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Carlos Bezerra Jr.

TENDÊNCIAS/DEBATES

Além da Lei Áurea

Em SP, as empresas flagradas explorando trabalho escravo terão o maior prejuízo desde a Abolição, com a lei que cassa o cadastro no ICMS

O Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, lembrado em 28 de janeiro, remete à exploração que parece anacrônica em nossos dias. Mas, infelizmente, só parece: desde 1995, quando a política brasileira contra a escravidão contemporânea começou a ser estruturada, mais de 43 mil pessoas foram libertadas. O total de vítimas do crime, no entanto, deve ser muito maior, segundo fiscais do trabalho.

Nem o Estado mais rico da Federação escapa à essa realidade -em São Paulo, na esteira do lucro a qualquer custo, há empresas que usam dessa exploração para obter ganhos 200% maiores que os da concorrência. O resíduo dessa engrenagem, porém, é o sangue de brasileiros e imigrantes. Há alguns dias, entretanto, esse mecanismo sofreu um duro golpe.

Projeto que elaborei, apontado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como referência mun-dial contra a escravidão, foi transformado em lei pelo governador Geraldo Alckmin.

A lógica da proposta é cortante. Se o trabalho escravo visa ao lucro, então, para combatê-lo, é preciso gerar prejuízo a quem o pratica: a empresa flagrada terá seu cadastro no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cassado. A punição vale a beneficiárias diretas ou indiretas. Aos sócios autuados, será vedada nova inscrição por dez anos.

A medida vai além da defesa de trabalhadores. Abre portas a uma nova lógica de mercado, com regras iguais e concorrência justa. Até agora, empresas vinham se utilizando de escravos para aumentar a produção e diminuir custos: deixavam de contribuir para a seguridade social e para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), não pagavam o piso das categorias, as férias, as horas extras e o 13º salário.

E nada disso, diga-se, redundava em queda no valor final do produto. Ou seja, de um lado, o governo não arrecadava. De outro, o consumidor pagava a conta. Assim, grandes empresas turbinavam suas receitas.

A grife Zara foi acusada de algo parecido. Depois das operações do Grupo de Erradicação do Trabalho Escravo Urbano, da Superintendência do Trabalho de São Paulo, porém, a multinacional viu suas ações caírem cerca de 5% e arcou com quase R$ 5 milhões em autuações. Sem falar na chance de entrar para a "lista suja", cadastro de empregadores flagrados nessa exploração.

Trabalho escravo é questão social. Mas é também assunto econômico. Na Califórnia, empresas são obrigadas a relatar o que fazem para combatê-lo. O assunto é recorrente em seminários da Universidade de Manchester (Reino Unido) e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA). E, no Brasil, mobilizou cerca de 400 empresas que bloquearam produtos feitos com essa exploração, compondo o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

Ao decretar tolerância zero a esse crime, São Paulo passa a seguir essa tendência, acreditando que a luta contra o trabalho escravo não apenas assegura dignidade a trabalhadores, mas dá à sua economia diferencial que servirá de exemplo ao país. O mercado saberá: o que é produzido em território paulista é feito com transparência. A lei trará mudança de cultura, avanço social e novos dividendos ao empresariado que cumpri-la.

Ganham os paulistas, ao fazer de seu Estado um lugar onde o lucro a qualquer custo jamais se sobreporá aos direitos humanos. Ganha o Brasil, ao receber a medida que mais gerará prejuízo a escravagistas desde a Lei Áurea.


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