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Fora com as cortinas!
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BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA sãopaulo
Foram 20 anos morando no mesmo endereço. Até o dia em que a ganância e o boom imobiliário meteram o pezão na porta e a deitada eternamente em berço esplêndido encontrou-se repentinamente com o popozão sentado no banco do passageiro do carro da corretora da Coelho da Fonseca percorrendo a via-crúcis dos imóveis disponíveis no Itaim Bibi.
Entre 35 e 40 visitas mais tarde, tornei-me uma estudiosa do quarto e sala, uma espécie de Ruth Cardoso das quitinetes do Itaim, tendo revirado a intimidade de gente cuja existência o leitor dará graças a Deus de nunca ter chegado a 100 km de reconhecer --entre os quais enumero um argentino que, eu suspeito, traficava mulheres crédulas para "raves" em Ibiza; a dona de um schnauzer que deveria ser enquadrada por submeter a empregada ao claustro de uma área de serviço inominável e uma grávida com acentuada alteração emocional, que protestou sobre a brevidade da minha visita ao seu imóvel. Acho que ela esperava que eu batesse palmas para sua decoração.
Fato está que acabei encontrando um apartamento para chamar de meu e, depois de um "extreme makeover" que incluiu hidráulica e elétrica, eu estou de mudança.
Houve momentos nos últimos meses em que pensei que não chegaria até aqui. Ou que chegar até aqui fosse um conceito que só viesse a sobrevir inopinadamente depois da conclusão da obra do Itaquerão.
Já sumiu quase um ano desde que o processo entrou em funcionamento. E, agora que vislumbro a reta final, eu me pergunto se minhas coisas vão caber em espaço mais exíguo ou se o sol vai bater em um lugar em que meu Ziggy Tchurri (sim, o salsicha foi rebatizado de novo) consiga fazer sua fotossíntese matinal aconchegado.
Minha mãe diz para copiar os ingleses. Eles fazem o jardim, colocam todas as árvores e plantas no lugar. E só depois de ver por onde crianças e cães vão pisar é que cimentam os caminhos. Talvez eu também devesse dar tempo ao tempo. Se minha angústia permitisse.
Será que o banheiro vai precisar de blecaute para evitar que eu vire estrela do YouTube?
Cortina é o fim do mundo, né não? É intolerável ter de perder um segundo sequer da existência pensando nesse item. Não existe nada mais inoportuno do que cortina. Cortinas são como os marronzinhos do CET. Sei que precisamos deles, mas nunca conheci nenhum de quem eu fosse com a cara.
Também sei que você não diria lendo este texto, mas eu sou perfeccionista (e sistemática) e gosto de pensar que controlo minimamente os acontecimentos ao meu redor. Está certo que há mais de dois anos a Barbara Abramo vem nos prevenindo de que uma Via Láctea de mudanças está a caminho e que devemos lidar com isso. Parece que tem algo a ver com Plutão --está vendo, quem mandou injustiçá-lo?
Por mais que alguém se prepare, como se há de prever que o Hunter, a Ferrari dos ventiladores de teto, que funcionou suave e mudo por anos a fio no meu quarto, irá reproduzir o mesmo comportamento servil no novo lar? Há como predizer uma coisa dessas?
E os vizinhos, a quem minha obra atormentou por meses, por quanto tempo irão subir em silêncio comigo no elevador? Melhor bater 17 bolos e distribuir para cada morador logo na chegada.
Caso eu tenha de pedir licença médica por conta do ombro deslocado, vocês que se virem aí no domingo da folga do Corsaletti, OK?
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