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24/06/2012 - 02h30

Jovem mulher de olhos azuis

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FABRÍCIO CORSALETTI
COLUNISTA DA sãopaulo

Fui ao Masp na última quinta-feira pra ver a exposição de Amedeo Modigliani (1884-1920). É um dos meus pintores favoritos. Eu já tinha ficado cara a cara com dois de seus quadros em 2005, quando morei em Buenos Aires, a 500 metros do Museu de Belas Artes. Sempre que podia entrava no museu e ia direto ver os retratos --duas mulheres vestidas de preto, com olhos verde-azuis borrados e pescoços alongados (mas não muito). Parava algum tempo diante das telas, me esforçando pra entender a graça das imagens, ou melhor, me esforçando pra manter a mente aberta, livre de todas as chatices do dia a dia, e deixar que aquelas figuras sóbrias e delicadas, aquelas figuras preciosas, se instalassem em algum canto do meu inconsciente e tornassem a vida maior. Depois fugia do museu.

Nunca mais tinha visto uma obra de Modigliani. Só reproduções em livros de arte e na internet. E agora lá estava eu circulando de novo entre seus retratos, desenhos e esculturas. Se não me engano, são 37 trabalhos. Nem precisava tanto. Pra mim, bastava a "Jovem Mulher de Olhos Azuis", de 1917.

Eu pensava que o ponto alto da mostra fosse a "Grande Figura Nua Deitada", do ano seguinte. E talvez seja. Não sou crítico de arte pra ir além do meu gosto pessoal (considerando que os verdadeiros críticos sejam capazes disso). E meu gosto pessoal me disse que a "Grande Figura Nua Deitada" é uma pintura sem mistério e a figura que está nua e deitada tem olhos muito convencionais --esclerótica branca, íris castanha, sem que uma cor invada o espaço da outra--, se comparados com outros olhos pintados pelo artista toscano.

Ilustração Guazzelli

Na "Jovem Mulher de Olhos Azuis", nenhum detalhe é banal. Seu colo parece uma escultura feita de tinta --áspero, sutil, difícil. O pescoço magro, inclinado pra esquerda (do espectador), é puro movimento, e o movimento --aprende-se-- é quase sinônimo de fragilidade. A boca, de um vermelho-roxo bem modiglianesco, pode ser tanto a boca de uma mulher impaciente quanto a de uma mulher amarga (torcemos pela primeira hipótese). O nariz é irmão do pescoço; os zigomas jamais precisarão de base, blush, corretivo; a orelha esquerda, a única que enxergamos, não se mostra completamente, a parte superior enterrada sob a cabeleira preta, preta como o céu, de noite, seria preto se não fosse azul-escuro. Os olhos (amorosos, indiferentes) são os olhos da "Jovem Mulher de Olhos Azuis" --eu me recuso a tentar defini-los.

Voltei pra casa flutuando um pouco. Depois alguma coisa pesou dentro de mim. Tentei descobrir o que era, mas não consegui. Depois a coisa passou e me senti profundo. Depois fiquei vazio e fui ao banco, ao boteco. Depois dormi.

 

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