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28/11/2010 - 08h00

Como não se discute um prêmio literário

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SÉRGIO MACHADO

A ILUSTRÍSSIMA publicou há duas semanas uma reportagem que discutia as incongruências do Prêmio Jabuti e minha decisão, anunciada em carta aberta, de não mais inscrever os livros do Grupo Record na premiação por discordar dos critérios esdrúxulos de seu regulamento.

Pelos critérios do Jabuti, uma obra que, na avaliação de sua própria comissão julgadora, ficou em segundo lugar em seu gênero, pode conquistar a categoria Livro do Ano (de ficção ou não ficção) e ganhar o prêmio principal. Na matéria da Ilustríssima, a repórter Josélia Aguiar apurou e comparou regulamentos de vários prêmios internacionais: o leitor constatou que as regras do Jabuti não têm paralelo no mundo.

Clara em minha carta à Câmara Brasileira do Livro, minha decisão não entrava no mérito das obras agraciadas, somente questiona um regulamento que desconsidera o voto dos próprios especialistas contratados pela CBL, permitindo que outros critérios -não literários- prevaleçam. Disse também que, sendo a inscrição onerosa e voluntária, eu exerceria o meu direito de não compactuar com esses equívocos.

APOIO Fui gratamente surpreendido pela reação de apoio à carta. Recebi emocionadas manifestações de solidariedade de colegas editores e várias pessoas do mundo do livro, mas, naturalmente, foram as mensagens de meus próprios autores que mais me tocaram. Há muitos anos pensávamos em nos retirar do Jabuti, mas receávamos desapontar os escritores da casa.

Ao contrário, de Leonardo Boff e Luiz Alberto Moniz Bandeira a Demétrio Magnoli, Alberto Mussa, Lya Luft, Márcia Tiburi, Marina Colasanti, Marco Lucchesi, Cristovão Tezza e dezenas e dezenas de outros nomes importantes de nosso catálogo escreveram-nos lindas mensagens de apoio.

Durante o período que se seguiu à solenidade de premiação, em que até sites literários portugueses fizeram chacota do Jabuti, Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, omitiu-se sobre o tema, para, na semana seguinte à matéria da Folha, vestir a carapuça e brindar os leitores da Ilustríssima com um raivoso artigo em que me acusou, entre outros "crimes", de "tentar desqualificar" o escritor Chico Buarque. Acusação falsa e leviana de quem quer tergiversar.

Eu disse que, como Chico não ganhou o prêmio de melhor romance, não deveria ganhar o Livro do Ano de Ficção, e acrescentei que a CBL transfere aos editores a incômoda tarefa de explicar esse truncado regulamento a autores que venceram pela avaliação do júri técnico, mas perderam na eleição do prêmio principal.

Não questionei a legalidade da premiação de Chico, nem de longe pensei em processos ou medidas do gênero para "melar" o Jabuti deste ano. Disse apenas que, no futuro, com essas regras, não participarei mais, até porque ficaria constrangido se um autor meu levasse o prêmio de Livro do Ano sem ter sido considerado o melhor em sua categoria.

DESELEGÂNCIA Deselegante, Schwarcz acusou falsamente o escritor Edney Silvestre de manifestar uma justa sensação de ter sido lesado, o que ele jamais fez em público. Apesar de sentido, o vencedor da categoria de melhor romance de 2009 ficou calado.

Schwarcz ainda aproveitou o espaço para intrigar a mim e à diretora editorial do Grupo Record, Luciana Villas Boas, mera testemunha da entrevista, com os livreiros, como se houvéssemos dito que eles não têm competência para escolher o título a ser premiado. Eu disse simplesmente que os jurados do Livro do Ano não têm tempo de ler as obras concorrentes.

Por fim, o editor da Companhia fabulou uma conspiração com o jornalista Reinaldo Azevedo, baseado no fato de ter sido ele o primeiro a apontar em seu blog a incongruência do Jabuti. Teria sido bem melhor para Schwarcz se ele houvesse preservado a atitude olímpica que sempre buscou projetar. Com esse artigo infeliz, caiu do pedestal.

Para usar uma expressão consagrada nesta polêmica, "garfou" a lógica, a verdade factual e, em algum momento, até a gramática. Diversionista, não contemplou a estranheza de, em um prêmio, o segundo lugar ganhar do primeiro. Mas, vendo que os escritores perceberam que eu estava do lado deles quando defendia critérios de mérito nas premiações literárias, Schwarcz passou da defesa ao ataque e me comparou com os políticos.

Acusou-me de autoritarismo por exercer meu direito de não participar de um prêmio com um regulamento incongruente. Cúmulo do delírio, ele fez uma analogia com o presidente Lula e disse que minha atitude é "mais um capítulo da história política brasileira recente quando candidatos [...] desmerecem adversários políticos que os antecederam, mas cujas realizações possibilitaram o sucesso econômico e político do país nos últimos anos".

Essa comparação poderia até me deixar envaidecido, mas como não me sinto merecedor, vou dispensar.

REFORMULAÇÃO Há muito tempo editores e escritores fazem críticas sobre a condução do Jabuti aos representantes da CBL. O professor Moniz Bandeira, querido autor do Grupo Record, conta a quem queira ouvir que toda Feira de Frankfurt ele diz ao pessoal da Câmara que o Jabuti precisa ser reformado com urgência, sob o risco de perder seu significado e prestígio. Nossa decisão de sair do prêmio era a única maneira de deslanchar esse processo de reformulação.

Finalmente, quero deixar claro que não vou participar da discussão das novas regras. Seria uma interferência incabível por parte de um editor. Fui apenas o menino da fábula que gritou que o rei está nu. Não quero ser alfaiate de trajes reais, deixo isso para os encarregados de organizar a premiação. Não percebe Schwarcz que a atitude que tomei prima pela transparência e lisura. Tenho mais a fazer do que discutir remuneração de jurados ou custos de festas, como propõe ele, para desviar o foco do debate.

"Ouve o que eu tenho a te dizer."---São os escritores os concorrentes aos prêmios e, portanto, os únicos vencedores do certame. Não sou papagaio de pirata e não costumo subir ao palco para dividir a atenção com meus autores. Já publicamos muitos livros que ganharam o Livro do Ano, o Prêmio São Paulo e até o Nobel.

Se os nossos autores não ganharam neste ano, outros autores do nosso catálogo poderão ganhar no próximo. Mas quem concorreu em desigualdade nas últimas edições talvez não tenha outra chance. Contra essa iniquidade, eu me manifestei.

São princípios como esse que, com muito orgulho, transformaram a Record no maior grupo editorial do Brasil.

 

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