Em reunião explosiva, Trump muda de ideia sobre acordo de imigração

DO "WASHINGTON POST"

Quando o presidente Donald Trump falou por telefone com o senador Richard Durbin, por volta das 10h15 da última quinta-feira (11), manifestou prazer com o esboço de Durbin de um pacto bipartidário sobre imigração e elogiou os esforços do democrata de Illinois, segundo autoridades da Casa Branca e assessores no Congresso.

Então o presidente perguntou se o senador republicano Lindsey Graham, da Carolina do Sul, um antigo inimigo que se tornou aliado, estava a bordo, e Durbin confirmou. Trump convidou os legisladores a visitá-lo ao meio-dia, segundo pessoas inteiradas do telefonema.

Crédito: Saul Loeb/AFP O presidente dos EUA, Donald Trump, participa de reunião sobre reforma prisional na Casa Branca
O presidente dos EUA, Donald Trump, participa de reunião na Casa Branca

Mas quando chegaram ao Salão Oval os senadores ficaram surpresos ao descobrir que Trump estava longe de finalizar o acordo. Ele estava "afogueado" e cercado por conservadores linha-dura como o senador republicano Tom Cotton, do Arkansas, que parecia confiar que o presidente estava alinhado com eles, segundo uma pessoa informada sobre a reunião.

Trump disse ao grupo que não estava interessado nos termos do acordo bipartidário que Durbin e Graham vinham montando. E enquanto descartava sugestões de Durbin e de outros o presidente chamou os países africanos de "países de merda", difamou o Haiti e ficou mais nervoso. A reunião foi curta, tensa e muitas vezes dominada por discussões cruzadas e palavrões, segundo republicanos e democratas inteirados do encontro.

As oscilações de Trump entre fazer um acordo e brigar, entre o entusiasmo e a fúria, passou a definir as disputadas negociações sobre imigração entre a Casa Branca e o Congresso, deixando perplexos membros dos dois partidos enquanto navegam pelas vulgaridades do presidente, sua combatividade e sua disposição a mudar de posição repentinamente. A explosão desviou o curso das negociações mais uma vez e aumentou a possibilidade de uma obstrução do governo sobre o destino de centenas de milhares de jovens imigrantes sem documentos, conhecidos como "sonhadores".

Este relato dos acontecimentos em torno da explosiva reunião de quinta-feira se baseia em entrevistas com mais de uma dúzia de autoridades da Casa Branca, assessores do Capitólio e legisladores.

A briga deixou os líderes do Congresso incertos sobre se conseguirão chegar a um acordo. Alguns continuam otimistas de que Trump possa ser reconduzido ao centro político e feche um acordo para expandir a segurança nas fronteiras e ao mesmo tempo proteger os que se enquadram no programa de Ação Adiada para a Chegada de Crianças (Daca na sigla em inglês), cujo fim Trump ordenou.

"O presidente é indispensável para se chegar a um acordo", disse Graham em uma entrevista. "O tempo dirá."

A última quinta-feira foi um momento crítico nas negociações proteladas, revelando as prioridades do presidente enquanto a discussão desmoronava.

Trump queixou-se de que não havia dinheiro suficiente no acordo para seu prometido muro na fronteira com o México. Ele também objetou que as propostas democratas de adaptar a loteria de vistos e a política federal para imigrantes em situação de proteção temporária iriam atrair mais pessoas de países que ele considera indesejáveis nos EUA, e não imigrantes de lugares como a Noruega e a Ásia, segundo pessoas a par da reunião.

Os participantes que se alarmaram com os tons raciais dos comentários de Trump ficaram ainda mais perturbados quando surgiu o assunto do Cáucus Congressional Negro (CBC), segundo essas pessoas.

A certa altura, Durbin disse ao presidente que seria mais provável que membros desse grupo político —muito influente na Câmara— concordassem com um acordo se certos países fossem incluídos nas proteções propostas, segundo pessoas inteiradas.

Trump foi conciso e desdenhoso, dizendo que não fazia política de imigrantes para atender ao CBC e não se importava especialmente com as exigências desse bloco, segundo pessoas informadas sobre a reunião. "Vocês devem estar brincando", disse um assessor, descrevendo a reação de Trump.

O chefe de Gabinete da Casa Branca, John Kelly, estava na sala e ficou impassível, sem demonstrar reação quando Trump disse "países de merda", ou quando ele disse que os haitianos não deviam ser incluídos no acordo, segundo assessores da Casa Branca.

A certa altura, Graham disse a Trump que ele deveria usar uma linguagem diferente para discutir a imigração, segundo pessoas inteiradas da reunião.

Enquanto Trump repelia os democratas, foi aconselhado por legisladores republicanos. O deputado Bob Goodlatte, da Virgínia, disse a Graham e Durbin que sua proposta não pegaria, e que o grupo deveria apoiar sua lei mais conservadora. Durbin não se interessou, segundo autoridades da Casa Branca.

Depois que Graham saiu, ele disse a associados que ficou perturbado pelo que ouviu no Salão Oval, segundo pessoas com quem falou, e que estava evidente que os antagonistas do acordo haviam influenciado Trump.

Graham e Durbin também disseram a aliados que ficaram surpresos de que os outros legisladores estivessem presentes —e que o tom de Trump parecesse tão diferente de dias ou mesmo horas antes, segundo pessoas próximas a eles.

Graham não quis comentar a relatada obscenidade do presidente. Ele disse a outros em seu círculo que comentar só prejudicaria a probabilidade de um acordo e que ele queria manter um relacionamento com o presidente.

Inicialmente, havia esperança para a reunião de quinta-feira. Trump tinha dito a congressistas durante uma sessão parcialmente televisionada dois dias antes que estava flexível. "Vou assinar", disse ele na terça-feira (9) sobre qualquer proposta que lhe apresentassem. Ele disse até que estaria disposto a trancar a porta da sala do Gabinete se eles quisessem negociar na Casa Branca, segundo pessoas que ouviram seus comentários.

Depois Trump disse na reunião inicial que ele queria um acordo e que até os membros do Cáucus da Liberdade da Câmara deveriam trabalhar com Durbin. Nas horas e dias que se seguiram, um grupo bipartidário de senadores —Graham, Durbin, o republicano Jeff Flake, do Arizona, o democrata Robert Menendez, de Nova Jersey, e os senadores democrata Michael Bennet e republicano Cory Gardner, do Colorado— começou a se reunir, e eles concordaram em geral com uma proposta.

Mas algumas autoridades da Casa Branca, incluindo o assessor conservador Stephen Miller, temiam que Graham e Durbin tentassem enganar Trump para assinar uma lei prejudicial a ele e que o deixaria mal com sua base política. Quando surgiu a notícia no Capitólio na manhã de quinta-feira de que Durbin e Graham estavam a caminho da Casa Branca, o diretor de assuntos legislativos Marc Short começou a fazer ligações para congressistas e compartilhou muitas das preocupações de Miller.

Logo, Goodlatte, um dos membros mais conservadores da Câmara em relação à imigração, rumava para a Casa Branca. Trump também telefonou para o líder da maioria na Câmara, o republicano Kevin McCarthy, da Califórnia, e lhe pediu para vir, segundo este. Os senadores David Perdue, republicano da Geórgia, e Cotton também foram convidados a vir correndo.

No final da manhã, antes que Durbin e Graham chegassem, Kelly —que já tinha sido informado sobre o acordo— falou com Trump para lhe dizer que a proposta provavelmente não seria boa para sua agenda, segundo membros da Casa Branca.

Kelly, um ex-secretário de Segurança Interna, assumiu um papel cada vez mais influente e agressivo na negociação sobre imigração, convocando legisladores e se reunindo com assessores da Casa Branca diariamente —mais que sobre outros assuntos. Ele tem "sentimentos muito fortes", nas palavras de uma autoridade.

Mas não é uma voz isolada. Nas últimas semanas Trump também tem falado mais sobre imigração com conservadores como o deputado Mark Meadows, da Carolina do Norte, disseram essas pessoas.

Segundo autoridades da Casa Branca, Kelly está decidido a conseguir um acordo sobre os sonhadores e a segurança nas fronteiras, e disse a Trump que a fronteira sudoeste está pior que alguns anos atrás –e que ele pode ser o presidente que mudará essa situação.

"Quando vimos o que estava acontecendo na reunião alguns dias antes, ficamos malucos", disse Mark Krikorian, um linha-dura sobre imigração que dirige o Centro de Estudos de Imigração. Segundo ele, Trump "tem instintos de falcão sobre a imigração, mas não são bem desenvolvidos, e ele nunca passou por esse tipo de luta legislativa".

Depois da reunião de quinta-feira, Trump começou a dizer a aliados que a proposta era "um negócio terrível para mim", segundo um amigo com quem ele falou, e que Kelly e outros assessores estavam certos ao aconselhá-lo a recuar.

"Não era uma proposta séria. Não foi vista como uma proposta séria porque fazia pouco para abordar os problemas da imigração em que o presidente se manifestou interessado", disse Meadows, que dirige o grupo conservador Cáucus da Liberdade na Câmara. "Se eu tivesse que colocar numa faixa de 1 a 10, sendo 10 o mais conservador e 1 o mais liberal, eu daria 2,5."

Trump não ficou especialmente incomodado com a cobertura da reunião e sua vulgaridade depois que foi relatada por "The Washington Post". Ligou para amigos e lhes perguntou como esperavam que isso afetasse seus seguidores políticos, segundo assessores.

"Todo mundo estava dizendo que isso ajudaria com a base", que concordaria com sua caracterização, disse uma pessoa que falou com o presidente.

Na noite de quinta-feira, havia muitos assessores da Casa Branca preocupados porque a história estava explodindo além do nível habitual das polêmicas de Trump.

Mas eles seguiram com seus planos para a noite: uma despedida da vice-assessora de Segurança Nacional Dina Powell, uma ex-executiva da Goldman Sachs e aliada de Jared Kushner e Ivanka Trump. Quase todos os altos membros do governo entraram no exclusivo restaurante italiano Cafe Milano, em Georgetown, para brindar a Powell.

Houve pouco esforço para refutar a história naquela noite, porque os assessores sabiam que Trump o havia dito e que o presidente não estava muito preocupado, segundo pessoas envolvidas nas conversas.

Então, na manhã de sexta-feira (12), Trump pareceu sugerir em um tuíte que não tinha usado a palavra objetável, de modo algum. "A linguagem usada por mim na reunião da Daca foi dura, mas não foi essa a linguagem que usei."

Três membros da Casa Branca afirmaram que Perdue e Cotton disseram à Casa Branca que ouviram "shithouse" e não "shithole", permitindo que eles negassem os comentários do presidente na televisão durante o fim de semana. Os dois disseram inicialmente em público que não se lembravam do que o presidente disse.

Representantes dos dois não quiseram comentar.

À frente, o caminho do acordo sobre imigração continua nebuloso.

"Espero que tenhamos mais apoio republicano para a proposta, porque é realmente o único jogo a fazer. Espero que haja mais negociações —nós não escrevemos a Bíblia", disse Graham na segunda-feira (15). "Escrevemos uma proposta que com o tempo podemos aperfeiçoar."

Meadows disse que ele e Goodlatte estão trabalhando para acrescentar uma política de imigração baseada em méritos à sua versão conservadora. Ele disse que a maioria dos republicanos não vai se alinhar com Graham e Durbin, e em vez disso devem aprovar sua proposta, que não deverá conquistar o apoio dos democratas.

"Com base no que eles propuseram originalmente, Durbin e Graham estão correndo uma maratona, e estão só no segundo quilômetro", disse Meadows.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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