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26/08/2011 - 17h37

Cientistas que assinam artigos escritos por "ghostwriters" deveriam ser penalizados

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IAN SAMPLE
DO "GUARDIAN"

Médicos e cientistas que assinam artigos médicos que não escreveram deveriam ser acusados de erro de conduta profissional e fraude, dizem especialistas legais.

As propostas visam erradicar o negócio escuso da "autoria convidada", em que artigos sobre pesquisas que foram redigidos por empresas farmacêuticas ou redatores médicos pagos pelo setor são publicados com se fossem obras de acadêmicos independentes e influentes.

Nos piores casos, médicos recebem pagamentos ou outros incentivos para endossar artigos, sem estarem familiarizados com os estudos ou dados descritos nos mesmos. Com frequência os artigos são enviesados e não trazem os nomes de seus autores reais.

Não é de hoje que a questão dos autores convidados e dos "ghostwriters" (pessoas que escrevem um texto mas não recebem os créditos de autoria, que ficam com quem contrata ou compra o trabalho) atinge a categoria médica, mas nos últimos anos ela vem se tornando mais difícil de ignorar, na medida em que vem ficando claro até que ponto as empresas farmacêuticas fazem uso dessa tática como ferramenta de marketing.

Artigos redigidos pelo setor farmacêutico, com participação mínima de autores convidados, foram publicados em periódicos importantes, tratando da terapia de reposição hormonal, do Vioxx (um anti-inflamatório que foi tirado do mercado devido a questões de segurança de uso), o Neurontin (usado no combate à dor), antidepressivos e a associação medicamentosa Fen-phen, usada em dietas (também tirada do mercado por razões de segurança).

Embora hoje a prática não seja considerada ilegal, ela é largamente vista como antiética e potencialmente prejudicial aos pacientes, porque enviesa a informação que aparece em periódicos médicos.

Escrevendo no periódico "PLoS Medicine", Simon Stern e Trudo Lemmens, professores de direito na Universidade de Toronto, avisam que as medidas adotadas por editoras e conselhos profissionais para refrear a autoria convidada e a redação de textos por ghostwriters até agora não resolveram o problema. Eles pedem sanções mais severas contra os envolvidos, mesmo quando os artigos são cientificamente corretos.

"É uma prostituição da posição acadêmica desses autores. E prejudica a integridade de todo o sistema de publicações acadêmicas", disse Lemmens.

"O fato de um autor convidado atribuir-se o crédito por um artigo escrito por outra pessoa constitui fraude legal e pode dar lugar a queixas que poderiam ser movidas em uma ação coletiva", escrevem os autores. O mesmo delito poderia subsidiar alegações de "fraude no tribunal" quando empresas farmacêuticas que enfrentam processos recorrem a artigos redigidos por ghostwriters. Stern e Lemmens argumentam que as empresas farmacêuticas e os redatores médicos que elas patrocinam podem ser responsabilizados por solicitar e facilitar fraudes.

Em 2009 foi divulgada uma série de documentos relacionados ao "ghostwriting" e à autoria convidada, após um pedido formulado em tribunal pela "PLoS Medicine" e o "New York Times". Os documentos revelaram que a companhia farmacêutica Wyeth usou ghostwriters para redigir 26 artigos médicos que enfatizaram os benefícios e minimizaram os riscos do uso de terapia de reposição hormonal para problemas como doenças cardíacas e demência. Os estudos financiados pelo governo sobre a terapia foram interrompidos posteriormente, quando foi demonstrado que o tratamento eleva os riscos de câncer de mama, doenças cardíacas e acidentes vasculares cerebrais.

RETRATAÇÃO

A médica Adriane Fugh-Berman, do Centro Médico da Universidade Georgetown, em Washington, que foi testemunha perita em favor das mulheres que moveram a ação cível contra a Wyeth, disse que os advogados canadenses tinham apresentado "uma proposta provocativa para um problema sério".

"A redação de textos por ghostwriters distorce a literatura científica sobre drogas e outras terapias e muda as decisões de prescrição de medicamentos, de maneiras que podem ser prejudiciais aos pacientes. Logo, constitui uma ameaça à saúde pública. Instituições acadêmicas afirmam ser contra o 'ghostwriting', mas o dizem da boca para fora, e nenhum acadêmico foi punido até agora. O receio de ação legal poderia realmente frear a prática, que é descrita eufemisticamente como 'assistência editorial'", disse Fugh-Berman ao "Guardian".

Alguns periódicos, entre os quais o "PLoS Medicine", vêm pedindo a proibição da autoria convidada e avisam que textos escritos por ghostwriters e não reconhecidos como tais serão retratados se o fato for descoberto após a publicação. Os acadêmicos envolvidos serão denunciados perante suas instituições.

Fiona Godlee, editora do "British Medical Journal", disse que a prática continua a ser um problema na literatura médica.

"A autoria convidada e o ghostwriting são totalmente inaceitáveis, e estamos dizendo isso há bastante tempo. É algo enganoso, uma forma de fraude, e seria bom vermos penalidades muito mais fortes e a responsabilização legal das pessoas que se envolvem nisso."

"Os benefícios de ser um autor convidado são substanciais. Você tem um pedaço de um trabalho sob seu nome, sem ter tido o trabalho de escrevê-lo; a empresa envolvida fará pressão para que seja publicado em um periódico de destaque, e visibilidade, promoções e várias outras coisas decorrerão para você, sem falar em viagens internacionais e oportunidades para falar em conferências."

Tradução de Clara Allain

 

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