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30/04/2012 - 17h00

Cruz Vermelha pressiona por ação de proteção a médicos em zonas de guerra

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SARAH BOSELEY
DO "OBSERVER"

Quando as tropas rebeldes estavam caçando Muammar Gaddafi depois de cercarem a cidade de Sirte, nos dias finais do levante líbio, o dr. Ali Mohamad al-Khamli fez uma escolha perigosa. O cirurgião líbio decidiu que ficaria no hospital de Ibn Sina, sabendo que esse gesto humanitário significava risco de vida. Mas não sabia que podia ser morto por parentes de seus pacientes.

Khamli, 26, e seus colegas estavam tentando salvar as vidas dos feridos, trabalhando em condições precárias. "A caixa d'água do nosso hospital foi danificada nos combates, e não estávamos recebendo suprimentos médicos", disse. "Em dado momento, tivemos de usar velas e a luz de nossos celulares para iluminar cirurgias, porque não havia combustível para o gerador. O pior, porém, aconteceu quando nossa sala de cirurgia foi destruída em um ataque com foguetes".

Naseer Ahmed/Reuters
Policiais revistam local onde Khalil Rasjed Dale, médico da Cruz Vermelha, foi encontrado morto em Quetta, no Paquistão
Policiais revistam local onde Khalil Rasjed Dale, médico da Cruz Vermelha, foi encontrado morto em Quetta, no Paquistão

Pelas 12 horas seguintes, não foi possível realizar operações a despeito do número crescente de feridos. Cadáveres também estavam sendo conduzidos ao hospital, mas não havia onde conservá-los. Khamli continuou trabalhando da melhor maneira possível, comendo apenas ocasionalmente e dormindo três ou quatro horas por noite.

Em circunstâncias tensas e desesperadas como aquelas, famílias de pacientes ameaçavam os médicos com armas, prontas para fazer qualquer coisa a fim de garantir que seus filhos ou pais fossem tratados primeiro. Os cirurgiões foram ameaçados de morte caso pacientes viessem a morrer. "Aprendi que, durante uma guerra, outras regras se aplicam", disse Khamli.

Mas ele continuou trabalhando, tentando seguir o código de ética médico. "Apesar da falta de respeito demonstrada por algumas pessoas armadas, os médicos precisam atender às necessidades dos pacientes."

O dr. Mustafa Elijafaari, 25, voltou à Líbia de seus estudos em Londres, durante o conflito, e operou em hospitais de campanha na companhia de outros jovens médicos, em Sabha e Bani Walid, na linha de frente do conflito. Ele também constatou que a demarcação natural entre o trabalho médico e a guerra podia simplesmente desaparecer. "Nos hospitais de campanha, foi preciso estabelecer regras claras, porque havia pessoas entrando armadas", disse. "As pessoas não compreendiam que estávamos lá para curar feridas, não causá-las".

Na Líbia, Síria, Afeganistão, Iraque, Somália e outros países dilacerados por conflitos, as regras e entendimentos internacionais quanto à santidade dos hospitais e outras instalações médicas estão sendo erodidas como nunca. Imagens de televisão tornaram mais visíveis os perigos que o pessoal médico vem correndo.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) iniciou uma grande campanha para persuadir governos e organizações internacionais a trabalhar para proteger os profissionais de saúde em situações de conflito, e para encorajar o respeito à ética médica.

Na última segunda-feira 923), um simpósio intitulado "Saúde em Perigo" foi realizado em Londres, com apoio da Associação Médica Britânica, da Associação Médica Mundial e da Cruz Vermelha britânica. O encontro serviu para pressionar as autoridades internacionais a agir.

"O objetivo é garantir a segurança e a provisão de tratamentos de saúde efetivos e imparciais em conflitos armados e outras emergências", disse Robin Coupland, o assessor do CICV. "O problema não é novo. Estamos mais conscientes dele devido às formas modernas de conflito que estamos vendo na África do Norte e no Oriente Médio. Os insurgentes detêm ambulâncias e homens armados invadem hospitais procurando pessoas. O pessoal de saúde se vê envolvido nesse tipo de incidente".

AMEAÇAS

Um estudo do CICV que abarcou 16 países identificou 665 ataques a pessoal ou instalações de saúde em prazo de 30 meses. Os ataques afetam não apenas o tratamento de combatentes feridos, mas o de homens, mulheres e crianças não combatentes.

Coupland menciona o bombardeio de uma cerimônia de formatura médica em Mogadíscio, em 2009, que resultou na morte de 14 estudantes, três médicos e na do diretor da escola de medicina. Foi uma tragédia para os envolvidos e um desastre para a Somália. Ele estima que o ataque tenha resultado em uma perda de 150 mil consultas médicas.

Ameaças a profissionais de saúde e os perigos que eles enfrentam estão entre as principais razões para que o mundo ainda não tenha conseguido erradicar a poliomielite. A doença agora é endêmica em apenas três países, mas um dos maiores problemas é tratar crianças na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que haja 400 mil crianças desprovidas da vacina contra a doença, na região. No ano passado, aconteceram 76 casos de poliomielite no Afeganistão -três vezes mais que no ano precedente. É uma ameaça ao controle mundial da doença, porque a doença se espalha quando pessoas das regiões afetadas viajam.

Jessica Barry, que trabalha para o CICV em Cabul, diz que a pressão nos grandes hospitais afegãos, como o Mirwais, em Kandahar, é agravada pela falta de serviços médicos em áreas rurais, o que força os pacientes a percorrer longas distâncias para procurar tratamento nas cidades.

"Nas áreas rurais onde existem combates ou insegurança, as clínicas locais funcionam parcial mas não totalmente", afirma. "As parteiras muitas vezes não conseguem chegar às clínicas. Médicos e enfermeiras estão assustados demais para percorrer as estradas que conduzem a elas."

Houve sequestro de pessoal médico, ou de profissionais de saúde forçados a tratar insurgentes; clínicas também se viram forçadas a ocultar armas ou combatentes, ou até foram tomadas como base para combatentes. Coupland diz que os governos e organizações internacionais poderiam fazer muito para salvaguardar os serviços de saúde, mesmo em meio a uma guerra. Os soldados precisam ser conscientizados. "Se existem hostilidades ativas e bombardeios, é claro que os comandantes têm o dever de saber onde ficam as instalações de saúde, para que não sejam atingidas", disse.

"Deve haver procedimentos e treinamento sobre como operar postos de vigilância, para permitir a passagem acelerada de ambulâncias. Verificar a presença de explosivos demora só cinco ou 10 minutos, e não é preciso usar cães para farejar os pacientes".

O CICV conversa com todas as partes em conflito e acredita que seja possível dialogar com os insurgentes. Em abril do ano passado, quando o Taleban sequestrou uma ambulância para usá-la como carro-bomba, o CICV protestou publicamente e o Taleban anunciou que o acontecido não se repetiria.

Tradução de PAULO MIGLIACCI.

 

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