos só namoramos, mas éramos uma geração que se reconhecia como tal. Éramos uma patota ousada. Não pensávamos no futuro. Queríamos estar juntos para pensar e crer. Intelectuais de vanguarda.

Por ali, não havia nada de bar chique. Era tudo de pé na calçada ou em mesinhas de plástico. Professores podiam entrar, mas não frequentá-los. Não era para a geração deles. Naquele tempo, ainda mantinham a liturgia dos cargos.

Um dia, na década de 60, Ruth Cardoso, Fernando Henrique e, se não me engano, Paul Singer chegavam de uma reunião de estudantes e operários no ABC, moda na época. Ao encontrar a turma papeando no Pompom (um dos bares locais), contaram que tinham conhecido um sindicalista genial, um grande orador. Adivinha quem era? Luiz Inácio da Silva. Foi assim que na nossa cabeça nasceu o mito Lula, que depois divulgamos para o resto dos coleguinhas socialistas, comunistas e esquerdistas.

Anos depois, a cidade universitária, lá no Butantã, absorveu a Faculdade de Filosofia, e tudo mudou. Diluiu-se a patota. Nada de saudosismo. Esse novo mundo é apenas diferente do anterior. O que na Maria Antonia estava reunido --Letras Clássicas e Modernas, Sociologia, Pedagogia-- se misturou na cidade universitária, apesar da distância entre os prédios.

Alguns migraram de área, como, por exemplo, Antonio Candido, que saiu da sociologia para adentrar a teoria literária, como também o fizeram Roberto Schwarz e Walnice Nogueira Galvão. Outros, como o Gabriel Bolaffi, foram para a arquitetura. Poderia citar mais nomes, todos grandes mestres que nasceram de uma confluência de ruas.

Por que escrevi isso? Porque ninguém mais --que eu saiba-- o fez. Alguns esqueceram (duvido!). Outros, como eu, guardam essas memórias só para si. Hoje achei que valia a pena marcar na geografia da cidade o local onde nasceu uma certa cultura acadêmica, possivelmente a mais importante de São Paulo e talvez até do Brasil.


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