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Entrevista da 2ª - Lindbergh Farias

Partido deixou de ser um instrumento de mobilização

POLÍTICO QUE FOI LÍDER DOS CARAS-PINTADAS NOS ANOS 90 FALA DO 'DESCOLAMENTO' DOS GOVERNOS DA REALIDADE DAS PESSOAS

FERNANDO RODRIGUES DE BRASÍLIA

Partido político "virou coisa de eleição" e "deixou de ser instrumento de mobilização das ruas", constata Lindbergh Farias, ex-líder dos caras-pintadas que em 1992 ajudou a pressionar pelo impeachment do então presidente Fernando Collor.

Há dez anos no poder, o PT e outras siglas de esquerda experimentam "um afastamento" das demandas da sociedade, "principalmente desse contato com a juventude", afirma Lindbergh em entrevista à Folha e ao UOL. "Acho que houve um descolamento da vida das pessoas".

Aos 43 anos, hoje senador da República pelo PT do Rio de Janeiro, Lindbergh acumula vasta experiência no currículo sobre protestos de rua. Foi do PC do B, do trotskista PSTU e virou petista em 2001.

Para ele, o PT ficou ao largo dos atuais protestos. "A lógica de estar nos governos acaba distanciando de uma pauta mais real". E falar de conquistas passadas "não basta mais", diz ele. "Se nós do PT ficarmos na agenda antiga dos [últimos] dez anos, nós vamos ser superados".

O petista compara as manifestações de hoje com as de duas décadas atrás e lembra que, no impeachment, demorava até 15 dias para marcar uma passeata. Hoje o movimento é instantâneo por meio das redes sociais.

A composição demográfica também se alterou. "Na minha época era mais juventude de classe média. Agora tem classe média e periferia, que é essa nova classe média." A seguir, trechos da entrevista:

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Folha/UOL - Qual é a diferença entre as manifestações atuais e as de 1992, durante o movimento Fora Collor?
Lindbergh Farias - Muitas. Vamos começar pela forma de convocar. A gente gastava 15 dias para organizar uma passeata. A UNE [União Nacional dos Estudantes] tinha que chamar uma reunião dos DCEs [Diretórios Centrais de Estudantes] e grêmios. Organizava visitas a escolas, passagem em sala de aula... Agora, não. Há as redes sociais.

Há outra diferença fundamental: hoje não existem líderes definidos...
Antigamente, para ter uma passeata, você precisava de uma direção. Uma UNE, um partido, um sindicato. Agora, esse movimento começou pelas redes sociais. Marcaram e a coisa foi crescendo. Isso é como se o movimento dissesse o seguinte: Eu não preciso de direção para marcar, para convocar'. É uma coisa mais horizontal. Acho que isso é positivo.

As redes sociais já convocaram várias manifestações, mas sem sucesso. Por que agora funcionou?
Porque tinha um sentimento. A bandeira muito popular: transporte público nas regiões metropolitanas. Estamos falando de um caos. As pessoas estão ficando três, quatro horas por dia presas no transporte público de má qualidade. E também há um certo clima com esses eventos, como Copa das Confederações... Há um sentimento de que o dinheiro é gasto para os turistas e não para as pessoas. Houve uma percepção do povo de que é um desperdício.

Os partidos políticos foram negligentes?
Acho que sim. Nos últimos dez anos, houve muitos avanços no Brasil. Quarenta milhões ascenderam à classe média. Mas a vida nas grandes metrópoles está um inferno. Os serviços são muito ruins. Saúde hoje é um problemaço'. Aquele jovem de 17 ou 18 anos, que está entrando em uma universidade, está irritado com as instituições, com os governos, com as prioridades tomadas. Quando vê uma Copa das Confederações, essa grande festa, esse Brasil do cartão postal', ele chama para o Brasil real.
Esse movimento está com base popular. Tem uma coisa diferente da minha época.

O quê?
Na minha época, da juventude do movimento do impeachment [do então presidente Collor], era mais de juventude de classe média. Eu queria que não tivesse sido. Queria que tivesse lá a juventude da periferia... Mas foi muito da classe média. Agora, acho que tem duas cores: juventude classe média e juventude de periferia ""que é essa nova classe média.

Esse movimento sobrevive sem direção?
Sobrevive. E tem mais: quem acha que a redução do preço de passagem de ônibus vai resolver o problema está muito enganado. Eles ganharam força. O movimento sobrevive de vitória. Eles tiveram uma grande vitória.
Quem é que baixa a passagem de transporte coletivo? Ninguém. Eles conseguiram. O povo, a partir de segunda-feira [hoje], que pegar o seu ônibus ""povo trabalhador, pobre"" criou um laço com esse movimento também.

Qual é o passo seguinte?
Se eu pudesse dar um conselho para esse pessoal, eu diria o seguinte: pegar uma bandeira tipo salário de professor. Imagina esse movimento dizendo o seguinte: Tem que melhorar o salário do professor'? Ia emparedar todo e qualquer prefeito, todo e qualquer governador.

Governadores e prefeitos que cederam ao baixar as tarifas foram a reboque do movimento, empurrados?
Claro. Completamente.

Ficaram mais fracos?
É claro. O resultado é o seguinte: vamos continuar nas ruas e vamos atrás de mais vitórias. A leitura é clara. Talvez os governantes tivessem que ter se reunido, construído uma saída. Do jeito que foi, na verdade, eles foram empurrados a aceitar aquilo.

O que poderiam ter feito?
A condenação à repressão que houve no primeiro dia é uma coisa que todos tinham que ter feito. Aquilo que houve em São Paulo e no Rio de Janeiro foi uma violência muito grande. Acabou dando um grande combustível ao movimento.
E tinham que ter tentado alguma mediação. Essa redução do preço da passagem tinha que ser fruto de um acordo, de uma vitória.

Alguma contrapartida para os dois lados?
Para os dois lados. Meu filho [Luiz Farias, 17 anos] está participando das passeatas lá do Rio. Eu falei com ele ontem [19.jun] à noite e ele disse: Para mim, não foi vitória nenhuma. Diminuir R$ 0,20 do preço da passagem?'. Entendeu? Acho que é um fortalecimento desse movimento. Agora, eles terão de achar a segunda bandeira.

Parece difícil hoje encontrar alguém interessado em se filiar a um partido. Por quê?
Partido virou coisa de eleição. Tem gente que tem as suas preferências no período eleitoral. Mas partido deixou de ser instrumento de mobilização das ruas. Até porque os nossos partidos de esquerda chegaram ao poder e estão aí há dez anos. Houve um afastamento, principalmente desse contato com a juventude.

O sr. já foi do PC do B, do PSTU. Está no PT desde 2001. Por que aconteceu isso, sobretudo com o PT?
Houve um descolamento nesse momento. Um descolamento de todos os governos de uma realidade. E da vida das pessoas.

Por que o PT não percebeu?
Porque está distante. A lógica de estar nos governos acaba distanciando de uma pauta mais real da vida das pessoas. Essa classe média que conquistou muita coisa agora quer melhorar a saúde, quer melhorar a sua vida.
O que houve de conquistas nos dez anos de governo Lula e Dilma não basta mais. Estamos encerrando a miséria absoluta no país. Muito bem. 40 milhões entraram na classe média. Muito bem. Qual é a pauta que estão impondo para a gente do PT também? É uma pauta da vida nos grandes centros urbanos, a luta contra a desigualdade, a luta para melhorar a saúde.

Mas o governo e o PT dizem que estão atentos a tudo isso. Estão "míopes"?
Tem que sentir mais a realidade. Por exemplo, obras da Copa lá no Rio de Janeiro. Metrô de Ipanema para a Barra? Qual é o legado? BRT [Bus Rapid Transit] sai de onde? Sai do aeroporto Galeão e vai para a Barra da Tijuca. O que o povo acha? Estão fazendo obras para os turistas.

Os partidos devem ir às ruas?
Quem chegar a reboque nessas manifestações não vai ser bem recebido. O movimento surgiu sem apoio dos partidos e das entidades. Acho que os partidos e entidades têm que ter cautela. Quem chegar agora, querendo surfar na onda, será repreendido pelo movimento. Eles estão fortes.

Por que a UNE está sumida?
A UNE está pagando o preço dos partidos de esquerda estarem no governo nesses dez anos. Ficou para trás na convocação desses movimentos. É como se a UNE não fosse tão necessária. Perdeu o bonde. Não adianta agora querer assumir o controle, porque os estudantes não vão deixar.

O movimento de rua pode abraçar a necessidade de reforma política?
Reforma política está fora dessa pauta aí. A pauta que esses caras podem ajudar é colocar a vida do povo no centro do debate político.


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