Mestre do documentário, Errol Morris filma mistério da CIA

NAIEF HADDAD
DE SÃO PAULO

WORMWOOD (muito bom) * * * *
Primeira temporada da série
ONDE disponível na Netflix

A verdade vive sempre além de onde nós imaginamos que ela esteja. Podemos nos aproximar dela, mas nunca captá-la por inteiro.

O diretor americano Errol Morris reitera na série "Wormwood" esse ponto de vista, presente em boa parte de sua obra. "Sob a Névoa da Guerra" (2003), Oscar de melhor documentário, e "Procedimento Operacional Padrão" (2008), Urso de Prata em Berlim, estão entre os pontos altos da sua filmografia.

As relações obscuras entre o poder e o crime conduzem os seis episódios da série recém-lançada pela Netflix.

Em 1954, Frank Olson, cientista do Exército dos EUA, morreu após cair (ou pular) do décimo andar de um hotel em Nova York. As fontes oficiais falaram em acidente.

Em 1975, porém, uma comissão do próprio governo concluiu que Olson havia sido cobaia de um projeto secreto da CIA que avaliava o efeito de algumas drogas. O cientista teria se matado após uma reação ao uso do LSD.

O resultado da comissão levou o então presidente Gerald Ford a receber a família Olson para se desculpar pela ação da agência.


Eric, um dos filhos do cientista, não se conformou com a versão do LSD e, nos anos seguintes, recorreu a advogados e jornalistas em busca de novas descobertas. E mais do que isso convém não contar...

"Wormwood" demonstra como Morris, aos 69 anos, refina seu estilo como documentarista. A série alterna, de modo harmonioso, entrevistas, cenas de produções clássicas e filmes caseiros, fotos antigas (algumas de tom épico) e encenações de episódios essenciais da história.

As técnicas ficcionais só funcionam bem nesse contexto porque o diretor não descuida dos diálogos (um tributo a Hitchcock) e da mise-em-scène (a Manhattan art déco). Além disso, ele escolhe com cuidado o elenco, no qual Peter Sarsgaard chama a atenção como Frank Olson.

Inovações estéticas desenvolvidas nos últimos 40 anos foram decisivas para que Morris passasse a ser considerado um mestre do documentário pela crítica.

Mas "Wormwood" mostra que a excelência do trabalho também está naquilo que parece mais trivial no gênero, a entrevista. É um talento que Morris já havia apresentado em "Sob a Névoa da Guerra", com depoimentos de Robert McNamara, secretário de Defesa nos governos John Kennedy e Lyndon Johnson.

O fio condutor da série é justamente a entrevista com Eric Olson, PhD em psicologia que deixou a carreira de lado para buscar as razões do fim abrupto do pai.

Os depoimentos dele são valiosos como informação e potentes em sua carga dramática. A obsessão pela morte do pai, no limite do desvario, aproxima Eric de Hamlet. "Me lembrei do meu pai, mas esqueci quem eu era", diz ele.

Em meio a observações como essa, surgem cenas de Laurence Olivier como Hamlet no filme de 1948. A palavra "wormwood", absinto em inglês, está no texto de Shakespeare assim como nos versos do "Apocalipse", outra das referências da série.

Para Errol Morris, talvez só exista verdade nas tragédias.

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