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09/10/2012 - 16h21

Qual será o rumo da China quando a nova geração chegar ao poder?

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TANIA BRANIGAN
DO "OBSERVER", EM XANGAI

Para entender a longa trajetória da República Popular da China e de seus governantes, poderíamos começar por um prédio modesto de dois andares na antiga Concessão Francesa de Xangai. O prédio fica a pouca distância a pé da loja Harry Winston, com seus diamantes cintilantes, bares de preços altíssimos e torres envidraçadas.

Foi em 1921 que 13 jovens chineses se reuniram nesta casa então recém-construída e situada na periferia da cidade, dando para um campo de legumes.

Embora a maioria dos jovens estivesse hospedada numa escola feminina das proximidades, onde eles estavam registrados como sendo o Grupo de Turistas de Verão da Universidade de Pequim, o turismo não estava em sua agenda. Em sigilo, com a ajuda de dois representantes do Comintern (a Internacional Comunista), eles estavam redigindo o programa do recém-criado Partido Comunista da China.

Diante do perigo de serem descobertos pela polícia, eles fugiram para a cidade vizinha de Jiaxing, onde o primeiro congresso nacional do Partido Comunista foi concluído a bordo de uma embarcação de recreio no Lago Sul.

Dentro de três semanas, seus sucessores vão reunir-se em Pequim para o 18º congresso e vão entregar o poder a uma nova geração de líderes, tendo Xi Jinping no comando. O Partido Comunista chinês hoje é o maior e mais poderoso movimento político do mundo, com mais de 80 milhões de membros; ele controla um quinto da população do planeta e a segunda maior economia do mundo.

Li Tao Xinhua - 1º.set.12/Associated Press
Vice-presidente chinês Xi Jinping, que deve ser o próximo líder do Partido Comunista Chinês
Vice-presidente chinês Xi Jinping, que deve ser o próximo líder do Partido Comunista Chinês

A expectativa é que o congresso represente a tentativa do partido de retornar ao "business as usual", após um ano tumultuado que culminou com o anúncio de que Bo Xilai, político antes visto como candidato à promoção na transição política atual, será levado a julgamento criminal. Ele é acusado de abuso do poder, corrupção e impropriedade sexual; alega-se que teria responsabilidade pelo assassinato cometido por sua mulher do empresário britânico Neil Heywood.

A maior parte do congresso, que acontece em novembro, será a portas fechadas, mas o partido não precisa mais se esconder. Hoje em dia, seu congresso é uma exibição de poder e unidade, encenada com todo o cuidado. Mais de 2.200 delegados vão se reunir no Grande Salão do Povo, em Pequim, com considerável pompa e algum esplendor. A polícia terá silenciado qualquer indício de discórdia; ativistas e dissidentes serão detidos ou postos sob vigilância.

"O 18º congresso do Partido está chegando; por isso achamos que deveríamos aprender algo sobre o primeiro", falou Wang Yao, saindo do local do primeiro congresso, que hoje é um museu. "A primeira geração enfrentou tantas dificuldades ao começar, mas agora a China está mais e mais próspera e não para de melhorar."

Wang e sua família fazem parte dos vencedores. Ele trabalha com vendas e marketing; seu filho Tommy acaba de se formar na Universidade de Newcastle, no Reino Unido. "O novo governo vai liderar a China em velocidade nova, mas com o mesmo espírito original, partindo daqui", ele previu.

Para outros é mais difícil enxergar a continuidade. "Os procedimentos internos do congresso não mudaram muito ao longo das décadas, desde que Stalin institucionalizou o congresso como vitrine da unidade partidária", disse Jeremy Paltiel, da universidade canadense Carleton e especialista no PC chinês. Mas, ele observou, o partido em si distanciou-se de suas origens.

"É possível argumentar que até certo ponto ele continuou a ser uma organização de revolucionários até a morte de Mao Zedong, em 1976. Desde então, tornou-se um partido de funcionários e autoridades. O partido é um partido de executivos, e o congresso, também, com alguns 'trabalhadores modelos' para fazer figura."

Ao longo de nove décadas, o partido mostrou ser altamente adaptável, além de implacável na busca e manutenção do poder. Ele já passou por repressão violenta e guerra; os expurgos devastadores, a fome generalizada e a turbulência política criados por seu próprio líder, e o distanciamento da população devido à repressão sangrenta aos protestos pró-democracia de 1989 que começaram na praça Tienanmen. Sobreviveu porque descartou a ideologia que antes estava à sua base, em favor do chamado "socialismo com características chinesas" --ou seja, o atual cruzamento de capitalismo descarado com a mão pesada do Estado.

Sob seu reinado, a expectativa de vida e a alfabetização subiram tremendamente na China; dois anos atrás Xangai encabeçou o ranking global de escolas da OCDE. Os direitos das mulheres melhoraram nitidamente. Centenas de milhões de pessoas saíram da pobreza, uma conquista descrita pelo Banco Mundial como milagrosa.

DESAFIOS

No entanto, dezenas de milhões morreram no desastre da Grande Fome, provocado pelo homem, e dezenas de milhões foram perseguidos no caos da Revolução Cultural. A desigualdade está crescendo. A corrupção e as violações dos direitos humanos são comuns; o escândalo de Bo Xilai chamou a atenção para o poder irrestrito dos líderes do alto escalão e o estilo de vida muitas vezes luxuoso de suas famílias.

Mas enfrentar tudo isso pode ser o menor dos desafios que a nova liderança terá pela frente; ela enfrenta a redução do crescimento numa economia desequilibrada, a devastação ambiental, o aumento das expectativas da população e um ambiente de política externa cada vez mais complexo.

Traçar a "trajetória gloriosa" dos congressos nacionais, como faz o museu de Xangai, é traçar a evolução do partido e do país. Guardas do museu dizem que o número de visitantes vem aumentando à medida que o 18º congresso se aproxima; cerca de mil pessoas chegam todos os dias, demonstrando graus diversos de seriedade e entusiasmo. Numa galeria superior, um homem conversa ao celular com um contato de trabalho, ao mesmo tempo em que olha a exposição sem muita atenção. No balcão de suvenires, histórias oficiais do partido disputam espaço com relógios de Mao, acessórios baratos para celulares com a insígnia do Exército Vermelho e um estojo de lápis com a inscrição "estude com afinco, ganhe dinheiro".

O grupo que se reuniu em julho de 1921, "diferentemente do partido de uma época posterior, tinha muito idealismo, mas pouca disciplina organizacional", disse Wen-hsin Yeh, especialista no surgimento do comunismo chinês, da Universidade da Califórnia em Berkeley. Os primeiros anos foram voláteis; apenas dois dos 13 fundadores ainda estavam no partido quando ele assumiu o poder, em 1949.

Outros tinham morrido, optado por deixar o partido ou sido expurgados. Mas em 1927 o partido já tinha 58 mil membros, e o líder nacionalista Chiang Kai-shek ficou alarmado o suficiente para lançar uma repressão brutal contra ele. No ano seguinte o partido se reuniria no exílio, em Moscou. O sétimo congresso só teria lugar em 1945, na base rebelde comunista de Yan'an, pouco antes do fim da ocupação japonesa e da retomada da guerra contra as forças de Chiang.

"Aquele congresso confirmou a autoridade absoluta de Mao no Partido Comunista", declarou Gao Wenqian, antes pesquisador do Instituto Chinês de Documentos Centrais e hoje assessor estratégico sênior do grupo Human Rights in China, sediado em Nova York.

CELEBRAÇÃO DO PODER

Onze anos mais tarde, o oitavo congresso foi uma celebração do poder; o partido agora governava a China. Mais de mil delegados, representando 10 milhões de membros, se reuniram em Pequim. "Mao esperava tornar-se líder da revolução mundial", disse Gao. "Então ele iniciou o Grande Salto Adiante."

Essa tentativa desastrosa de transformar a economia e a sociedade chinesas da noite para o dia resultou em dezenas de milhões de mortos na Grande Fome --e numa nova disposição de contestar o presidente. "Mao temeu que sua posição não fosse estável. Por isso, o nono congresso só foi promovido em 1969", falou Gao.

Naquele ano, um retrato gigantesco do presidente Mao ficou pendurado no local do congresso. Mao já tinha desencadeado a Revolução Cultural para eliminar seus rivais; Lin Biao --que morreria dois anos depois, num acidente aéreo não elucidado-- foi confirmado como seu novo sucessor. "As diretrizes ideológicas, políticas e organizacionais do nono congresso nacional estavam erradas", afirma simplesmente uma legenda no museu.

Oito anos mais tarde, após a morte de Mao, o 11º congresso foi marcado pelo retorno de muitas de suas vítimas, entre as quais se destacou Deng Xiaoping, que faria mais que qualquer outro para converter a China no motor econômico global que o país é hoje. Naquele ano, 1977, foi criado um padrão que é mantido até hoje, com um congresso a cada cinco anos. O Partido Comunista é um organismo cada vez mais institucionalizado, que regulamentou a transição de lideranças, deixando no passado o tempo em que podia ser controlado por um só homem.

Muitos no primeiro escalão do partido parecem ter temido Bo Xilai, que procurou atrelar apoio popular para realizar suas ambições, enxergando-o como figura desestabilizadora. Hoje em dia, segundo Gao, "o congresso nacional não faz mais que afixar um selo. Todas as decisões importantes, como os nomeações para os cargos principais e a direção estratégica a ser seguida depois, já foram tomadas antes do 18º congresso."

Assim como outros, Gao acha que três décadas de reformas econômicas sem mudanças políticas levaram a contradições e conflitos que estão chegando a um ponto crítico, explosivo. À medida que o crescimento se reduz, deixa de ser possível disfarçar os problemas.

Para Gao, o incidente com Bo Xilai proporcionou ao partido a oportunidade de corrigir-se. "Para mim, o partido perdeu a oportunidade. Desde o julgamento de Wang Lijun até o tratamento dado ao caso de Bo, tudo tem sido operações negras... tudo tem girado em torno de disputas políticas, de negociatas dos diferentes grupos na transição do poder. O Partido Comunista tem 92 anos de idade, está senil e letárgico. Ele quer apenas conservar a situação atual, e não fazer quaisquer mudanças."

Outros esperam que uma nova geração de líderes ainda consiga encarar o desafio. Num artigo recente sobre a transição de poder, o analista Cheng Li, do Brookings Institution, escreveu que esses novos líderes são "coletivamente mais diversos em suas origens profissionais e políticas, mais calejados e mais adaptáveis em função das experiências formativas que tiveram durante a Revolução Cultural, além de mais cosmopolitas que as gerações anteriores em matéria de suas visões de mundo e escolhas estratégicas. Eles podem contribuir de modo profundo para a institucionalização política e a governança democrática do país."

Mas ele observou que o pluralismo crescente da sociedade chinesa e a diversidade entre as elites políticas dificulta em muito a obtenção de consensos. "As diferenças ideológicas no interior da liderança são reais e podem tornar-se divisivas demais para permitir conciliação", ele avisou.

E, embora muitos na China ainda sintam que o partido trouxe estabilidade e riqueza, eles vêem com cinismo crescente as motivações e os pronunciamentos de seus líderes, até mesmo o que dizem sobre os mitos fundadores do partido. Quando um visitante ao museu falou que estava ali para ver o passado da China, seu amigo ironizou: "Isso é história real?".

Os documentos sobre o início do Partido são escassos, porque seus membros correriam perigo se fosse pegos com materiais revolucionários. Mas a reconstrução do primeiro congresso foi um ato político, e não apenas histórico.

Em uma sala do museu, um painel de figuras de cera mostra Mao, trajando as vestes azuis de um acadêmico, discursando para delegados fascinados. Mas nessa época Mao não era a figura preeminente do partido, como Yeh observou: Chen Duxiu foi eleito secretário-geral, embora não estivesse presente ao congresso.

JANTAR

Samuel Liang, professor assistente na Universidade Utah Valley e pesquisador visitante na Universidade Xangai Jiaotong, descreveu o museu como "uma casca vazia que procura eternizar um passado reinventado".

Mas, segundo Liang escreveu, Mao disse que uma revolução não é um jantar, uma ocasião social. "E eu poderia acrescentar que, para Mao, uma revolução tampouco é uma peregrinação pacífica para um museu da revolução."

O fato de o local de nascimento do comunismo chinês hoje situar-se numa das áreas comerciais e de entretenimento mais elegantes de Xangai, Xintiandi, faz sentido, de uma maneira estranha. Superficialmente, as construções tradicionais foram conservadas no complexo. Na realidade, fachadas e interiores foram reconstituídos. Moradores deram lugar a butiques e restaurantes. O partido e o bairro conservam suas fachadas, mas o espírito que os animava desapareceu há muito tempo.

"A transformação do bairro no lugar que hoje é conhecido como Xintiandi é indicativa de como o partido mudou, de governança política ou ideologicamente movida para governança movida por considerações econômicas ou de desenvolvimento", Liang acrescentou.

Como o Partido Comunista vai evoluir a seguir é algo que ainda resta a ver. Quando Hu Jintao assumiu o poder, uma década atrás, muitos esperavam que sua ascensão trouxesse transformações importantes. "O maior desafio para Xi Jinping é que ele terá que convencer a população que o partido leva as reformas políticas e econômicas realmente a sério", opinou o cientista político Zhang Jian, da Universidade de Pequim. "Nos últimos dez anos as reformas perderam ímpeto, e a deterioração dessas condições econômicas e políticas está tornando as reformas cada vez mais urgentes."

Essas dúvidas não aparecem no andar de cima do museu, onde as realizações do governo de Hu preenchem duas paredes grandes que detalham os 16º e 17º congressos. Nenhuma menção é feita ao congresso que terá lugar em novembro. "O 18º congresso? Nem começou ainda!" exclamou uma recepcionista diante da pergunta de como ele pode ser registrado, sugerindo que o museu pode levar vários anos para acrescentar o evento.

Para incluí-lo, os historiadores do partido terão que arrumar o passado, mais uma vez.

Tradução de CLARA ALLAIN.

 

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