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10/05/2012 - 21h50

Os riscos nos estaleiros de desmonte de Bangladesh

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JOHN VIDAL
DO "GUARDIAN", EM CHITAGONG

Quando o velho e enferrujado superpetroleiro Lara 1 chegou a Bangladesh duas semanas atrás, o capitão acelerou os propulsores pela última vez e empurrou o navio contra a praia até onde este avançasse, em Chitagong, a 212 quilômetros da capital, Dacca.

O colosso de 70 metros de altura e 400 metros de comprimento agora está atolado em um lodaçal no estaleiro de desmonte Rising Steel, à espera da chegada de um exército de jovens operários que trabalharão em seu desmonte por salários de pouco mais de uma libra esterlina ao dia (o equivalente a R$ 3,12).

O Lara 1 é um dos maiores cadáveres no maior cemitério mundial de navios, ladeado por um graneleiro europeu já meio desmontado e pelos restos de uma balsa europeia para transporte de automóveis.

E em toda parte dos 20 quilômetros de praia, intocados há apenas uma década, há navios encalhados --porta-contêineres, navios de transporte de minério, navios-tanque, navios de cruzeiro e carga de todos os tamanhos e tipos que vem sendo desmantelados manualmente nos 140 estaleiros do setor. A cada ano, mais de 250 navios destinados ao desmonte, muitos dos quais europeus ou britânicos, são transportados a Bangladesh para esse fim.

As equipes de operários equipados com maçaricos de oxiacetileno precisarão de quase seis meses para desmantelar o Lara 1, um navio com quase 42 mil toneladas de deslocamento. Na primeira semana, dizem os proprietários, o óleo, os resíduos tóxicos e outros resíduos serão removidos por bombeamento, partes da proa e de algumas anteparas serão retiradas e a reciclagem começará.

Os cabos, o aço, os geradores, chaminés, hélices, botes salva-vida, escadarias, pias, vasos sanitários e até as lâmpadas e todos os parafusos e porcas do Lara 1 serão vendidos no mercado de Bangladesh, onde serão transformados em materiais de construção, vigas, chapas metálicas e móveis. As chapas de aço do casco serão usadas na produção de embarcações fluviais e costeiras.

"Cada pedaço do navio será reciclado, reutilizado e revendido. Nada será desperdiçado. O navio ajudará a construir Bangladesh. Desmantelamos 2,5 milhões de toneladas de aço ao ano em Chitagong, mas precisamos de quatro milhões para continuar crescendo", diz Hefazatur Rahman, presidente do conselho do grupo Mostafa, que pagou US$ 20 milhões pelo Lara 1 e pode extrair US$ 10 milhões em lucros da desmontagem caso os preços do aço subam no ano que vem. Ou, como ele diz, pode perder tudo caso aconteça uma queda, como em 2008.

Mas agora, em uma decisão que a Índia, Bangladesh e outros países em desenvolvimento que operam grandes setores de desmonte de navios dizem pode ameaçar as economias de diversas de suas regiões, a União Europeia propôs leis que determinam que navios de bandeira europeia só possam ser desmontados por empresas que cumpram novas e rigorosas normas ambientais.

A estimativa da organização é que até 1,3 milhão de toneladas de resíduos tóxicos contidos em navios para desmonte sejam enviados a cada ano a Chitagong e outros portos de desmonte no sul da Ásia, e isso apenas da União Europeia, com riscos "incalculáveis" para os trabalhadores.

Sob a proposta delineada no mês passado em Bruxelas, navios europeus teriam de remover seus resíduos tóxicos antes que possam ser exportados, e os estaleiros de reciclagem de material naval terão de cumprir requisitos ambientais e de segurança severos. Os navios europeus só poderão ser reciclados nos melhores estaleiros.

Poucos estaleiros de desmonte em Bangladesh ou na Índia, os dois principais polos para essa atividade, seriam capazes de cumprir os padrões propostos sem imenso investimento.

CASOS DE ENVENENAMENTO

Os números são difíceis de verificar, mas organizações ambientais de Chitagong informam que nos últimos dez anos, centenas de homens que trabalham em estaleiros locais de desmonte morreram, foram mutilados, ou sofreram envenenamento. Muitos vêm das comunidades mais pobres do país.

"Em média, morre um trabalhador nos estaleiros a cada semana, e um trabalhador se fere a cada dia. Parece que ninguém se incomoda muito. É fácil substituir operários, para os donos dos estaleiros; quando um trabalhador se fere, há dez dispostos a substitui-lo. O governo recolhe impostos e finge que não vê", diz Muhammad Shahin, dirigente do Young Power in Social Action (YPSA), um grupo de ativistas.

"Explosões de gases acumulados e os vapores dos tanques são as principais causas de acidentes nos estaleiros", diz. Outros acidentes envolvem quedas --porque os trabalhadores não contam com sistemas de segurança--, bem como operários atingidos por peças que caem dos navios, ou são eletrocutados.

Na semana passada, o Exxon Valdez, petroleiro responsável por um dos maiores derramamentos de petróleo da história dos Estados Unidos, em 1989, foi vendido para desmonte e deve ser desmantelado em uma praia de Bangladesh ou da Índia.

"É um absurdo que esse navio, que já causou uma grande catástrofe ambiental, possa poluir e matar ainda uma vez", diz Jim Puckett, diretor executivo da Basel Action Network, que trabalha para prevenir a globalização da crise dos produtos químicos tóxicos. "O proprietário do navio deveria ser penalizado por simplesmente vender essa bomba-relógio tóxica e abdicar de qualquer responsabilidade posterior".

De acordo com a YPSA, a maioria dos operários do setor não conta com equipamento de proteção e muitos trabalham descalços. "Não há sistema de testes para o uso de guindastes, máquinas de carga ou polias mecanizadas. Os estaleiros reutilizam cabos e correntes recuperados de navios desmantelados, sem testar sua resistência. Incêndios, explosões de gás, placas de aço em queda, exposições a venenos e a óleo combustível, tintas e resíduos de porão causaram doenças respiratórias a milhares de trabalhadores", diz Shahin.

Mas os operadores de estaleiros insistem em que as condições melhoraram. "Mudamos. Agora as coisas são muito mais seguras, muito diferentes", diz Nazmul Islam, secretário da Associação de Desmonte de Navios de Bangladesh. "Estamos instalando equipamentos modernos e nos orientamos pela lei internacional. Construímos um hospital de 150 leitos para os trabalhadores. O supremo tribunal de Bangladesh promulgou novas normas, e temos incineradores e separadores. Comparada à situação existente três anos atrás, a atual é muito melhor. Agora temos instalações para armazenagem de amianto".

Mas Janez Potocnik, comissário de Meio Ambiente da União Europeia, não parece convencido. "Ainda que o setor de reciclagem de navios tenha melhorado suas práticas, muitas instalações continuam a operar sob condições perigosas e prejudiciais. A proposta visa a garantir que nossos velhos navios sejam reciclados de maneira que respeite a saúde dos trabalhadores e o meio-ambiente. É um sinal claro de que é preciso investir urgentemente na melhora das instalações de reciclagem", diz.

O certo é que o setor de desmonte de navios tem papel central no vertiginoso crescimento industrial de Bangladesh. Além de fornecer metade do aço usado anualmente nesse país de 160 milhões de habitantes, os estaleiros empregam mais de 20 mil funcionários diretos e número semelhante de trabalhadores indiretos, e pagam 70 milhões de libras anuais em impostos ao governo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI.

 

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