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Drogas, sem metafísica
Afirmações de papa Francisco sobre entorpecentes, embora legítimas, pouco contribuem para um debate que deve se manter livre de preconceitos
O papa Francisco tem razão ao afirmar que uma política de drogas mais flexível, como se discute em várias partes da América Latina, não vai resolver o problema da dependência química. O debate sobre o tema, contudo, está longe de se esgotar nessa afirmação um tanto evidente e simplista.
A ideia por trás da legalização das drogas ou da despenalização de seu uso é a de não acrescentar à longa lista de provações que o dependente já enfrenta atribulações com a polícia, processos judiciais e a possibilidade de encarceramento. O usuário deve ser visto como matéria de saúde pública, e não de segurança.
Se o sumo pontífice acerta parcialmente no diagnóstico, a terapêutica que propõe padece de ingenuidade. É pouco crível imaginar que as dificuldades impostas pelo vício em drogas sejam resolvidas "educando os jovens para os valores que constroem a vida comum", como afirmou Francisco.
A verdade é um pouco mais trágica. Pelo menos no atual estado da arte, o problema não tem resposta no que diz respeito à dependência. Ela é uma decorrência da arquitetura neuroquímica humana, sujeita a experimentar prazer, aprender e lembrar. Campanhas de esclarecimento são desejáveis, mas elas não encerram a questão.
A pior contribuição do papa a esse debate, contudo, não está nas soluções simplistas que propõe. O abuso de metáforas hiperbólicas, que contrapõem bem e mal absolutos, apenas turva uma discussão que deveria ser tão serena e livre de preconceitos quanto possível.
Não faz sentido qualificar indistintamente todos os traficantes como "mercadores da morte", como fez Francisco. Boa parte da rede de distribuição de drogas é composta por dependentes que se apropriam de parcela do produto repassado a outros usuários para poder sustentar o próprio vício.
Quanto a esse ponto, o combate às drogas ilegais deve ser centrado nas principais rotas e nas grandes estruturas do narcotráfico.
Ninguém espera que o papa se torne um defensor de experimentações lisérgicas e de outras manifestações do hedonismo contemporâneo. Como líder de uma instituição milenar, ele tem um compromisso com a tradição e, por que não dizê-lo, com o conservadorismo. Suas opiniões são legítimas e merecem ser escutadas, embora pouco ajudem a esclarecer o tema de uma perspectiva técnica.
Francisco acerta, por exemplo, ao captar a insatisfação brasileira exposta na recente onda de protestos e se manifestar sobre a corrupção. O tema, porém, é consensual e acomoda com facilidade argumentos metafísicos. Não é o caso da discussão sobre as drogas.