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26/08/2012 - 06h00

"Pianistas da nova geração são atletas de meia estrada", queixa-se András Schiff

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JULIO WIZIACK
DE SÃO PAULO

Com a crise internacional, os pianistas do primeiro time ficaram assíduos dos palcos de países emergentes, como o Brasil. Nesta semana, o húngaro András Schiff, 58, se apresenta na Sala São Paulo tocando Haydn, Beethoven e Schubert em recital. Depois, será solista da Osesp (Orquestra Sinfônica de São Paulo) em um concerto para piano de Beethoven. É a segunda vez que ele se apresenta no Brasil. A estreia foi no Rio, em 2010.

Schiff é considerado pela crítica internacional um dos melhores intérpretes do alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750). Segundo o jornal "The New York Times", "não há nada mais confiável no mundo da música clássica de hoje do que Schiff tocando Bach".

A editora alemã G.Henle convidou o pianista para escrever o dedilhado que ele usa para tocar as composições do compositor alemão nas partituras que serão publicadas. No mercado editorial, as edições G.Henle são conhecidas por serem as mais fiéis ao manuscrito do autor.

Schiff, que começou a estudar piano aos 5 anos na Hungria, também é conhecido por suas interpretações de Haydn, Mozart, Beethoven e Schubert. O pianista é capaz de tocar as 32 sonatas de Beethoven de cor, sem interrupção (seria como ouvir 8 CDs).

De sua casa, em Londres, ele respondeu as perguntas da Folha por e-mail. Na entrevista, ele criticou a nova geração de pianistas, Lang Lang, e músicos como André Rieu, que, para ele, fazem mal à música clássica.

*

Folha - Com a crise na Europa e nos EUA, os mercados emergentes estão preenchendo as lacunas nas agendas dos artistas ou existe um mercado mais sólido nesses países?
András Schiff - Fazer dinheiro nunca deveria ser o propósito da música. Isso seria cínico e completamente repulsivo. Se você é bom, você pode ter uma vida perfeitamente boa vivendo de música, com algo que você ama. Você pode fazer muito mais dinheiro trabalhando no setor financeiro ou sendo banqueiro, mas eu duvido que essas pessoas amem o que estão fazendo. É verdade que o mundo está ficando menor e eu realmente aprecio ir à América do Sul para descobrir novos lugares.

Hoje, milhares de chineses estudam piano e violino. Existe algum vínculo entre desenvolvimento econômico e o fortalecimento das artes? É possível ter uma "porção de artistas" só treinando-os como nos esportes?
O futuro está na China, de qualquer forma. Mas, produzindo atletas, não chegarão a lugar algum. Lang Lang é um modelo na China e ele faz muito sucesso na Europa, algo que eu não consigo entender. Apesar disso, a China é um país grande e já vimos e ouvimos jovens pianistas muito talentosos e muito diferentes de Lang Lang.

Parece que a nova geração toca peças tecnicamente mais difíceis e, aparentemente, eles interpretam com uma maturidade só encontrada em pianistas mais velhos. Como explicar esse fenômeno?
Os jovens pianistas não são melhores do que costumavam ser. Ocorre que há muito mais deles e talvez o nível médio seja mais elevado. A triste realidade é que hoje há muito menos grandes artistas que antes. O mundo das competições de piano não está nos levando a ter grandes artistas, somente atletas de meia estrada que tocam de uma forma pré determinada para não incomodar os membros do júri.

Além disso, os pianistas jovens raramente têm algum senso de responsabilidade. Eles tocam qualquer coisa. Você não pode tocar as últimas sonatas de Beethoven no auge de sua maturidade de vinte e poucos anos sem ter tocado antes as primeiras sonatas e antes de ter tido uma vida.

Por que não se vê tantos jovens nas salas de concerto? Música clássica é coisa de velho?
Por que ninguém reclama que não há gente velha nas danceterias? A maior parte dos jovens não vai aos concertos de música clássica porque não quer. Eles não estão interessados, não foram educados para isso, não gostam das regras de comportamento e até da roupa que devem vestir. E também não gostam de estar junto com pessoas velhas. É claro que eles estão errados e são perdedores. Não existem atalhos. Isso exige tempo, paciência e educação. Para ir às discotecas você não precisa de nada disso. É fácil. E uma discoteca custa mais do que um ingresso para um concerto. Portanto, nem é uma questão de dinheiro.

De tempos em tempos, a indústria da música lança algo dito "clássico". Já tivemos os tenores e agora André Rieu. Isso ajuda ou atrapalha a cena clássica de verdade?
Os tenores, Nigel Kennedy, Vanessa Mae, André Rieu, meu Deus! Isso tudo é muito prejudicial. É crossover [gênero que mistura clássico com popular], coisa barata. É claro que o mínimo denominador comum, a grande maioria do público, corre para isso. Os números de venda são grandiosos e para algumas pessoas isso é o que realmente importa.

Em São Paulo, o senhor tocará as últimas sonatas de Haydn, Beethoven e Schubert. Qual a conexão entre elas?
Haydn foi professor de composição de Beethoven, que foi o ídolo de Schubert. As três são obras de arte colossais e clássicos do período vienense [1770-1830].

Existe algum motivo especial para a escolha do "Concerto Op.15" de Beethoven?
É um grande concerto, muito brilhante, cheio de charme, drama, lirismo e um maravilhoso senso de humor. É o trabalho de um homem jovem, mas muito maduro.

O que Haydn, Beethoven e Schubert ainda têm a dizer às plateias do século 21?
A boa música é atemporal e sempre falará a todas as gerações. A era a que eles pertenceram [a vienense] representa o ápice da música clássica ocidental, da mesma forma como Florença, na época do Renascimento, foi o centro das artes visuais.

O senhor já declarou que Beethoven o mudou como pessoa. Poderia explicar como se dá exatamente essa influência?
Beethoven se desenvolveu devagar e nada chegou a ele de forma fácil. Ele era uma pessoa com princípios morais e éticos profundos e com ideias sociais e políticas muito fortes. Tudo isso me deu força e coragem para os tempos confusos de hoje.

Há algum compositor contemporâneo em atividade que será lembrado daqui a cem anos?
György Kurtág, meu ex-professor. Ele permanece como uma torre na multidão [de compositores].

Existem outros compositores contemporâneos que o senhor toca?
Heinz Holliger, Jörg Widmann e Elliott Cárter, apesar de meu tempo ser limitado. Devo admitir que prefiro tocar Bach, Mozart e Beethoven.

 

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