Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
29/05/2012 - 19h55

Mulheres afegãs fogem do país com medo do retorno do Taleban

Publicidade

TRACY MCVEIGH
DO "GUARDIAN"

Uma fuga de cérebros já está ocorrendo no Afeganistão: mulheres jovens vêm deixando o país antes da retirada das forças ocidentais em 2014, o que muitos temem venha a acarretar um recuo quanto aos direitos femininos.

A falta de compromisso do governo afegão para com a igualdade e medidas que restrinjam os maus tratos a mulheres em casa e no trabalho está gerando medo real de que elas sejam relegadas a uma posição inferior na agenda política, em meio à disputa de poder que deve surgir quando as forças da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) deixarem o país.

Kamal Kishore/Reuters
Mulheres afegãs aguardam, com seus filhos no colo, transporte em ponto de ônibus de Cabul
Mulheres afegãs aguardam, com seus filhos no colo, transporte em ponto de ônibus de Cabul

O agravamento da situação de segurança para os civis --as baixas entre os afegãos comuns vêm crescendo a cada ano, desde 2007, com 3.021 mortos em 2011, e as mulheres respondem por parcela desproporcional das vítimas-- fez com que muitas mulheres e meninas abandonem a educação e a força de trabalho e fiquem em casa, de acordo com Guhramaana Kakar, que assessora o presidente Hamid Karzai sobre questões de igualdade entre os sexos.

Falando ao "Observer", Kakar afirmou que as negociações entre o governo e o Taleban e outros grupos insurgentes desconsideravam as questões femininas. Uma recente pesquisa da organização assistencial ActionAid sugere que 86% das mulheres afegãs temem o retorno de um regime ao estilo do Taleban. Uma em cinco das entrevistadas se preocupa com a educação de suas filhas, mas 72% afirmam que suas vidas são melhores hoje do que há uma década.

"As mulheres desejam que o progresso realizado nos dez últimos anos continue, mas estão sendo alijadas do processo político", diz Kakar. "Todos os afegãos, homens e mulheres, desejam um país sem tropas estrangeiras, mas acredito que a comunidade internacional deveria colocar as mulheres na agenda e garantir que sua segurança e liberdades sejam garantidas, de maneira direta e indireta".

Ela criticou a recente conferência da Otan em Chicago por ter ignorado completamente a questão. "As mulheres sofrem assédio constante no trabalho, são exploradas, e o crédito por suas realizações é dado aos homens; elas também continuam a ser alvo para os insurgentes por irem trabalhar ou à escola. Em termos de segurança, são elas que mais sofrem, e mesmo em casa estão sujeitas à violência e a abusos tacitamente sancionados pelos tribunais e pelo governo".

Musadeq Sadeq/Associated Press
Mulheres afegãs conversam com um vendedor no centro de Cabul, capital do Afeganistão
Mulheres afegãs conversam com um vendedor no centro de Cabul, capital do Afeganistão

Kakar tem participado das negociações de paz com o Taleban e acredita que mais mulheres deveriam ser autorizadas a ingressar no sistema político. "Temos muitas mulheres no Legislativo, mas os papéis que desempenham são menores. Temos mulheres de muita coragem, que vêm conquistando respeito e em alguns casos merecem mais confiança que os homens como negociadoras, porque são vistas como portadoras de menos bagagem política".

"Se mais mulheres fossem admitidas aos conselhos provinciais e de paz, isso serviria como forte demonstração aos insurgentes de que eles não poderão reverter dez anos de avanços na situação da mulher", acrescentou.

O nível crescente de violência contra as mulheres e a desconsideração de muitos tribunais à proteção legal que deveriam receber têm resultado em histórias horripilantes de estupro de meninas e seu posterior aprisionamento por adultério, e de ataques a professores que lecionam para meninas. Melanie Ward, diretora de assuntos públicos da ActionAid, disse que a situação de segurança representava imensa ameaça às mulheres.

"A experiência nos diz que uma intensificação dos ataques contra as mulheres serve como sinal inicial de que o Taleban está reconquistando o controle de uma região".

"A segurança para as mulheres não pode ser dissociada do quadro mais amplo de segurança no Afeganistão", disse.

FUTURO

Selay Ghaffar, presidente-executiva da ONG Humanitarian Assistance for the Women and Children of Afghanistan, diz que muitas jovens estão deixando o país. "Não veem futuro para elas no Afeganistão, e por isso as mais inteligentes procuram bolsas de estudo ou empregos no exterior. Duas escolas para meninas foram queimadas perto da capital; nos últimos dias, houve ataques com ácido contra meninas que estavam indo à escola, e acontecem cada vez mais incidentes de estupro e sequestro".

"Muitos representantes de ONGs que tentam ajudar mulheres foram mortos. Bilhões de dólares em assistência internacional foram fornecidos ao Afeganistão e terminaram nos bolsos de políticos homens, enquanto as mulheres não podem se sentir seguras em sua terra. Para aquelas que não têm como partir, é uma situação que as força a não sair de casa. Muitas mulheres estão deixando de trabalhar", afirmou.

"Nos primeiros anos depois da chegada das tropas internacionais, muitas coisas mudaram no Afeganistão", ela diz. "Houve progresso e mudança positiva nas vidas cotidianas de muitas mulheres afegãs. Infelizmente, desde 2007, as coisas mudaram dramaticamente, com avanço na insegurança e na discriminação contra as mulheres em todos os níveis. A vida se tornou mais difícil para as mulheres mas elas não querem ser confinadas à velha caixa".

"Por que todos os planos para o futuro do Afeganistão ignoram metade de sua população?", questiona Ghaffar.

Tradução de PAULO MIGLIACCI.

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página