Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Ibama deu aval, sem parecer técnico, a núcleo com poder de anular multas

Procedimento não é ilegal, mas escapa de instâncias da autarquia para evitar pareceres contrários

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Brasília

A minuta do decreto formulada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) que cria um "núcleo de conciliação" com poderes para anular multas aplicadas pelo Ibama —esvaziando, na prática, o papel do fiscal— teve aval da autarquia ambiental sem ter recebido pareceres técnico e jurídico.

O documento, revelado pela Folha, também extingue uma das modalidades de conversão de multas, sistema que hoje permite a participação de entidades públicas e organizações não governamentais em projetos de recuperação ambiental.

A reportagem teve acesso ao ofício assinado pelo presidente do Ibama, Eduardo Bim, e enviado ao MMA em 25 de fevereiro. No documento, Bim afirma, de forma genérica, que as “considerações deste instituto já foram colocadas ao longo do processo de construção das referidas alterações propostas”, sem fazer menção à avaliação técnica e jurídica do órgão.

Eduardo Bim, presidente do Ibama
Eduardo Bim, presidente do Ibama - Eduardo Guedes/Agência Alesc

O procedimento, embora não seja ilegal, é considerado incomum, sobretudo no caso de uma proposta que altera políticas centrais do órgão.

Técnicos ouvidos pela reportagem, que pediram para não ter os nomes revelados, afirmaram que essa foi uma maneira de “driblar” as instâncias da autarquia, já que, se a proposta fosse analisada formalmente por meio de notas técnicas e jurídicas, ela certamente receberia pareceres contrários.

Ainda segundo os técnicos, a minuta do decreto, que revoga trechos do Decreto 6.514, de 2008, que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais de 1998, abre a possibilidade, por exemplo, de multas serem anuladas sem o devido processo administrativo.

O documento estabelece que o novo núcleo, que poderá analisar, mudar o valor e até anular as multas aplicadas pelo Ibama, será formado por “no mínimo dois servidores efetivos”, designados por portaria conjunta do ministro do Meio Ambiente e “do dirigente máximo do órgão ambiental federal”. Enquanto o núcleo não decide sobre a autuação, os prazos processuais ficarão todos paralisados, segundo a proposta de decreto.

Esse ponto pode vir a ser questionado judicialmente. “Qualquer centralização de poder em um determinado órgão colegiado no qual sua composição não assegure a isenção, a imparcialidade e a autonomia dos agentes administrativos para decidir sobre uma questão de punição, como parece ser o caso desse núcleo, viola a lei nº 9.784, de 1999, e a própria Constituição”, diz o procurador da república Daniel Azeredo, secretário-executivo da 4ª Câmara do Ministério Público Federal.

O Ibama tem aplicado cerca de 16 mil multas por ano em território nacional, com valor total oscilando de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões. No entanto, apenas 5% desse montante é efetivamente pago, em média.

Procurado, o Ibama respondeu que o processo de elaboração da minuta do decreto é conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente.  ​

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) é crítico contumaz da ação fiscalizatória do órgão ambiental. Em diversas oportunidades, durante a campanha e após ser eleito, o presidente afirmou que iria extinguir uma suposta  “indústria da multa”.

Logo após ser escolhido para o cargo de ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles afirmou em entrevista à Folha que “existe uma proliferação das multas” e que muitas delas seriam aplicadas por caráter ideológico.

A minuta inclui também a revogação de pontos do decreto 6.514, de 2008, inseridos por um decreto de 2017, que prevêem a conversão de multas por “adesão a projeto previamente selecionado pelo órgão federal emissor da multa”, a chamada conversão indireta.

Atualmente há duas modalidades de conversão de multas, a direta, em que os serviços são prestados pelo próprio autuado pelo Ibama, com desconto de 35% no valor da multa, e a indireta, com desconto de 60%, em que o autuado fica responsável por cotas de projetos de maior porte, denominados estruturantes, nos quais entidades do setor público e ONGs são escolhidas por chamamento público coordenado pelo Ibama.

Há um ano em vigor, a modalidade indireta mobilizou mais de R$ 1 bilhão em projetos de recuperação ambiental.

Procurado, o Ibama respondeu que o processo de elaboração da minuta do decreto é conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente. 

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