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13/08/2012 - 14h00

Videoativistas sírios dão vantagem à revolução na guerra da mídia

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LUKE HARDING
DO "GUARDIAN"

Em abril do ano passado, Ahmad Mohammad deixou sua aldeia no norte da Síria, repleta de romãzeiras, figueiras e cabras, e se mudou para o Líbano. Voltou cinco meses mais tarde, com um certificado como técnico em manutenção de celulares --e celulares provaram ser uma arma mais poderosa que os tanques e helicópteros de Bashar Assad.

No período em que esteve ausente, Mohammad aprendeu a subir vídeos para o YouTube --site de acesso proibido pelo governo sírio. "Ninguém sabia como fazer isso na Síria", conta. Enquanto isso, a revolução crescia de um punhado de protestos isolados a uma feroz revolta nacional, caracterizada por manifestações contra o regime a cada noite, tiroteios com as forças de segurança e número crescente de baixas.

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Mohammad tinha um laptop mas nenhum dinheiro. Com um empréstimo do irmão, ele adquiriu um modem 3G e um celular Sony Ericsson na Turquia. Em dois dias, conseguiu estabelecer uma conexão de alta velocidade na casa de seus pais, usando um cabo que se estendia pelas trepadeiras do terraço e passava por um pé de manjericão em um vaso junto à parede.

No final do ano passado, combatentes da oposição conquistaram sua aldeia. Em 10 de janeiro de 2012, Mohammad gravou seu primeiro vídeo, mostrando uma manifestação, com sua narração em árabe: "Não confie nas forças de Assad! Junte-se à revolução!"

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Era um dia frio e opressivo, e a qualidade da imagem não era muito boa; as cores não estavam nítidas. Mas foi o início da carreira de Mohammad como videoativista.

Centenas de videoativistas --a maioria dos quais homens jovens e bem familiarizados com o uso da tecnologia-- se uniram à revolução contra o governo. "O regime vem lutando contra o povo de duas maneiras. Uma é por meio do Exército. A segunda é pela mídia", explica Yahya Abdulrahman, 21, aluno da Universidade de Aleppo.

Abdulrahman, que vem de Aldana, ao norte de Aleppo, explica: "Existem partes do Exército Livre da Síria que combatem o regime, e outras partes que combatem os hackers do regime". Aldana não conta com uma conexão de internet, e por isso Abdulrahman, que também é videoativista, entrega o cartão de memória de sua câmera a Mohammad para que este suba os vídeos.

Abdulrahman gravou seu primeiro vídeo em uma manifestação no campus de ciências da Universidade de Aleppo. Disse que recebeu a tarefa porque é alto e bom corredor. Na sua segunda gravação, porém, as forças de segurança conseguiram capturar todos os estudantes envolvidos. "Eu estava gravando o vídeo quando fui agarrado por cinco caras", diz.

A polícia os conduziu à sede do partido Baath em Aleppo, e os surrou. "Eles nos jogavam uns por sobre os outros e nos pisavam", conta Abdulrahman, que terminou libertado --depois de apanhar ainda mais do Exército-- quando assinou um documento afirmando que não compareceria mais a protestos e trabalharia como informante. Dias mais tarde, estava gravando vídeos de novo.

Antes mesmo que começasse o sangrento levante sírio, em março de 2011, Abdulrahman conta que ele e seus colegas estavam envolvidos em um jogo de gato e rato com as autoridades, usando serviços de proteção de identidade como o simorf e o ultrasurf para acesso às suas contas de Facebook. (O regime bloqueou o acesso ao Facebook e YouTube, mas permite acesso a e-mail on-line e ao Skype.)

Outro estudante, Abu Omar, relata seus 11 meses de prisão --entre os quais cinco meses e oito dias em confinamento solitário-- por participar de uma página de exilados sírios no Facebook. "Eles rastrearam meu endereço IP", conta. "O Exército me perguntou se eu usava a internet. Na prisão, me fizeram passar uma semana de pé".

O Exército Livre da Síria agora controla boa parte das regiões rurais e criou um pequeno império rústico no norte e leste do país. Mas as cidades da Síria continuam em larga medida sob o controle do governo. A oposição armada fracassou em capturar partes de Damasco, no mês passado, mas conquistou um posto de controle do Exército logo ao norte de Aleppo, o que permitiu um reforço de suas unidades presentes na cidade.

REGIME TRUCIDADO

Na internet, porém, a história é outra. O regime está sendo trucidado. A oposição posta centenas de vídeos novos a cada dia.

Há sites, como o Omawi, que se dedicam a divulgar as notícias mais recentes da revolução, usuários como Anadaaan que postam dezenas de vídeos, e transmissões ao vivo em formato stream vindas de cidades oposicionistas conflagradas, tais como Homs e Hama.

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Algumas das imagens são extraordinariamente vívidas --cenas cruas e absorventes de combate urbano. Um vídeo de oito minutos sobre Aleppo postado na última semana de julho mostra rebeldes da brigada Tawhid Unida, uma das maiores unidades de combate oposicionista na cidade, emboscando uma coluna de tanques no bairro de Hanana; o canhão do tanque gira na direção dos combatentes, e um dos rebeldes dispara uma granada propelida por foguete, seguido por outro.

Surge uma cacofonia de tiros, fumaça, caos, gritos de "Deus é grande" e "o motorista está fugindo". Os becos precários da cidade estão tomados pela fumaça. É quase como se fosse possível sentir o cheiro da adrenalina e do medo.

Depois dos sucessos iniciais, cada unidade rebelde agora conta com um ou dois videoativistas. Os ativistas estão armados de Kalashnikovs e celulares dotados de câmeras --as ferramentas de combate do século 21.

"Quando o inimigo está disparando contra você, é difícil pegar a câmera", diz Abdulrahman. "Às vezes a deixo de lado para disparar com a arma. Se o Exército vê alguém com uma câmera, tenta atirar primeiro contra essa pessoa".

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Os ativistas também registram as idas e vindas da vida --e morte-- cotidiana nas cidades de província controladas pela oposição. No começo, Mohammad filmava seus vizinhos pelas costas, porque temia mostrar seus rostos.

"Em Aleppo, há muitos partidários de Bashar que fazem buscas nos vídeos que subimos. Se encontram alguém que conhecem, incluem o nome da pessoa na lista de procurados", diz. "Meu nome consta dela".

Ele subiu imagens de um protesto na vizinha Aldana, filmado por Abdulrahman de uma sacada por sobre uma lojinha na empoeirada praça central da cidade.

A multidão grita "morte a Assad", e acena com uma bandeira revolucionária, a flâmula verde, branca e preta da Síria pré-domínio baathista. Abdulrahman aparece segurando uma folha de papel com o horário do protesto, para rebater as alegações do regime de que as manifestações são simulações realizadas no exterior, diz.

Há duas semanas, as tropas do governo realizaram um bombardeio de artilharia contra a praça que aparece no vídeo; cinco pessoas foram mortas, três das quais crianças.

Outros vídeos mostram o avanço de uma coluna de tanques; um protesto revolucionário muito desafinado; e um combatente que foi supostamente morto quando em custódia da inteligência militar de Assad.

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Uma folha de papel mostrada sobre o corpo diz, simplesmente: "Ahmed Mohamad Issa, morto em 27/02/2012".

Imagens de martírio se tornaram importante componente da luta dos rebeldes - uma maneira, dizem os ativistas, de registrar os crimes do regime e contar a verdade do mundo. Outro vídeo sangrento mostra o corpo de Abed Arauj Jamil al-Moeddin, morto a punhaladas em uma pequena aldeia do norte da Síria, por vizinhos aliados do regime.

Os ativistas registram até crianças mortas em seus vídeos, tarefa que definem como devastadora. "Filmei uma das crianças mortas na última semana de julho. Não tínhamos comido o dia todo, por conta do Ramadã. E de noite, não consegui comer", diz Abdulrahman.

O talento de Mohammad como câmera melhorou muito, com o passar do tempo. Na primeira semana de agosto, ele fez uma apavorante viagem à linha de frente em Aleppo, filmando da janela uma vereda que serve de alvo a atiradores de tocaia. Em uma área controlada pelos rebeldes, ele registrou imagens dos postos de controle do Exército Livre da Síria. É um retrato enxuto e atmosférico de uma metrópole de 2,5 milhões de habitantes aterrorizados, famintos e sob ataque.

O governo sírio tentou reagir, claro. O regime há meses recusa vistos de entrada a quase todos os jornalistas estrangeiros que tentam chegar a Damasco. E restringiu as ações dos autorizados. Alex Thomson, do Channel 4 britânico, um dos poucos correspondentes a obter vistos, no final de julho expressou via Twitter sua frustração por não poder filmar o Exército sírio. "A Síria está perdendo a guerra de relações públicas", afirmou.

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De sua parte, a TV estatal síria não se cansa de rotular o Exército Livre da Síria como "terrorista" e parte da Al Qaeda. A Addounia, a principal estação de TV estatal, exibe uma mistura de novelas e propaganda pró-regime. A agência oficial de notícias síria, a SANA, envia mensagens hostis a jornalistas que conseguiram entrar no país aproveitando a perda de controle pelo governo. "Oro toda noite por sua morte", afirma uma mensagem enviada no dia 31 de julho a um jornalista do "Guardian".

A despeito desses esforços dispersos, o governo foi completamente derrotado em sua guerra contra inimigos que fazem parte da geração YouTube. E lentamente começa a perder também a batalha mais concreta.

Tradução de PAULO MIGLIACCI.

 

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