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10/08/2012 - 14h38

Bo Xilai e mulher encarnaram a versão chinesa de Macbeth

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JONATHAN FENBY
DO "OBSERVER"

A política chinesa de alto escalão não preza o individualismo. Há muito ficaram para trás os tempos em que Mao Tsé-tung deitava e rolava no culto à personalidade, em que Deng Xiaoping chocava Margaret Thatcher pelo uso intensivo da escarradeira, ou em que Jiang Zemin cantava "Love Me Tender" no karaokê durante uma cúpula do Pacífico.

Os líderes atuais apresentam uma frente uniforme, com seus bastos cabelos e ternos pretos (todos são homens). Eles andam no mesmo passo e agem contra quem sair da linha.

Isso fazia de Bo Xilai, estrela em ascensão no firmamento político chinês, um caso à parte. Ele usava políticas populistas para tentar abrir caminho até o Comitê Permanente do Politburo, instância suprema do poder na China, cuja nova composição será eleita neste ano no congresso quinquenal do Partido Comunista.

Associated Press
Imagem da TV estatal da China mostra Gu Kailai (ao centro) durante seu julgamento na cidade de Hefei, no leste do país
Imagem da TV estatal da China mostra Gu Kailai (ao centro) durante seu julgamento na cidade de Hefei, no leste do país

Ao mesmo tempo, ele retomava uma China que era retratada como mais simples e pura, na qual cidadãos satisfeitos cantavam canções patrióticas e eram cuidados por um onisciente Grande Timoneiro.

Em seu feudo na vasta metrópole de Chongqing, no sudoeste chinês, Bo promovia comícios em que eram entoadas "canções vermelhas", e ergueu uma estátua de Mao com a altura de oito andares. Ele viajava a Pequim para comandar uma celebração dos valores comunistas tradicionais, e era o centro das atenções aonde quer que fosse.

Sua mulher, Gu Kailai, era tão forte quanto ele, trilhando uma carreira de sucesso como advogada, na qual chegou inclusive a vencer um processo célebre nos EUA.

Embora seu escritório de advocacia tenha sido fechado conforme o marido ascendia a uma proeminência cada vez maior, há relatos de que as suas operações continuaram por meio de empresas de fachada que eram cruciais para quem quisesse fazer negócios na próspera Chongqing, uma região com o tamanho da Áustria e 32 milhões de habitantes, ponta de lança de um ambicioso programa de desenvolvimento do sudoeste chinês.

O trio familiar era completado pelo filho deles, Bo Guagua, que frequentou Harrow e Oxford, onde ficou famoso pela vida suntuosa que levava. Numa viagem ao Tibete, ele foi fotografado aos afagos com a neta de outro baluarte dos primórdios do regime, antes de mudar para Harvard.

Conhecido por seu apreço por carros esportivos de luxo, ele teria apavorado a filha do embaixador dos EUA ao levá-la para dar uma volta em alta velocidade por Pequim, tarde da noite.

A família pertencia à aristocracia da República Popular, conhecida como "os pequenos príncipes". O pai de Bo foi ministro das Finanças de Mao, antes de ser expurgado na Revolução Cultural e depois reabilitado como um dos "Oito Imortais" do Partido Comunista. O pai de Gu foi um importante general no Exército Popular de Libertação. Hábeis no trato com a mídia, bonitos e elegantes --Bo usava impecáveis ternos ocidentais--, eles pareciam intocáveis.

Mas agora Gu foi responsabilizada pelo assassinato do empresário britânico Neil Heywood, que trabalhou por 12 anos para a família e foi achado morto em novembro passado num hotel usado por Gu nas montanhas de Chongqing.

Sua morte foi atribuída oficialmente ao consumo excessivo de álcool, embora Heywood bebesse pouco. O cadáver foi cremado antes que uma necropsia pudesse ser realizada. Diplomatas britânicos não questionaram isso. Mas em fevereiro Wang Lijun, assessor de Bo que havia sido rebaixado pelo dirigente, foi até o consulado dos EUA em Chengdu e botou a boca no trombone, inclusive com a acusação de que Heywood havia sido envenenado por Gu e por um criado da família após uma divergência.

O caso rapidamente se tornou viral em sites chineses e na imprensa estrangeira. Bo tentou agir como se nada estivesse acontecendo durante a sessão anual do Congresso Nacional Popular, o Parlamento chinês, na primavera boreal. Mas o premiê Wen Jiabao, a quem o pai de Bo tentou expurgar depois do massacre de 1989 em Pequim por causa da sua associação com reformistas, alertou para o desastre que uma nova Revolução Cultural representaria --uma óbvia cutucada nas "canções vermelhas" de Bo.

O ex-"rock star" da política chinesa foi demitido do seu cargo em Chongqing e suspenso do Partido Comunista enquanto uma investigação disciplinar era realizada. Um inquérito sobre Gu e Heywood foi aberto, levando ao anúncio, no final de julho, de que ela havia sido formalmente acusada de homicídio depois de um desentendimento envolvendo o filho dela, que continua no seu apartamento em Cambridge, Massachusetts (EUA).

MINA DE OURO

A história de Gu, a segunda mulher de Bo, virou uma mina de ouro, embora ninguém soubesse o que era verdade e o que era invenção. Houve rumores de que ela estaria sob tratamento psiquiátrico, e que teria dado sopa envenenada com cianureto a Heywood. Um site chinês relatou que, depois da morte do britânico, Gu desfilou por aí fardada de general, proclamando que poderia fazer o que bem entendesse, qual uma descontrolada Lady Macbeth chinesa.

Jornais britânicos descobriram que ela havia vivido durante um tempo com Heywood em um apartamento em Bournemouth, enquanto ela tentava negociar com uma companhia local para lançar seus balões de ar quente na China; vizinhos disseram que ele foi visto beliscando as nádegas dela.

Reuters
Gu Kailai, mulher de ex-líder chinês deposto Bo Xilai
Gu Kailai, mulher de ex-líder chinês deposto Bo Xilai

Um arquiteto francês radicado no Camboja também foi envolvido; o jornal "Financial Times" apurou que ele havia ajudado a negociar a compra de dois caros apartamentos em South Kensington, em Londres, no mesmo quarteirão onde a princesa Diana viveu antes de se casar.

A saga é uma incomum revelação pública sobre como funciona o último grande Estado governado por um partido comunista, e sobre a extraordinária trajetória de seus líderes. Bo, que foi da Guarda Vermelha durante a Revolução Cultural e que pode ter denunciado seu pai antes de passar ele próprio cinco anos preso, ascendeu ao cargo de prefeito de Dalian, importante cidade portuária no norte.

Foi lá que Heywood, cujo trabalho na China era representar a Aston Martin, conheceu Bo e sua família, ajudando a colocar Guagua em escolas britânicas de elite; as mensalidades, incompatíveis com a renda de Bo, aparentemente eram pagas por uma fundação educacional criada por empresários locais que se beneficiavam dos favores do prefeito.

Bo se tornaria ministro do Comércio em 2004, e em 2007 ascendeu ao Politburo, que tem 25 membros. Mas ele tinha inimigos ao centro, e em vez de conseguir uma promoção na capital foi enviado para Chongqing, que ele habilmente transformou em trampolim para o poder nacional.

Até aí parecia tudo bem. Mas ele deu o passo maior que a perna. Sua ambição era transparente demais para um regime no qual, quaisquer que sejam as realidades, os dirigentes precisam manter as aparências de serem servos do povo e do partido. Seu evidente desejo de impor sua trajetória até o topo do sistema só pode ter alarmado seus colegas.

Quando em novembro passado se espalharam rumores de que ele desejava a pasta da segurança interna e assuntos jurídicos no Comitê Permanente, que tem nove integrantes, esse alarme deve ter sido redobrado. Em Chongqing, ele havia comandado uma implacável campanha de combate à criminalidade, que atingia empresários e qualquer um que estivesse no seu caminho.

Ele grampeou conversas do atual líder, Hu Jintao, quando este visitou a cidade. Após sua queda, comentou-se que Bo poderia estar preparando um golpe contra outro "pequeno príncipe", Xi Jinping, que deve suceder Hu no Congresso deste ano.

PUREZA DO PARTIDO

Um macaco que tanto pulava só podia querer chumbo. O caso Heywood foi a arma pela qual seus inimigos esperavam. Mas, se Bo sofria a merecida punição que sua ambição prenunciava, ela precisava ser tratada de forma cuidadosa. Isso era não tanto por causa do apoio que ele desfrutava junto a esquerdistas e pessoas mais velhas nostálgicas por Mao. Em vez disso, a preocupação era preservar a pureza do partido.

Não seria conveniente que um membro do Politburo fosse acusado de envolvimento no assassinato de um estrangeiro, ou de um caso de corrupção no qual sua família teria se envolvido para patrocinar seu estilo de vida. Isso significaria que o partido, que oficialmente nunca erra, havia sido enganado. Então a culpa precisava ser depositada em Gu, que é acusada de matar Heywood depois de uma disputa empresarial para proteger seu filho.

Reuters
Da esq. para a dir.: o ex-líder chinês Bo Xilai, o empresário britânico Neil Heywood e a mulher de Bo, Gu Kailai
Da esq. para a dir.: o ex-líder chinês Bo Xilai, o empresário britânico Neil Heywood e a mulher de Bo, Gu Kailai

Embora reportagens da imprensa estatal a tenham condenado de antemão e que sua pena não tenha sido divulgada, Gu pode ser salva da execução por seu estado mental e pelo argumento de que ela agiu para proteger seu filho de Heywood. Mas o principal fator para a liderança foi estabelecer uma distância entre o que aconteceu nas montanhas de Chongqing e o movimento político que governa a China desde 1949.

Apesar de todo o seu progresso econômico, o importante continua ser a preservação do poder político. O erro de Bo e Gu foi se imaginarem maiores que o sistema. Na China de hoje, esse é um pecado capital.

Tradução de RODRIGO LEITE.

 

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