Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Poder

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Questões de Ordem

MARCELO COELHO - coelhofsp@uol.com.br

Padrões brasileiros

Para Joaquim Barbosa, corromper um guarda de trânsito não é o mesmo que corromper um deputado

Os dias de descanso não esfriaram os ânimos no Supremo Tribunal Federal. Joaquim Barbosa voltou com tudo à sessão de ontem, que discutia a pena de um sócio de Marcos Valério, Ramon Hollerbach, pelo crime de corrupção ativa.

Desta vez, foi Marco Aurélio Mello quem pisou nos calos sensibilíssimos do relator do processo. Observou que o "mundo acadêmico", ou seja, o meio jurídico, ficava "estarrecido" ao ver pessoas condenadas a 40 anos de prisão, como é o caso de Marcos Valério.

Joaquim Barbosa disse algo entre dentes, e Marco Aurélio aceitou com gosto o desafio.

"Vossa Excelência cuide das palavras enquanto estou votando", disse Marco Aurélio. "E não sorria!", continuou, ao ver o rosto do colega. Barbosa enfeitou sua resposta: "Sorrirei quando assim o deliberar!"

Encerrada a enésima cena desagradável desse julgamento, Joaquim Barbosa abriu seu voto sobre Ramon Hollerbach com uma série de considerações teóricas pertinentes e que os posteriores argumentos do revisor Ricardo Lewandowski foram incapazes de desmontar.

As penas dos condenados estão saindo altíssimas, disse Barbosa, por dois motivos. Há o número de crimes em que se envolveram. E também há a gravidade dos delitos neles mesmos.

A lei sempre estipula uma pena mínima e uma pena máxima para cada tipo de crime. Para corrupção ativa, por exemplo, a pena hoje é de dois a oito anos de prisão.

Em geral, o juiz acaba sempre escolhendo a pena mínima, de dois anos, como base. E em seguida considera os possíveis agravantes: se o comportamento se repetiu muitas vezes, há a chamada continuidade delitiva, que pode aumentar em dois terços a pena-base.

Pois bem, disse Barbosa, o hábito de sempre começar os cálculos a partir da pena mínima traz distorções. Corromper um guarda de trânsito não é a mesma coisa do que corromper um deputado. No primeiro caso, a relativa desimportância do crime pode justificar a pena mínima. As consequências do mensalão foram de outra natureza; é a partir de uma pena-base já aumentada que se devem fazer os cálculos posteriores dos agravantes, chegando assim aos níveis que estarreceram Marco Aurélio Mello.

Lewandowski encarregou-se de contestar, não sem demagogia, o raciocínio de Barbosa. A corrupção de qualquer agente de Estado é igualmente grave, não podemos distinguir entre um policial de trânsito e um deputado...

Santo igualitarismo.

A situação do revisor era das mais instáveis. Primeiro, porque Barbosa acabara de citar uma decisão do próprio Lewandowski criticando a mania da pena mínima.

Segundo, porque Lewandowski invocou casos que não diziam muito respeito à discussão. Não se pode aumentar a pena mínima porque o juiz abomina especialmente determinado crime, disse ele. Ou quando o delito cometido é tipicamente aquele previsto na lei.

Mas se fosse assim, a lei determinaria uma pena única, de dois anos por exemplo, e não um intervalo tão largo entre a pena mínima e a pena máxima.

Lewandowski deu-se melhor quando saiu da teoria. Marcos Valério já estaria com uns 20 anos de prisão, mesmo se aplicado o mínimo. Já não está bom?

Para os "padrões brasileiros" -termo usado várias vezes por Lewandowski-, estaria sim. Mas são justamente os tais "padrões brasileiros" que fazem Joaquim Barbosa ranger os dentes.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página