Escolas dos EUA oferecem cursos para identificar notícias falsas

CAROLYN THOMPSON
DA ASSOCIATED PRESS, EM WILLIAMSVILLE (NOVA YORK)

Professores de muitos níveis de ensino, desde a escola primária até a faculdade, estão mostrando a seus alunos como distinguir notícias factuais de fictícias e por que eles devem se preocupar com essa diferença.

Enquanto o Facebook coopera com a Associated Press, FactCheck.org e outras organizações para frear a difusão de notícias falsas e enganosas em sua influente rede, professores dizem que o ensino dado em sala de aula pode ajudar a reduzir a atenção dada a títulos do tipo "Papa endossa Trump", que semearam confusão durante a campanha eleitoral presidencial americana de 2016.

"Acho que apenas o ensino pode resolver esse problema", opinou a professora Pat Winters Lauro, da Universidade Kean, em Nova Jersey, que neste semestre letivo começou a dar um curso de familiarização com a mídia noticiosa.

Como outros professores, ela descobriu que discussões sobre notícias falsas podem conduzir a terreno politicamente sensível. Alguns críticos acreditam que reportagens falsas voltadas contra a candidata presidencial democrata Hillary Clinton ajudaram Donald Trump a superar uma desvantagem séria nas pesquisas de opinião pública, e o próprio Trump, em suas primeiras semanas no governo, vem tachando de notícias falsas ou difusoras de notícias falsas várias organizações de mídia, reportagens e pesquisas desfavoráveis a ele.

"Não é um tópico difícil de ensinar: como está acontecendo tanta coisa, há material em abundância", disse Lauro. "Mas é difícil em termos políticos, porque nosso país está tão dividido, e os alunos também estão divididos em suas posições. Infelizmente, às vezes eles acham que estou adotando posição política quando na verdade só estou falando de padrões jornalísticos de verificação de fatos. Então às vezes eles reagem dizendo 'ah, é que você é anti-isso ou aquilo'."

Avaliar no que se pode confiar era mais fácil na época em que as fontes eram mais inequívocas: revistas, jornais ou outras, disse o estudante Mike Roche, que está fazendo o curso ministrado por Lauro. Mas hoje "tudo chega até nós por meio da mesma plataforma, nosso celular ou computador, então é muito fácil se confundir e não perceber claramente o que é real e o que é falso", ele disse.

No mês passado, um deputado da Califórnia apresentou um projeto de lei que obrigaria o Estado a incluir no currículo da 7ª à 12ª série aulas que ensinem como distinguir entre notícias reais e falsas.

Lesley Battaglia, professora de governo e política no ensino secundário, acrescentou o tópico das falsas notícias às aulas habituais sobre prévias eleitorais e debates presidenciais, falando de sites e fontes dignas de crédito e submetendo reportagens a sites como Snopes, que fazem a verificação da veracidade factual de seu conteúdo.

Houve também aulas sobre fontes anônimas e sobre sátira. Os alunos se divertiram com a disseminação na China, em 2012, de uma reportagem satírica do site The Onion que apontou o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, como o homem mais sexy do muno.

"Estou obrigando vocês a fazerem o trabalho que nem todo o mundo faz sempre. Muitas pessoas leem algo em um tuíte e já acreditam", disse Battaglia a seus alunos no colégio Williamsville South High, em um subúrbio de Buffalo.

A estudante Hannah Mercer, 17, comentou: "É uma loucura pensar como isso está afetando as pessoas e influindo sobre as opiniões delas".

Dez anos atrás, com a ascensão das notícias online, o Centro de Alfabetização Jornalística da Universidade Stony Brook lançou a ideia de educar futuros consumidores de notícias, e não apenas jornalistas.

Um estudo do Pew Research Center constatou que quatro em cada dez americanos frequentemente leem o noticiário online. A Universidade Stony Brook formou uma parceria com a Universidade de Hong Kong no mês passado para lançar um curso online gratuito.

"Para mim, esta é a nova aula de educação cívica", disse Tom Boll, depois de concluir seu próprio curso sobre notícias reais e falsas, na Escola Newhouse da Universidade Syracuse. Para ele, o tempo em que os editores de jornais e televisão atuavam como os guardiões primários da informação ficaram para trás em um contexto em que qualquer pessoa pode postar e compartilhar notícias.

"Os portões foram escancarados", disse Boll, "e cabe a nós decidir no que vamos acreditar."

Isso não é fácil, pensa o professor Bill Ferriter, de Raleigh, Carolina do Norte, que incentiva seus alunos a usar inicialmente de bom senso para questionar se uma reportagem pode ser verídica, então pesquisar os autores e endereços na web para ganhar mais informações e encarar com ceticismo artigos e reportagens que tenham o objetivo aparente de gerar indignação entre os leitores.

Ferriter apontou para um site de aparência autêntica que publicou reportagem dizendo que em dezembro o presidente Barack Obama assinou um decreto proibindo que o juramento de fidelidade à bandeira e à república fosse repetido nas escolas. O ".co" no final do endereço do falso site de notícias deveria ter sido a pista que traía sua falsidade.

"Quando tento ensinar a crianças e jovens sobre conteúdos questionáveis na internet", disse Ferriter, professor da sexta série, "a maior dificuldade que enfrento é convencer os alunos de que existem conteúdos questionáveis na web".

Alguns de seus alunos temem que as notícias falsas prejudiquem a confiança das pessoas em fontes de notícias dignas de crédito e que permitam que figuras públicas tachem qualquer coisa que seja desfavorável a elas de "notícia falsa".

"Quanto as pessoas começam a desconfiar de todas as fontes de notícias", disse Katie Peter, "as pessoas no poder passam a poder fazer o que bem entendem, e isso é muito assustador."

Tradução de CLARA ALLAIN

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