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19/09/2011 - 17h40

Donos de bares contam dificuldades para abrir o negócio próprio

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FERNANDO BADÔ
DE SÃO PAULO

Insatisfação com a carreira, vontade de ser o próprio patrão, trabalhar com o que gosta, ficar rico. Com algumas variações, esses são os principais desejos que motivam marinheiros de primeira viagem a se aventurarem como donos de bar em São Paulo.

Olhando os números, a aposta parece promissora. Segundo o IBGE, cada brasileiro gasta 25% de sua renda com alimentação fora de casa. E, de acordo com pesquisa da Assert (Associação das Empresas de Refeição e Alimentação Convênio para o Trabalhador), cada paulistano gasta, em média, R$ 22,35 por refeição.

Isadora Brant/Folhapress
Luís Fabiani, 40, um dos sócios da Cervejaria Nacional, em cima de sacos de malte
Luís Fabiani, 40, um dos sócios da Cervejaria Nacional, em cima de sacos de malte

A realidade, porém, está distante do glamour. No ano passado, de cada 100 empresas (de todos os ramos) abertas no Estado, 27 não completaram o primeiro aniversário, segundo o Sebrae-SP. Entre os bares paulistanos, a taxa de insucesso é maior: de 100, 35 fecham, em média, ao fim de um ano, e só 3 duram uma década.

Os números são consequência de um mercado que demanda altos investimentos, sofre com a burocracia estatal, está sujeito à subjetividade do gosto dos consumidores e tem concorrência pesada: só na capital existem 15 mil bares, segundo a Abrasel.

Ainda que o bar vingue, o novo empresário terá de cumprir jornadas de trabalho que podem passar das 12 horas diárias, ter jogo de cintura com pessoas --do funcionário insatisfeito ao cliente reclamão-- e saber lidar com as exigências do poder público.

DO SONHO À REALIDADE
Os especialistas e os donos de bar mais experientes procurados pela sãopaulo foram unânimes em um ponto: aliar informação e experiência é fundamental. "Quem se aventura sem conhecimento deixa de focar pontos essenciais para o sucesso de um estabelecimento", diz Joaquim Saraiva, presidente da seccional paulista da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes).

"O imóvel tem que ser bem localizado. É preciso conferir a oferta de estacionamento, se vale a pena abrir no almoço, se a proposta do bar é adequada ao público da região e se a ideia é compatível com a capacidade de investimento", afirma Joaquim.

Outro erro é achar que o bar dará certo por causa dos "amigos que vão garantir a frequência e o boca a boca". "Se for assim, o ramo não é para você", diz o consultor Marco Amatti, diretor da Mapa Assessoria de Negócios, especializada em alimentação fora de casa. "Não basta ter um surto empreendedor, é preciso saber ser empresário e agir como tal."

Formado em economia, Luís Fabiani, 40, seguiu a dica e procurou donos de bares e especialistas na área antes de abrir, há três meses, a Cervejaria Nacional, em Pinheiros. Foram tantas conversas que seus consultores resolveram virar seus sócios. "Entre a gestação do projeto, a reforma e a abertura, o processo durou quase dois anos."

O BAR É DOS CLIENTES
Um erro comum do novo proprietário de bar é não saber separar sonho de negócio e não perceber quem é que de fato manda: o cliente. "Quando o nome escolhido é 'Bar do Fulano', tudo já começa um passo atrás", diz Marco. Segundo ele, o estabelecimento deve ser da clientela.

Em outras palavras, não adianta insistir num bar para motociclistas se perceber que o público pede TVs para assistir ao futebol. Ou manter o rock como som ambiente se os frequentadores preferem samba.

Saber qual é o melhor horário de funcionamento também é importante. Às vezes, não vale a pena funcionar na hora do almoço. "Só se o ponto for próximo a escritórios", sugere Joaquim Saraiva, da Abrasel. Nesse quesito, Vila Olímpia e Itaim Bibi são os bairros mais adequados.

Abrir só à noite traz a vantagem de um público mais flexível em relação a horário. Assim, os bairros Vila Madalena, Vila Mariana e Santana são os mais recomendados.

Seja qual for a localização, não há como fugir de uma regra: é essencial que existam estacionamentos por perto ou serviço de valet.

As primas Aline Gurgel, 31, e Marcela Silva, 28, souberam ouvir os clientes e estão conseguindo êxito. Há cinco anos, elas vieram de Minas Gerais com o tio montar um empório de produtos mineiros. "Os clientes começaram a pedir café e pão de queijo no balcão", conta Aline. Em 2008, elas cederam à pressão e montaram um espaço com 50 lugares, o As Mineiras, na Vila Mariana. A casa decolou e, há cerca de um ano, resolveram se mudar para um ponto maior. "Para falar a verdade, a gente não tinha segurança de ampliar, mas os clientes estavam cobrando."

INVESTIMENTO E BUROCRACIA
Determinar o valor do investimento de um bar é uma equação com muitas variáveis. Além de aluguel, reforma e decoração, ainda é preciso ter capital de giro e reservas para pagar salários.

"Não imagino algo legal sem investir ao menos R$ 350 mil", estima Marco Amatti. Ter saúde financeira e paciência também são elementos importantes. "É preciso um tempo de maturação do negócio. O retorno pode levar até quatro anos", diz.

Para o calouro, tentar conciliar o bar com outra fonte de renda pode parecer mais seguro, mas não é garantia de êxito. Quando o publicitário Armando César Mendonça Júnior, 37, planejava o bar Caretas, na Vila Madalena, ele e os três sócios decidiram que só um deles iria se dedicar totalmente à casa -os demais continuaram no emprego. A ideia não deu certo, e o bar fechou. "É necessário trabalhar focado", avalia Armando.

Cumprir a legislação e obter licença para funcionar é outra tarefa complicada. Para conseguir alvará, é preciso seguir um mar de exigências, que incluem questões de segurança, condições de higiene e proteção acústica. Segundo a prefeitura, cerca de 70% dos estabelecimentos comerciais funcionam com alguma irregularidade.

De acordo com Percival Maricato, autor de "Como Montar e Administrar Bares e Restaurantes" (Senac, 2010) e diretor jurídico da Abrasel, isso acontece não por falta de vontade dos proprietários em buscar a regularização, mas pelo excesso de rigor do Estado.

"A burocracia deixa tudo muito complicado. A maioria não consegue viabilizar o negócio. A CLT, por exemplo, afeta demais o setor, já que os bares funcionam à noite", afirma ele. Um funcionário registrado que trabalha entre 22h e 5h tem direito de receber adicional noturno de até 20%.

Atualmente, um alvará pode levar de seis meses a um ano para sair. "Ninguém pode esperar tanto tempo para funcionar", diz Percival. O problema pode ser amenizado com o projeto de lei 189/2010, aprovado pela Câmara Municipal em primeira votação em maio de 2010. Ele prevê a emissão de licenças temporárias.

A assessoria da secretaria de Coordenação das Subprefeituras afirma que, conforme o caso, o pedido de alvará de funcionamento pode ser feito até pela internet.

QUANDO O SONHO DÁ CERTO
É difícil, mas não é impossível ter sucesso como dono de bar em São Paulo. Prestes a completar 11 anos, o Genuíno deu certo e ajudou a inserir a rua Joaquim Távora, na Vila Mariana, no circuito da boemia paulistana.

Segundo um dos sócios, Valter Sanches, que deixou o emprego na Companhia Energética de São Paulo (Cesp) para abrir o bar, o maior desafio foi superar a insegurança financeira dos primeiros meses. "Você se acostuma a receber salário. Quando sai e vira patrão, se vê comprometido com uma série de obrigações e continua precisando pagar suas contas. Não é fácil."

Para os calouros, a dica é acordar do sonho. "Ninguém fica rico de uma hora para outra. O nosso retorno só veio um ano e meio depois", afirma.

"O modelo de gestão não pode ser amador. O lugar do dono não é atrás do balcão ou recebendo os clientes. É nos bastidores, planejando e gerenciando", aconselha Cliff Li, um dos sócios do Na Mata, na Vila Olímpia, que comemorou 11 anos em março. "Tenha profissionais qualificados, para que cada um cumpra seu papel."

Com a autoridade de quem serve, segundo ele próprio, 90 mil chopes mensalmente, Alvaro Aoas, do Bar Brahma, alerta: bar não é hobby. "É preciso muita gestão, muito trabalho e muita eficiência", afirma ele, que assumiu o estabelecimento em 1998. O bar, no centro, ficou em primeiro em seis categorias da pesquisa Datafolha publicada na edição "O Melhor de sãopaulo" deste ano.

Seguindo a fórmula, o sucesso é garantido? Nem sempre. "O Genuíno era um bar consolidado e usamos a experiência para investir em uma pizzaria. Foi um fracasso", lamenta Valter.

*

O QUE ELES DIZEM

Patrícia Araújo/Folhapress
Fernanda Levorin, 41, dona do Benina Bar
Fernanda Levorin, 41, dona do Benina Bar

"Tive de esperar sete meses para a reforma. A intenção era abrir antes da Copa, em junho, mas só saiu em setembro"

Fernanda Levorin, 41, que trabalhava como designer gráfica antes de abrir, há quase um ano, o Benina Bar, na Vila Madalena

"Quando vi, estava fechando o caixa às 2h, enquanto meus amigos estavam na praia"

Renato Costa, 26, trabalhava no mercado financeiro e assumiu, em 2009, o Espírito Santo, no Itaim Bibi, com o sócio Adriano Duarte, 65

"Como não havia trabalhado na área, pensava que, a qualquer hora, tudo poderia dar errado"

Alexandre Torres, 32, largou a publicidade e abriu, há um ano, a Cervejaria ô Fiô, no Morumbi

"Construir um bar tem de ser muito bem pensado. você abre mão de várias coisas, como sair à noite com os amigos"

Ana Toshimi Kanamura, 28, trabalhava com administração de empresas e abriu com o marido o Itigo Sake House, nos Jardins, há um ano

"[o mais difícil quando o bar cresce] é lidar com funcionários. A relação é sempre instável. Com clientes, é mais fácil"

Aline Gurgel, 31, que, com a prima Marcela Silva, 28, transformou um empório de comida mineira no bar As Mineiras, na Vila Mariana, ampliado há cerca de um ano

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PRIMEIRAS ESTRATÉGIAS
Em que o dono de bar novato precisa ficar de olho

1) Localização
Veja se a lei de zoneamento permite bares e analise a possibilidade de problemas com barulho. Estabelecimentos podem ser multados e lacrados pela lei do Psiu

2) Estacionamento
Fator determinante para o cliente escolher um bar. Verifique se há oferta de vagas nos arredores ou ofereça um serviço de valet

3) Projeto adequado
Certifique-se de que a proposta do bar funciona na região escolhida. Um processo futuro de remodelação pode inviabilizar o estabelecimento

4) Público-alvo
Analise se a proposta está adequada ao comportamento das pessoas que frequentam o bairro. O bar precisa agradar a eles, não ao proprietário

*

PAPELADA
A burocracia a ser cumprida

1) Habite-se
Documento que atesta na prefeitura a regularização do imóvel para a utilização comercial

2) Termo de Consulta de Funcionamento
Serve para o dono verificar se a prefeitura permite o funcionamento de bares na região escolhida

3) Registros
São necessários contrato social, CNPJ, Declaração Cadastral (Deca), Cadastro do Contribuinte Mobiliário (CCM). O ideal é chamar um contador

4) Taxa de Fiscalização do Estabelecimento
Para o ramo de alimentação, o valor é de R$ 783,39 por ano. Os reajustes são anuais

5) Alvarás
Segurança, Vigilância Sanitária e autorização de funcionamento são algumas das exigências

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O CIRCUITO DA BOEMIA
As regiões mais procuradas para instalação de bares

Vila Madalena
Um dos principais redutos boêmios da cidade e provavelmente o mais eclético, oferece opções para clientes de todos os gostos

Vila Mariana
As características residenciais do bairro fazem dos moradores um público fiel, inclusive durante a semana

Santana
Oferece uma boa variedade de bares, que contam com a fidelidade dos vizinhos. Muitos preferem não se deslocar em direção ao centro

Itaim/Vila Olímpia
Reduto de empresas, tem garantia de movimento da hora do almoço até a madrugada

*

SOB CONTROLE
Dicas para monitorar o investimento

1) Comece com casas pequenas, de até 80 lugares, até aprender a controlar os custos, especialmente aqueles não previstos

2) Mantenha reservas de capital de giro para compra de produtos e materiais de consumo e para manutenções

3) Estude a quantidade necessária dos materiais utilizados. Seu negócio não é estocar copos e, sim, manter todos em utilização

4) Com o ponto definido, consulte um arquiteto antes de montar o bar e solicite um projeto agradável, mas que caiba no seu orçamento

Colaborou Anderson Santiago

 

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