Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Poder

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Análise - A igreja e o gays

Posição da igreja é a mesma, mas a ênfase é outra

A rigor, nada do que Francisco disse é novo, mas, em uma instituição milenar, enfoques também são importantes

REINALDO JOSÉ LOPES COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Como está virando rotina desde que Jorge Bergoglio se tornou papa, o pontífice tem conseguido mandar mensagens poderosas seja pelo que fala, seja pelo que cala. A declaração sobre sua recusa em "julgar" quem é gay, mas busca a Deus de modo sincero, provavelmente precisa ser lida dentro dessa moldura.

É verdade que, a rigor, não há nada de inovador em Francisco afirmar que é preciso acolher as pessoas com "tendências" homossexuais e inclusive citar o catecismo da Igreja Católica. É o que os últimos papas têm dito.

A questão é que a igreja traça uma distinção aristotélica entre "tendência" e atos, em especial atos rotineiros e que não envolvam arrependimento e desejo de conversão, de deixar de agir daquele modo.

A visão católica tradicional é que a prática homossexual é um pecado como qualquer outro --como o adultério cometido por heterossexuais casados, digamos. Ninguém pode, por um ato de vontade, simplesmente evitar o desejo por outra mulher mesmo sendo casado, mas o que pode e deve fazer, diz a igreja, é evitar que esse desejo saia do controle e vire uma traição.

A proibição cristã da prática homossexual está diretamente ligada às origens judaicas da igreja. Em passagens do Levítico, a Bíblia hebraica condena os "homens que se deitam com outros homens como se fossem mulheres", dizendo que se trata de uma "abominação" e condenando ambos à morte. Não há registros confiáveis de alguém que tenha sido sentenciado a essa pena na época em que os israelitas eram uma nação independente.

Embora interpretações posteriores do Gênesis associem a destruição de Sodoma e Gomorra pela ira divina a uma tentativa de estupro homossexual por parte dos moradores contra anjos enviados por Deus, o sentido da passagem parece ser o de que foram condenados por violar o costume de respeitar os hóspedes, importante "lei não escrita" do Oriente Médio.

No Novo Testamento, os Evangelhos não registram nenhuma fala de Jesus sobre a homossexualidade. Em algumas de suas cartas, o apóstolo Paulo parece reafirmar a condenação judaica desse tipo de prática sexual. Alguns especialistas modernos dizem, no entanto, que a terminologia e o contexto dos textos paulinos são ambíguos.

Segundo eles, Paulo não estaria se referindo a relações consensuais entre dois gays adultos de mesma condição social, mas sim à prática de "pederastia", na qual um homem de condição livre, já adulto, forçava adolescentes pobres ou escravos a serem seus amantes passivos. Nessa interpretação, Paulo estaria condenando a violência inerente a esse tipo de relação sexual. A ideia de "casamento gay" estaria simplesmente fora do horizonte cultural dos primeiros cristãos.

É perfeitamente possível interpretar a declaração de Francisco sobre os gays no mesmo contexto do que ele disse sobre sua recusa em citar temas como aborto, casamento homossexual e ordenação de mulheres. Nesses três temas polêmicos ele se limitou a dizer: o ensinamento da igreja não muda e não achei que era o caso ficar martelando os temas na Jornada Mundial da Juventude.

Por outro lado, é inegável que, numa instituição com tanto peso histórico quanto a igreja, enfoques e ênfases também são importantes.

Só para citar um exemplo, é improvável que João Paulo 2° achasse supérfluo insistir nessas questões. E abordar a questão da homossexualidade primeiro pelo ângulo da "misericórdia", por mais que isso possa soar condescendente aos ouvidos da militância gay, pode ter repercussões importantes na maneira como a questão é tratada no cotidiano pastoral da igreja.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página