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30/10/2011 - 11h18

Até loguinho, era da inocência!

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BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo

Faz dois anos que estou à caça de um disléxico famoso para falar em nome de uma instituição que ajuda portadores de transtorno de aprendizagem de leitura. Hélas, não consigo encontrar um brasileiro disponível.

Nós não temos esse hábito, pessoal não gosta de sair da toca para mostrar imperfeições. No Reino Unido, veja só, sir Jackie Stewart, o tricampeão de F-1, e sir Richard Branson, o multimilionário do grupo Virgin, aparecem na TV para dizer que, no caso deles, a dislexia não foi obstáculo para o sucesso.

Nos EUA é a mesma coisa. Tom Cruise fala de como venceu a dislexia e aprendeu a ler com a ajuda da mãe. Michael J. Fox, de "De Volta Para o Futuro", virou porta-voz da doença de Parkinson, e George W. Bush defende duas causas, dos disléxicos e dos alcoólatras (mas não faz parte da associação de ex-presidentes que têm uma ervilha no lugar do cérebro).

Eu aqui na minha cruzada por alguém que seja ao mesmo tempo: 1) famoso e 2) disléxico e lá nos States o pessoal já cansou de ouvir o Ozzie Osbourne, os filhos do Ozzie, o papagaio do Ozzie, o hamster do Ozzie e o porquinho-da-índia do Ozzie (não é a mesma coisa) discorrendo com a maior naturalidade sobre sua dependência de álcool e outras substâncias.

Nós, não. Nossas celebridades não dão a mínima se forem fotografadas de avental cirúrgico e touquinha ao mesmo tempo em que estão deitadas sobre uma maca tendo um doutor de reputação dúbia debruçado sobre elas enquanto ele aspira banha misturada com uma bola de pelo de alguma parte infame do corpo delas.

Mas ai de nós se alguém mencionar que elas bebem em excesso ou sofrem de algum mal congênito, não é mesmo? O importante é lipoaspirar ou criogenizar aquela gordurinha.

Seria impensável hoje um ídolo da juventude ser atropelado por um trem, perder a perna e esconder o fato. Digamos que o Luan Santana (não, o Luan, não!) viesse a sofrer a mesma desventura pela qual passou Roberto Carlos. Ele seria imediatamente aconselhado a se tornar um campeão da causa dos sem-perna. E seria, de fato, uma causa justa, bela e necessária.

Há muito venho matutando sobre essa questão da responsabilidade social. Lembro dos debates que mantive por anos com o colega de Redação (cujo nome começa com Ruy e termina com Castro) que me levou a conhecer uma clínica de recuperação, o tal "rehab" de que a Amy fala na música. Por anos Ruy e eu ponderamos sobre o benefício que levaríamos ao leitor (versus o malefício que causaríamos à nossa reputação) se resolvêssemos falar publicamente sobre nosso problema com a bebida. Ele dizia: "Barbara, se houvesse algum proveito em fazer essa revelação, pode ter certeza de que a cidade estaria cheia de outdoors chamando o pessoal para ir aos Alcoólicos Anônimos".

Isso foi há 20 anos e alguns conceitos foram renovados, a começar pela Lei Cidade Limpa, que ora proíbe os outdoors.

As produtoras de tabaco que quiseram esconder as verdades sobre a nicotina se deram tão mal que agora são forçadas a enfrentar a radicalização que tocou o cigarro porta afora de todo canto, inclusive da rua.

Temos tolerado cada vez menos o jovem que bebe ou o acidente causado por quem bebe e dirige. A gente exige que a indústria de geladeiras e pneus recolham os seus produtos, não vai exigir responsabilidade de quem lida com bebida, ora bolas?

A era da inocência acabou e a indústria sabe disso. Na semana passada falei sobre alcoolismo a um auditório lotado na comunidade de Heliópolis. Quem me chamou para a conversa? Uma das maiores produtoras de cerveja do mundo.

 

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