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Fábio Wanderley Reis

TENDÊNCIAS/DEBATES

Candidatos à Presidência deveriam ser obrigados a apresentar programa de governo?

NÃO

Programas e "programas"

A ideia de que os candidatos produzam "programas", supostamente para fundamentar e orientar a decisão dos eleitores, guia-se pela visão idealizada de um eleitor "racional", que processaria sofisticadamente informações complexas sobre a correspondência entre seus interesses e as posições dos candidatos quanto a questões diversas para decidir como votar.

Essa, entretanto, não é a realidade. Especialmente nas condições que a desigualdade produz entre nós, os mecanismos em jogo são mais turvos, e os traços negativos de um populismo fraudulento podem operar de maneira que não se ajuste bem a visões convencionais em termos de interesses e, por exemplo, em "esquerda" e "direita".

As razões para a resposta negativa à pergunta podem ser elaboradas a partir de reportagem publicada na própria Folha (21/9). Com base em dados de pesquisa Datafolha, a reportagem mostra duas coisas.

Por um lado, informações combinadas sobre escolaridade, renda e acesso a bens de "conforto" revelam que, entre 2002 e 2014, a estratificação da população do país em cinco categorias, ou "classes", que vão de "excluídos" a "classe alta" muda, de uma forma inicial de pirâmide em que as categorias maiores eram as inferiores, para uma figura ovalada em que a categoria predominante vem a ser a "classe média intermediária".

Por outro lado, as intenções de voto para presidente apresentam correlação exemplarmente nítida com a posição socioeconômica das pessoas: à medida que descemos os estratos socioeconômicos, o apoio aumenta passo a passo no caso de Dilma Rousseff, enquanto diminui com igual clareza nos casos de Marina Silva e de Aécio Neves.

Ou seja: como pudemos observar a partir da eleição de 2006, o voto dá expressão à "questão social" brasileira e, atualmente, encontra-se associado de maneira inequívoca com a execução, ao longo de anos, de um programa, sim, dirigido a o que é sem dúvida o nosso grande problema, a desigualdade social.

O fato de que esse programa "real" esteja ou não escrito em algum documento que a candidata do governo exiba é, naturalmente, irrelevante: não há como ignorar a promoção social ocorrida, mesmo que se possa complicar (digamos, com dados sobre patrimônio) a avaliação da desigualdade.

Se a visão do eleitor "racional" idealiza o eleitor, ela também entorta e simplifica as coisas ao omitir o papel de fatores de identificação e solidariedade no processo político-eleitoral --e o papel dos partidos em conexão com isso.

É a combinação de tais fatores com a avaliação frequentemente pouco sofisticada dos interesses em jogo que permite a intensa lealdade atual de vastos setores do eleitorado para com o "poste" eleitoral que era a Dilma de 2010, produzida pelas bênçãos do lulismo.

No êxito dessa projeção partidária da liderança pessoal de Lula, de velhas raízes mais sólidas, reside, se tratamos de ser realistas, uma razão importante para a expectativa de que eventualmente possamos alcançar um sistema partidário simplificado e consistente. O enfrentamento (a polarização?) PT-PSDB tem insinuado esse avanço, com "reais" programas alternativos que --no lugar próprio, os partidos-- também ganham clareza.

E note-se na eleição de agora que Marina Silva, a forte candidata que logo brandiu um "programa", teve rapidamente evidenciado seu personalismo inconsistente e perigosamente amorfo.


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