Descrição de chapéu The New York Times

Copenhague quer se tornar neutra em carbono em seis anos

Capital da Dinamarca pretende gerar mais energia renovável do que a energia suja que consome

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**EMBARGO: No electronic distribution, Web posting or street sales before Monday 3:01 a.m. ET March 25, 2019. No exceptions for any reasons. EMBARGO set by source.** The Dronning Louises Bro, a bridge in central Copenhagen, Denmark, Feb. 4, 2019. By 2025, this once-grimy industrial city aims to be net carbon neutral, meaning it plans to generate more renewable energy than the dirty energy it consumes. (Charlotte de la Fuente/The New York Times)
Copenhague, capital da Dinamarca - Charlotte de la Fuente/The New York Times
Somini Sengupta
Copenhague

Uma cidade pode zerar suas emissões de gases estufa?

Copenhague pretende fazer exatamente isso, e em pouco tempo. Esta cidade, antes uma capital industrial encardida, pretende até 2025 tornar-se neutra em carbono –ou seja, ela pretende gerar mais energia renovável do que a energia suja que consome.

Veja por que isso é importante para o resto do mundo: hoje metade da humanidade vive em cidades e a grande maioria dos gases que aquecem o planeta vem de cidades. As grandes soluções para a mudança climática também precisam partir de cidades.

As cidades são tanto um problema quanto uma potencial fonte de soluções. A experiência de Copenhague, cidade de 624 mil habitantes, pode mostrar o que é possível e o que será difícil de ser feito por outros governos urbanos em um planeta cada vez mais quente.

O prefeito de Copenhague, Frank Jensen, disse que as cidades “podem mudar como nos comportamos e como vivemos. Elas podem ficar mais verdes.”

Sua cidade possui algumas vantagens. Ela é pequena, é rica e seus habitantes se importam profundamente com a mudança climática.

Para Jensen, são os prefeitos, mais que os políticos nacionais, que sentem a pressão para tomar medidas concretas. “Somos diretamente responsáveis por nossas cidades e nossos cidadãos, que esperam ações de nossa parte.”

No caso de Copenhague, isso significa mudar o modo como as pessoas se deslocam, como aquecem suas casas e o destino que dão a seu lixo. A cidade já reduziu suas emissões em 42% desde 2005, principalmente por estar usando menos combustíveis fósseis para gerar calor e eletricidade.

Mas a política dificulta o avanço nesse sentido. Há limites ao que um governo municipal pode fazer quando não conta com o apoio pleno dos governantes nacionais.

Jensen, 57 anos, é democrata social de esquerda. Ele não conseguiu até agora convencer o governo nacional, liderado por um partido de centro-direita, a limitar a circulação de veículos movidos a diesel na capital.

Os transportes são responsáveis por um terço da pegada de carbono da cidade; eles formam o maior setor isolado, e esse setor está crescendo.

Já o governo nacional reduziu as taxas de licenciamento de veículos, em uma iniciativa que seus críticos dizem ter incentivado o uso de carros particulares. O ministro dos Transportes, Ole Birk Olesen, disse que o governo quis reduzir o que ele descreveu como “a taxação excessiva de carros”.

Mas Olesen acrescentou que, idealmente, nas próximas décadas os dinamarqueses deveriam comprar apenas automóveis com zero emissões.

Com isso, a meta de Copenhague de tornar-se neutra em carbono enfrenta um obstáculo que é comum pelo mundo afora: uma divergência entre os interesses dos moradores das cidades e os das pessoas que vivem fora delas.

Muitos políticos oposicionistas e analistas independentes duvidam que Copenhague consiga alcançar sua meta para 2025, e alguns críticos dizem que o plano é demasiado focado sobre o esforço para equilibrar o carbono na cidade, em vez de tentar modificar o modo como as pessoas vivem.

“Andamos por aí em carros que queimam combustíveis fósseis. Comemos muita carne. Compramos muita roupa”, disse Fanny Broholm, porta-voz do Alternativet, um partido verde de esquerda. “A meta não é ambiciosa o suficiente, mas nem sequer essa meta conseguimos alcançar.”

Já Jensen está otimista em relação ao que descreve como a “transformação verde” de sua cidade. A prefeitura diz que é apenas o começo.

Com a inauguração de uma nova linha de metrô prevista para este ano, a maioria dos moradores da capital estará a menos de 650 metros de distância de uma estação do metrô

As ciclovias já têm três pistas nos caminhos mais seguidos por 43% dos moradores de Copenhague que usam a bicicleta para ir e vir diariamente ao trabalho e à escola –mesmo nos dias de chuva ou frio, que são muito frequentes.

Esse vento todo ajuda a gerar a eletricidade da cidade. Os prédios são aquecidos em parte pela queima de lixo em um incinerador high-tech –o lixo que resta para ser queimado, isto é, considerando que hoje cada edifício de apartamentos tem oito latões de lixo reciclável diferentes.

Para cada unidade de combustível fóssil que consome, Copenhague pretende vender unidades de energia renovável. A cidade investiu fortemente em turbinas eólicas.

Nas grandes cidades temos o dinheiro e a escala necessários para mudar as coisas, disse Jensen quando me conduziu num passeio de bicicleta partindo da sede da prefeitura, onde as escavações para a construção de uma nova estação de metrô recentemente levaram à descoberta dos restos mortais de dois vikings.

Atravessamos uma ponte para ciclistas que no passado levava ao distrito industrial. Hoje o bairro é ocupado por restaurantes da moda.

Enquanto pedalávamos, Jensen falava das eleições parlamentares marcadas para a primavera deste ano. “Haverá eleições nos próximos meses, e muitas pessoas que moram nos subúrbios ainda têm carros movidos a diesel”, ele falou.

“É um desafio político, não tecnológico.”Para Copenhague, o caminho que conduz à neutralidade de carbono é forrado de soluções imperfeitas.

Algumas das usinas elétricas da cidade que antes eram movidas a carvão hoje usam pellets de madeira trazidos do Báltico. Isso representa neutralidade de carbono em princípio, desde que possam ser plantadas mais árvores para repor as que são derrubadas, e ajudou a cidade a efetuar uma redução importante em suas emissões.

Mas a queima de madeira gera emissões, e uma ação judicial movida na Corte Europeia de Justiça argumentou que os pellets de madeira não devem ser considerados energia renovável. Críticos respondem dizendo que os grandes investimentos públicos feitos em biomassa obrigam a cidade a usar biomassa ainda por anos pela frente.

Há também o lixo. Copenhague inaugurou recentemente um incinerador de US$660 milhões e 85 metros de altura, que lembra uma pirâmide semiconstruída, com uma chaminé ainda mais alta. O incinerador fica a poucos metros de um dos restaurantes mais frequentados da cidade, o Noma.

Projetado por um dos arquitetos mais conhecidos do país, Bjarke Ingels, o restaurante inclui uma encosta de esqui aberta o ano inteiro para atrair visitantes (e recuperar parte das despesas). O prefeito foi um dos primeiros a testar a encosta.

Todos os dias 300 caminhões levam lixo para alimentar a enorme fornalha do incinerador, incluindo lixo importado do Reino Unido. Isso também tem uma pegada de carbono. Mas o engenheiro chefe, Peter Blinksbjerg, destacou que, em vez de parar em um aterro sanitário, o lixo da vida moderna é transformado em algo útil: calor para aquecer a cidade durante o inverno longo e frio.

Escovadoras removem a maior parte dos poluentes químicos antes de lançar vapor no ar. Antes do verão deste ano está prevista a abertura de um café à sombra da chaminé.

Pedalando pela cidade hoje em dia é difícil imaginar como era Copenhague no passado. Havia fábricas nas ruas estreitas e navios no porto, cujas águas eram manchadas de óleo. A eletricidade era fornecida por usinas movidas a carvão. O ar era poluído. Uma geração de residentes se mudou para os subúrbios, onde o ar era limpo.

Hoje, mesmo nos dias de inverno e de chuva, as pessoas pedalam para o trabalho por uma ciclovia movimentada que liga as ruas labirínticas da parte mais antiga da cidade, onde algumas das casas datam do século 15, aos bairros da zona norte, passando ao lado de edifícios residenciais majestosos que dão vista para o lago. A ciclovia é ligeiramente mais elevada que a pista dedicada aos carros.

A sensação de quem pedala é de ter mais segurança do que se a separação fosse assinalada apenas pela linha branca que demarca as ciclovias em muitas outras cidades.

Em um café aconchegante, uma estudante de medicina chamada Mariam Hleihel disse que é totalmente a favor dos esforços do prefeito para reduzir a circulação de carros poluentes na cidade. “Se não fizermos alguma coisa agora, as consequências podem ser irreversíveis”, ela comenta.

Mariam refletia uma opinião amplamente compartilhada por muitos dinamarqueses. Um estudo realizado em 2018 pelo think tank Concito concluiu que o combate à mudança climática é uma das preocupações principais dos eleitores. Um pouco mais de metade dos entrevistados disse que precisará mudar seu movo de vida para poder combater o aquecimento global.

Simone Nordfalk trabalha numa feira ao ar livre. Ela encara a perspectiva de mudar seus hábitos alimentares pelo bem da causa do combate à mudança climática. Os figos que ela vende vieram do Brasil, os morangos, da Espanha.

Não será fácil os dinamarqueses voltarem a se alimentar como faziam uma geração atrás. “Acho difícil isso acontecer”, ela comentou.

Copenhague também está se preparando para enfrentar os efeitos da mudança climática. As chuvas estão mais intensas e o nível do mar vem subindo. A prefeitura está construindo nos bairros mais vulneráveis novos parques e lagoas para receber a água que não conseguir ser drenada.

Novos diques foram erguidos diante do porto, e há uma proposta para construir uma nova ilha no nordeste para bloquear ressacas.

Politicamente falando, a apreensão pública em relação à mudança climática pode representar a maior motivação das iniciativas do prefeito.

“As pessoas estão sinceramente preocupadas com isso”, comentou Klaus Bondam, ex-político que hoje comanda um lobby de ciclistas. “Seria preciso um político ser surdo para não ouvir essa preocupação.”

Tradução de Clara Allain

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