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23/07/2012 - 14h56

A eleição dos EUA está ligada ao futuro do capitalismo

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WILL HUTTON
DO "OBSERVER"

"Veja, se você conseguiu sucesso, não chegou lá sozinho. Quando fazemos sucesso, o fazemos por nossa iniciativa individual mas também porque somos capazes de trabalhar juntos". Foi o que disse o presidente Barack Obama, em campanha eleitoral em Roanoke, Virgínia, na semana passada. Ele prosseguiu: "Se você conquistou o sucesso, alguém deve tê-lo ajudado ao longo do caminho".

Ele mencionou grandes professores, pesquisas financiadas pelo governo, estradas, pontes e todo o tecido do sistema norte-americano como diversas maneiras pelas quais "alguém ao longo do caminho" contribuiu para o sucesso individual.

J. Scott Applewhite-14.jul.2012/Associated Press
Presidente Barack Obama fala em evento de campanha em Glen Allen, Virgínia
Presidente Barack Obama fala em evento de campanha em Glen Allen, Virgínia

É a essência do liberalismo social do grande pensador britânico Leonard Hobhouse, agora promovida por um presidente dos Estados Unidos. Hobhouse argumentava apaixonadamente que a riqueza capitalista era criada mutuamente pela interação entre sociedade, capital social e os empresários. Investimentos governamentais, devidamente financiados pela tributação, eram pré-requisito para um capitalismo bem-sucedido, em sua interpretação.

A Fox News, que se apontou para o papel de guardiã da livre empresa e capitalismo no século 21, mais ou menos da mesma maneira que o "Pravda" guardava o comunismo no século 20, não demorou a encampar a questão.

No hotel em que estou em Nova York, assisti a um exagerado comentarista da rede enquanto ele abria ataque ao socialismo do presidente, e não demorou para que o candidato presidencial republicano, Mitt Romney, seguisse a orientação da Fox News, como é obrigatório para qualquer político de seu partido.

O discurso na verdade "revela o que ele [Obama] pensa sobre nosso país, sobre a livre empresa, sobre a iniciativa individual, sobre a América", declarou o candidato. "Você criou seu próprio negócio? Quem o fez, levante a mão". Mãos erguidas, em cuidadosa coreografia, não demoraram a surgir. "Está vendo, senhor presidente?", concluiu.

RETOMADA DO DINAMISMO

A recuperação econômica mais lenta e hesitante desde a Segunda Guerra Mundial já vinha causando questões ansiosas sobre como promover uma retomada do dinamismo econômico norte-americano, mas a candidatura presidencial de Romney cristalizou um debate fundamental sobre o capitalismo que terminará por chegar ao Reino Unido.

E pode servir como ponto de inflexão em ambos os países. Pois Romney, que fez fortuna na Bain Capital, uma companhia de capital privado da qual é cofundador e que ele veio a dirigir, personifica todos os males (ou pontos fortes, se você assim acreditar) de um capitalismo dominado pela engenharia financeira, no qual empresas servem como fichas de cassino.

Foi uma das coisas que causou a derrota de Romney quando ele disputou um assento no Senado em Massachusetts contra Ted Kennedy, em 1994. Os democratas estão determinados a garantir que isso volte a acontecer. A Bain Capital era, e continua sendo, uma cria exemplar do "boom" de crédito e preços de ativos que se iniciou no começo dos anos 80 e durou 25 anos.

Romney percebeu a oportunidade: levantaria dinheiro junto a investidores privados, afirmando que o objetivo era utilizar as técnicas de consultoria da Bain em companhias já estabelecidas e cuidadosamente selecionadas para aquisição em função de seu potencial de retorno. Isso, acoplado a alavancagem considerável, permitiria garantir recompensas financeiras estratosféricas, para Romney também, claro.

O público compreende que, se você financia a compra de uma casa junto a um banco, que fornece 90% do valor do imóvel, e em seguida a casa dobra de preço, os 10% do valor da casa cobertos pelo comprador aumentam de valor em 11 vezes.

Romney aplicou essa lógica não a atividades geradoras de riqueza, como a criação de companhias inovadoras, mas à aquisição de companhias existentes. Os bancos estavam ávidos por emprestar muito dinheiro a operações como essas, o que continuaram fazendo até o colapso financeiro de 2008. Os lucros auferidos pelas empresas compradas cobriam o custo de serviço da dívida da Bain.

A Bain Capital ampliava o valor da empresa --transferindo a produção ao exterior, para países com custos trabalhistas mais baratos, vendendo terrenos ociosos, cortando severamente os orçamentos de pesquisa e o investimento.

A alta geral nos preços dos imóveis beneficiava ainda maios a empresa. Quando o lucro da companhia adquirida subia, suas ações eram recolocadas no mercado por preço muito mais alto, e de repente todo mundo estava muito rico.

CONTROVÉRSIA

O setor de capital privado sempre foi controverso. Algumas poucas empresas maduras e mal geridas se beneficiaram do tratamento proposto por ele, mas suas atividades logo se tornaram uma imensa indústria dedicada a realizar transações com endividamento extravagante das companhias adquiridas e criação de riqueza para os investidores, deixando em sua esteira uma trilha de desastres.

No Reino Unido, a EMI foi emasculada pelo fundo de capital privado de Guy Hands e agora parece pronta a ser engolida pela Universal. O jornalista americano Josh Kosman, em "The Buyout of America", escreve que muitas das companhias que passaram pelas maiores transações do setor de capital privado nos anos 90 se saíram pior do que teria sido o caso se tivessem mantido sua independência.

Ele identifica cinco empresas --Stage Store, American Pad and Paper, GS Industries, Dade Behring e Details-- que pagaram imensos dividendos e honorários à Bain e terminaram pedindo concordata.

Pat Sullivan - 11.jul.12/Associated Press
O candidato republicano Mitt Romney fala em campanha na cidade de Houston, no Estado do Texas
O candidato republicano Mitt Romney fala em campanha na cidade de Houston, no Estado do Texas

Pois o setor de capital privado não tem como conceito central a criação de valor via inovação e investimento. Isso tornaria necessário que os proprietários dessas empresas assumissem outro risco (os resultados da inovação são incertos) além dos riscos da alavancagem, o que de forma alguma era o objetivo de seus negócios.

Em lugar disso, o requisito dominante era engordar a empresa para que pudesse ser revendida nos mercados abertos e produzir grandes lucros de capital, exatamente como Obama diz.

A Bain Capital é parte do problema, e não a solução. A receita do setor de capital privado arrancou o coração inovador dos EUA, e deixou o setor bancário do país sobrecarregado por dívidas que jamais poderiam ser pagas.

É um modelo de negócios que já não funciona, e os norte-americanos começaram a duvidar que o capitalismo supostamente individualista ao modo Bain crie crescimento e empregos. E de fato não cria; a pergunta, portanto, passa a ser: como criar crescimento e emprego?

Obama começou a expor o argumento contrário. Inovação requer aceitar riscos, e a menos que existam mecanismos para que sejam compartilhados entre o setor público e o privado, o risco pode não ser aceito e a inovação não acontece. "A internet não foi inventada sem ajuda", argumentou Obama. "Pesquisas do governo criaram a internet, para que todas as companhias pudessem ganhar dinheiro com ela".

Ele poderia ter ido muito além. O mesmo se aplica a setores como o aerospacial e o farmacêutico. Todo o ecossistema da inovação --patentes, direitos de propriedade intelectual, finanças, universidades, pesquisa, transferência de conhecimento, regras de propriedade, regulamentação para garantir padrões comuns-- é criado em conjunto pelos setores público e privado. Empresários e companhias inovadores sempre operam em base de tentativa e erro junto a seus clientes, fornecedores e outros contatos, e não isolados em um silo de individualismo.

A acusação da Fox News de que o presidente está defendendo o socialismo é uma tolice absurda e perigosa. O capitalismo anglo-americano, afundado em dívidas e baixo investimento e superado em inovação pelos concorrentes na Ásia e Alemanha, está em uma encruzilhada.

O que fica mais claro que nunca é que a resposta dos conservadores é estúpida. Se Obama e os democratas conseguirem vencê-los nos Estados Unidos, isso terá ramificações mundiais --uma oportunidade de reconhecer o que realmente faz com que o bom capitalismo funcione. O jogo por fim começou.

Tradução de PAULO MIGLIACCI.

 

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