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12/09/2011 - 17h54

Lojas seduzem consumidor com menos produto e mais "conceito"

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KÁTIA LESSA
MALU TOLEDO
MARIANNE PIEMONTE
DE SÃO PAULO

Desde que Audrey Hepburn apareceu hipnotizada pelas joias da Tiffany no filme "Bonequinha de Luxo", há 50 anos, muita coisa mudou nas vitrines, e não só nas que ficam na Quinta Avenida de Nova York. Apesar de ainda terem como meta vender sonhos de consumo, as vitrines paulistanas, acompanhando movimento que já é forte no exterior, passaram, nos últimos cinco anos, a apostar menos em exposições literais --manequim e produto- e a investir em mostras mais conceituais e ousadas.

Um dos exemplos é a Casa Electrolux, loja de eletrodomésticos no Jardim América, que foi inaugurada no fim de 2010. Cercada de tiras de espelhos, a geladeira fica camuflada. "As vitrines agora têm que vender estilo. As marcas estão exigindo mais referências de arte e design", diz Patrícia Rodrigues, 36, dona da Vitrina e Cia., que atende a Electrolux. Segundo ela, empresas de bens duráveis estão investindo em vitrines-conceito três vezes mais dinheiro do que o mercado de vestuário.

Rogêrio Canella/Folhapress
Vitrine com bonecos da chocolateria da marca francesa Valrhona, nos Jardins
Vitrine com bonecos da chocolateria da marca francesa Valrhona, nos Jardins

Entre as lojas que vendem roupas e sapatos, a Galeria Melissa, na rua Oscar Freire, é uma das que estão explorando esse formato. Aberta em 2005, fez das suas sandálias de plástico um detalhe da fachada de 30 m, que já mudou de decoração 30 vezes, com projetos que vão dos irmãos Campana, designers, à cantora Lovefoxx, do CSS. "Nossa ideia era fazer com que a loja virasse uma mistura de outdoor e ponto turístico", diz Raquel Scherer, coordenadora de marketing da marca.

CONCORRÊNCIA

Professor de "visual merchandising" do Senac-SP, Daniel Fonseca afirma que foi a concorrência internacional, intensificada na cidade desde 2006, que despertou a atenção das marcas para as suas vitrines. "Os produtos também estão muito iguais. Um jeans de marca é muito parecido com um fabricado no Bom Retiro. "Como para o ano que vem estão previstas no shopping JK Iguatemi grifes como Prada, Balenciaga e Miu Miu, que investem em vitrines conceituais, Daniel acredita que os lojistas locais serão mais estimulados a colocar criatividade em suas exposições.

A abertura desse novo shopping de luxo, aliás, já está movimentando os preparativos dos vitrinistas. O cenógrafo Gringo Cardia, que produziu vitrines para a H.Stern no exterior, está preparando um curso com o artista plástico Vik Muniz, que já trabalhou com a Louis Vuitton. Previsto para janeiro, no Rio, o curso deve formar, segundo ele, boa parte dos profissionais que vão trabalhar no JK Iguatemi. "Vão vir muitas marcas de fora. O empresário brasileiro vai ter que dar uma razão muito forte para as pessoas não irem ao concorrente", avalia Patrícia, da Vitrina e Cia.

ARTISTAS

Apesar de não ser nova -Salvador Dalí e Andy Warhol fizeram vitrines em NY na primeira metade do século 20-, a ideia de chamar profissionais de outras áreas é a principal fórmula encontrada pelos lojistas para incrementar suas vidraças. Foi o que fez Fabio Boncheristiano, dono da chocolateria da marca francesa Valrhona, nos Jardins. Aberta há um ano e meio, a loja exibe bonecos de pano da artista plástica Suzy Gheler.

"Fiz uma pesquisa e notei que teria que desembolsar, em média, R$ 3.000 por mês para manter ativa uma vitrine tradicional, apenas com suporte, iluminação, embalagens e produtos", conta Fabio. "Com Suzy, fiz um investimento maior, mas hoje tenho uma identidade forte com os bonecos." A ideia fez a chocolateria ganhar, em dezembro de 2010, o primeiro prêmio Natal Mágico da prefeitura na categoria vitrine de loja de rua. "Quem entra comenta que parece Nova York. É um sucesso", afirma Fabio.

Patrícia Araujo/Folhapress
Manequim da Dior, que segue à risca o que manda a matriz
Manequim da Dior, que segue à risca o que manda a matriz

RIGIDEZ

Foi em Paris, com o surgimento das lojas de departamento, em 1852, que sair para ver vitrines virou um hábito. Hoje, é lá que estão as mais conceituais do mundo. Aqui no Brasil, porém, as lojas francesas não aplicam as decorações mais elaboradas. "Recebemos manuais que indicam cor, tamanho e materiais com precisão", explica Heloisa Caraballo, supervisora da Christian Dior no Brasil. "O trabalho que faço é de execução. Não existe criação envolvida, seguimos à risca o que vem da França", diz Pércio Luporini Jr., 53, vitrinista da marca.
Em grifes como a espanhola Carolina Herrera, o processo é ainda mais severo. "Todas as peças são fabricadas no país de origem da marca [Espanha], até os elementos de decoração, como quadros e luminárias", diz Sarita Brito, gerente da loja paulistana.

Além da preocupação em manter o padrão, as grifes avaliam que o consumidor brasileiro ainda não está acostumado às vitrines mais criativas. "Brasileiro gosta de ver o produto, não curte vitrine-conceito. Aqui o espaço não é usado apenas para expor a proposta da coleção, e sim para manipular as vendas", afirma Denis Mattos, 35, responsável por 70 vitrines da Lacoste no Brasil.

BOM RETIRO

Mesmo com vitrines mais conservadoras, com produto e manequim, o Bom Retiro é apontado por profissionais da área como um dos pontos de venda mais atualizados da cidade. Daniel Fonseca, do Senac-SP, conta que, antes mesmo da São Paulo Fashion Week de verão, em junho, a moda do "color blocking" (contraste entre duas ou mais cores fortes) já estava na rua José Paulino. Como vendem no atacado, as vitrines precisam falar aos lojistas em primeiro lugar.

Fernando Bervian, sócio do Núcleo Vitrine, diz ter clientes no bairro que gastam até R$ 50 mil em uma vitrine. "Fazemos um estudo da coleção com antecedência. O Natal do Bom Retiro começa em outubro." Por lá, a vitrine conceitual é irrelevante. "Os compradores querem tocar nas roupas, ver o tecido, conferir o acabamento", afirma Gelson Schimdt, sócio de Fernando.

O mesmo acontece nas grandes magazines. Na Marisa da av. Paulista com a rua Peixoto Gomide, a vitrine de 28 m é trocada de 15 em 15 dias para atrair o 1,5 milhão de pessoas que circulam por ali todos os dias. Segundo a marca, a exposição dos produtos é feita de forma didática. "A qualidade das vitrines nesse nicho é menor porque elas têm que ser trocadas com mais frequência. Caso contrário, a modinha passa e as peças ficam encalhadas", diz Patrícia Rodrigues, que também atende a Renner.

Divulgação
Frente da Galeria Melissa, na Oscar Freire, decorada com "post-its"
Frente da Galeria Melissa, na Oscar Freire, decorada com "post-its"

Moda não é arte
Teté Martinho, colunista da seção crítica de loja

Não é de hoje que as marcas de luxo perseguem referências visuais da arte contemporânea. Os interiores austeros, os grandes vazios e as peças poucas, expostas em nichos milimetricamente iluminados -ou, nos casos menos sutis, sobre pedestais ou em araras que parecem instalações- são todos índices de uma estética que remete diretamente às galerias.
Mais do que uma amostra do que está dentro da loja, a vitrine é parte da arquitetura a ostentar desde a rua, atestando a proximidade da marca com estéticas contemporâneas. É, sobretudo, plataforma preferencial para a construção do bendito conceito a ser imposto -aquele algo a mais que eles querem fazer você crer que está comprando, além da roupa.

Roupa é só um elemento nos arranjos cenográficos que compõem a vitrine da hora; preço, então, é duro de achar. Em nome, aposto, da "limpeza" visual, a etiqueta que indicava o valor de cada coisa foi limada da face dita fina da Terra. Em troca, criou-se aquela cartelinha minúscula que lista preços e peças, obrigando o consumidor a ligar os pontos. Algumas incluem propostas de financiamento, algo que só tinha visto antes em loja de carro.

Para além da vitrine, acho engraçado pensar que tratar roupa como obra de arte e loja como galeria não deixa de trair certa inveja de um sistema que pode praticar preços infinitamente mais malucos -com muito menos lastro em qualquer realidade tátil- do que as grifes. Ainda que elas se esforcem.

vitrines para ver
Decoração conceitual de lojas francesas

Vitrine da Hermès reproduz o modelo de bolsa Birkin com carretéis de linha vermelha em Paris, julho de 2011

Vitrine da Printemps Loves New York usa balões do personagem Bob Esponja em Paris, outubro de 2010

Vitrine da Louis Vuitton coloca balões de cores vibrantes para lançar a coleção de inverno em Paris, junho de 2011

Vitrine da Roger Vivier em Paris trabalha o "gigantismo", uma das tendências da temporada, em março de 2011

vitrines para vender
Confira os detalhes de uma vitrine bem-sucedida

DECORAÇÃO
Nas lojas de shoppings, as vitrines podem ser mais decorativas, pois servem de distração para quem circula

PREÇOS
É obrigatório informar os preços dos produtos expostos e as formas de pagamento

ILUMINAÇÃO
Evite lâmpadas brancas. A mais indicada é a halógena PAR30 para pé-direito acima de 3 m

PRODUTO
Nas lojas de atacado, a decoração fica em segundo plano; é preciso destacar o produto

ETIQUETA
Os clientes associam tabela de preços a um mercado elitizado. Para as lojas populares, vale a boa e velha etiqueta na peça

MANEQUIM
O manequim pode e deve ser humanizado. Maquiagem e tatuagens de adesivo ajudam na identificação com a clientela

CABELO
Brincar com os cabelos ajuda na identidade com o público. Se não puder manter as perucas lavadas e penteadas, use manequins sem cabeça

ESTOQUE
As peças que vão para a vitrine são valorizadas. Se há algo encalhado, coloque em destaque

Fontes: Procon-SP, Camila Salek, da agência Vimer, Patrícia Rodrigues, da Vitrina e Cia., Daniel Fonseca, do Senac-SP

Disputa de conceito

Galeria acusa loja de plágio

No final de agosto, a marca Maria Bonita Extra foi acusada de plagiar em suas vitrines uma obra do artista plástico Ernesto Neto. A Galeria Fortes Vilaça, que o representa, disse que Lise Marinho, desenhista da vitrine, copiou uma de suas esculturas. Alexandre Aquino, sócio e diretor-executivo da marca, nega o plágio e diz estar chateado com a polêmica. "Desde os anos 1980, fazíamos vitrines vivas com grupos de teatro. A Maria Bonita sempre teve muito respeito por artistas, não teríamos problema nenhum em prestar mais essa homenagem, se fosse verdadeira", afirma. A loja já fez coleções e vitrines inspiradas em Volpi, Lina Bo Bardi e Ana Mariani.

 

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