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"Tenho dificuldade em enxergá-lo como papa da contracultura", diz tradutora de Thoreau
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MARCELO MARANINCHI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O relato dos dois anos, dois meses e dois dias que o escritor norte-americano Henry David Thoreau passou isolado nos bosques de Massachusetts recebe nova tradução, a cargo de Denise Bottmann.
O livro fez a cabeça de Gandhi, Luther King, Ralph Waldo Emerson e escritores beatniks.
Em entrevista à Ilustríssima, Bottmann conta como foi seu primeiro contato com a obra, menciona os desafios da tradução e afirma Goethe, Wordsworth e Kant como influências perceptíveis na obra de Thoreau.
Folha - Quando você teve contato com Thoreau pela primeira vez, e como foi?
Denise Bottmann - Li Walden pela primeira vez aos 16, 17 anos (1970/71), numa época em que abandonar a faculdade, sair pelo mundo de mochila nas costas, viver no campo, morar em comunidade, virar vegetariano ou macrobiótico, em suma, levar uma "vida alternativa", exerciam um tremendo fascínio para adolescentes urbanos sob a ditadura. Andei com aquele livrinho debaixo do braço por uns três, quatro anos. Duvido que tenha entendido muita coisa, além de decorar frases de efeito e guardar folhinhas secas entre suas páginas. Mas era uma companhia muito interessante.
Quanto tempo você dedicou à tradução de Walden? Quais foram os maiores desafios?
Olha, quem faz tradução em tempo integral e vive disso tem de ter uma produtividade média razoável. Então, quando hoje revejo a quantidade de pesquisas e anotações que fiz, até me admiro que tenha levado apenas quatro meses, mesmo em regime de trabalho bem puxadinho. Por outro lado, é um absurdo de tempo, pois qualquer tradutor morreria de fome se levasse esse tempo todo para fazer 300 páginas. Quero dizer: para um leigo, quatro meses pode parecer pouco, e para um estudioso não é nada; mas, para um tradutor profissional, é bastante.
Como você avalia a importância dele para a cultura americana?
Essa pergunta beira o irrespondível, de tão abrangente e complicada que é. Mas, muito esquematicamente, eu diria: no contexto da história do pensamento moral americano oitocentista, ele foi a voz levemente - atenção, apenas levemente - dissonante e um pouco estridente entre aquela linhagem do individualismo de tipo heroico que tem em Emerson seu grande expoente. Já no contexto dos anos 60/70, período de sua redescoberta e divulgação entre o grande público, Thoreau foi alçado a guru de diversas correntes ideológicas que, a meu ver, dificilmente ele compartilharia. Tenho bastante dificuldade em enxergá-lo como papa da contracultura - e no entanto é essa sua adoção pelos pacifistas, hippies e outras correntes posteriores (ecologistas e vegans, p.ex.) que permitiu desempoeirá-lo daquela pátina meio mofada do transcendentalismo novo-inglês.
Thoreau tem uma dicção que lembra, em vários momentos, poetas como Walt Whitman e Álvaro de Campos. Seu isolamento e paixão pelos livros lembram também Montaigne. Você identifica uma linhagem clara para ele, com as implicações de filiação e influência literárias?
Quanto à dicção, sobretudo Wordsworth, não? Quanto à linhagem nem sempre explícita e à flor da pele, mas muito enraizada e entranhada, seria, a meu ver, o romantismo inglês, com sua leitura bastante peculiar de Kant, o papel da percepção e da intuição, e sua teoria do sublime. E não há como deixar de ver o dedinho de Goethe com sua doutrina da natureza.
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