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09/09/2012 - 03h01

Como digerimos ossos e outras pesquisas bizarras

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MARC ABRAHAMS
DO "OBSERVER"
Tradução de Paulo Migliacci

A ciência nem sempre trata de grandes questões. O organizador do Prêmio IgNobel, paródia americana do Nobel, dedica seu tempo a estudar pesquisas que buscam respostas a problemas improváveis como por que beduínos usam roupas pretas no deserto e qual a melhor forma de promover um funcionário.

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Como nosso estômago digere ossos de animais?

Se você gosta de musaranhos, especialmente cozidos, vai querer devorar um estudo publicado em 1994 pelo "Journal of Archaeological Science". Intitulado "Efeitos da Digestão Humana sobre um Esqueleto de Micromamífero", explica como e por que um de seus autores -Brian Crandall ou Peter Stahl, o texto não esclarece- comeu e excretou um dos pequenos insetívoros, de 90 mm de comprimento.

Crandall e Stahl eram antropólogos da Universidade Estadual de Nova York em Binghamton. O musaranho foi capturado perto da escola. Sua preparação para a experiência foi rigorosa. Depois de esfolada e eviscerada, a carcaça foi "cozida em fogo brando por dois minutos e engolida sem mastigação, dividida em porções contendo os membros anteriores, posteriores, cabeça, corpo e cauda".

Eis o tratamento ao resultado da refeição: "A matéria fecal foi recolhida por três dias. Cada porção era mexida em uma caçarola com água morna até se dissolver totalmente. A solução extraída era decantada em um filtro de quatro camadas. O conteúdo que passava pelo filtro era enxaguado com uma mistura de água e detergente." Depois, foi examinado com lente de mão e microscópio eletrônico.

Um musaranho tem diversas partes ósseas. Todas foram devoradas por Crandall ou Stahl. Mas, a despeito dos esforços para achar cada osso ao fim da jornada, muitos não foram localizados. Um dos principais ossos da mandíbula sumiu. Quatro dos 12 dentes molares também, e 30 das 31 vértebras. O crânio, um dos ossos mais duros, emergiu com o que o estudo define como "danos significativos".

O sumiço espantou os cientistas: "O musaranho foi ingerido sem ser mastigado; os danos ocorreram durante o processamento interno dos restos. A mastigação indubitavelmente danifica ossos, mas os efeitos do processo talvez sejam replicados no ambiente ácido e agressivo do estômago".

A mastigação, quase grita o estudo, é só parte da história. Em cada pilha de restos de refeições da Antiguidade, há imensos mistérios. Antes da experiência, os arqueólogos tinham de fazer suposições sobre os ossos de animais que escavam, especialmente sobre o que restos de esqueletos poderiam indicar sobre quem os consumiu. Crandall e Stahl, ao evitarem a mastigação, ofereceram aos colegas alimento para discussão.

Por que beduínos usam roupas pretas no deserto?

A questão intrigou quatro cientistas a tal ponto que eles decidirem conduzir uma experiência. O estudo, intitulado "Por que os Beduínos Usam Trajes Pretos em Desertos Escaldantes", foi publicado na revista "Nature" em 1980.

A equipe de pesquisa -C. Richard Taylor e Virginia Finch, da Universidade Harvard; e Amiram Shkolnik e Arieh Borut, da Universidade de Tel Aviv- logo comprovou que, como seria de suspeitar, roupas pretas transferem mais calor ao corpo do que roupas brancas. Mas isso era só o começo.

Taylor, Finch, Shkolnik e Borut mediram ganho e perda gerais de calor sofridos por um corajoso voluntário. Descreveram-no como "um homem que encarou em pé o sol do deserto, ao meio-dia, usando: 1) um manto beduíno preto; 2) um manto semelhante, branco; 3) um uniforme cáqui do exército; e 4) calção (ou seja, seminu)".

Cada sessão durou 30 minutos. O teste foi conduzido no deserto do Negev, ponto mais baixo do vale entre o mar Morto e o golfo de Eilat. O voluntário suportou temperaturas que variavam de moderados 35ºC a sacrificantes 46ºC.

Nas palavras do estudo, "o montante de calor que um beduíno exposto ao deserto recebe é o mesmo quer ele use um manto preto, quer use um manto branco. O calor adicional absorvido pelo manto preto se dissipa antes de chegar à pele".

Os mantos dos beduínos são frouxos. Do lado de dentro, a refrigeração acontece por convecção -seja por um efeito fole, com o fluxo do vento pelos mantos, seja por efeito chaminé, com o ar subindo entre o manto e a pele. Assim, ficou demonstrado que, ao menos para os mantos dos beduínos, o preto esquenta tanto ou tão pouco quanto qualquer outra cor.

Um quilo de chumbo pesa mais que um quilo de penas?

A suspeita de que 1 kg de chumbo pesa mais que 1 kg de penas é antiga, mas não foi cuidadosamente testada antes de 2007, quando Jeffrey Wagman, Corinne Zimmerman e Christopher Sorric conduziram uma experiência envolvendo chumbo, penas, sacos plásticos, caixas de papelão, cadeira, vendas e 23 voluntários da cidade de Normal, Illinois, nos EUA.

Os cientistas trabalhavam para a Universidade Estadual do Illinois. Em estudo publicado na revista "Perception", explicaram por que estudar a questão. A resposta aparentemente ingênua seria que 1 kg de chumbo pesa mais, enquanto a correta seria que as duas coisas pesam o mesmo. Mas, escreveram os autores, a resposta ingênua "talvez não seja tão ingênua. Psicólogos sabem que dois objetos de massa igual podem parecer diferentes em peso conforme a distribuição de massa".

Wagman, Zimmerman e Sorric puseram chumbinhos num saco plástico e encheram outro com penas de ganso. Cada saco foi colocado dentro de uma caixa.

Os participantes do teste sentavam numa cadeira, colocavam a venda e "posicionavam a palma da mão que preferissem para cima, com os dedos relaxados. Em cada rodada, as caixas eram depositadas sobre a mão do participante. Eles erguiam cada caixa e informavam qual parecia mais pesada".

Os cientistas arriscaram um palpite sobre por que uma das caixas parecia mais pesada. "Provavelmente, porque a massa das penas se distribui de maneira mais simétrica" (ou seja, as penas enchem a caixa), "enquanto a do chumbo se distribuía assimetricamente no eixo vertical" (ou seja, o peso do chumbo se concentrava na parte inferior). "Portanto, a caixa contendo chumbo era mais difícil de sustentar e parecia mais pesada."

Os cientistas não testaram o que os voluntários responderiam caso o chumbo estivesse fixado precisamente no centro, em lugar de ao fundo, da caixa. Esse estudo caberá aos cientistas do futuro.

Como um chefe deveria escolher que funcionário promover?

Três pesquisadores italianos ganharam o prêmio IgNobel de 2010, na categoria administração, por demonstrarem matematicamente que empresas se tornariam mais eficientes caso promovessem funcionários de maneira aleatória.

Alessandro Pluchino, Andrea Rapisarda e Cesare Garofalo, da Universidade de Catania, na Sicília, compararam um sistema aleatório de promoção a métodos tradicionais. Os detalhes são parte de um estudo publicado na revista "Physics A: Statistical Mechanics and Its Applications".

Pluchino, Rapisarda e Garofalo basearam seu trabalho no "Princípio de Peter", segundo o qual muitas pessoas são promovidas, cedo ou tarde, a postos que excedem sua competência. Os três mencionaram outros pesquisadores que deram os primeiros passos nesse tipo de estudo. Mas não citaram um, involuntariamente ousado, conduzido em 2001 por Steven Phelan e Zhiang Lin, da Universidade do Texas, publicado na revista "Computational and Mathematical Organization Theory".

Phelan e Lee queriam determinar se, a longo prazo, compensa mais promover pessoas por mérito (ou seja, tentar medir a competência); por um sistema de "promoção ou demissão", no qual uma pessoa que não sobe na empresa é demitida; ou por senioridade (quem sobrevive mais avança mais).

Para comparação, estipularam a pior hipótese, ou seja, a de promover pessoas aleatoriamente. E se surpreenderam: promoções aleatórias "funcionaram melhor" que quase qualquer outro método. Phelan e Linm pareciam até intimidados com a descoberta.

Mas, enquanto Pluchino, Rapisarda e Garofalo destacaram a descoberta em estudo posterior, Phelan e Lin mantiveram a conclusão quase escondida em um longo parágrafo, afirmando que o assunto "precisa de mais estudo no futuro". Eles nunca o fizeram.

Recentemente, Phedon Nicolaides, do Instituto Europeu de Administração Pública, em Maastricht, na Holanda, sugeriu o que via como uma melhora para o uso das promoções aleatórias: escolher aleatoriamente as pessoas que tomam as decisões de promoção.

Os estudiosos de ética roubam mais livros?

"Seria de supor que os estudiosos de ética se comportem com escrúpulo moral rigoroso", afirma monografia publicada em 2009 por dois especialistas em ética, para lançar uma "investigação preliminar" sobre seus colegas.

Eric Schwitzgebel, da Universidade da Califórnia, e Joshua Rust, da Universidade Stetson, na Flórida, pesquisaram quase 300 membros de uma reunião da Associação Filosófica Americana. Perguntaram sobre o comportamento dos especialistas em ética que os participantes conheciam. Os participantes que aceitassem responder eram recompensados com confeitos. O estudo afirma que "alguns roubaram confeitos sem responder ao questionário ou pegaram mais doces sem permissão".

Como grupo, os especialistas indicaram que, em sua experiência, os colegas de especialidade não se comportavam de modo mais ético que outras pessoas. O estudo, publicado na revista "Mind", faz uma pausa para sugerir um contexto mais amplo. "Policiais cometem crimes. Médicos fumam. Economistas fazem maus investimentos. Membros do clero violam as normas de suas religiões".

Schwitzgebel também escreveu um estudo pessoal intitulado "Especialistas em Ética Roubam Mais Livros?", publicado na revista "Philosophical Psychology". Ele preparou listas de livros de filosofia -alguns sobre ética, outros não. Usando informações disponíveis em redes de computadores, examinou a situação de cada cópia desses livros em 19 sistemas de bibliotecas acadêmicos britânicos e 13 sistemas americanos.

A conclusão: os livros de ética desapareciam com mais frequência do que livros para os quais a ética era um tema menos importante. Os mais novos, "relativamente obscuros, livros contemporâneos de ética de interesse de professores e estudantes avançados, mostravam probabilidade de desaparecer 50% maior". Os antigos, "clássicos da ética anteriores a 1900, tinham duas vezes mais chance de desaparecer que os demais".

 

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