Descrição de chapéu Entrevista da 2ª

Brasil deveria aplicar multa como a de radar de trânsito a desmatadores, diz Tasso Azevedo

País tem tecnologia para cruzar alerta de desmatamento com dados de propriedades rurais, diz criador do projeto MapBiomas

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Rafael Garcia
São Paulo

O engenheiro florestal Tasso Azevedo, líder de projeto para mapear uso do solo no Brasil, diz que já é possível multar propriedades rurais usando satélites, da mesma forma com que radares produzem multas de trânsito.

O Brasil já possui a tecnologia e os dados necessários para que as multas aos desmatadores sejam tão eficientes quanto aquelas aplicadas por radares contra motoristas em excesso de velocidade.

Essa é a avaliação do engenheiro florestal Tasso Azevedo, idealizador do projeto MapBiomas, o maior programa independente de monitoramento do solo por satélite no Brasil.

“A gente já tem os instrumentos para fazer isso e tem que colocar em prática de forma ostensiva”, diz. “Não importa quando você fez. Se você fez uma coisa ilegal, a gente é capaz de enxergar, produzir o relatório e enviar para você uma multa, igualzinho à que chega para excesso de velocidade.”

Segundo Azevedo, o gargalo do combate ao desmatamento hoje não é o monitoramento por satélite, que permitiu gerar muitos alertas nos últimos 12 meses. “De 150 mil alertas, menos de 1.000 viraram relatórios com ações efetivas”, afirma. “Então, não falta alerta. O que falta é transformar isso em ações.”

Segundo o cientista, o passo crucial que o país precisa dar para controlar a situação é usar o Cadastro Ambiental Rural, sistema que vem sendo implementado desde 2012 para mapear as propriedades rurais, e dentro delas, as Reservas Legais e Áreas de Proteção Permanente, que por lei não podem ser desmatadas.

Entrevista com o engenheiro florestal Tasso Azevedo sobre Amazônia
Entrevista com o engenheiro florestal Tasso Azevedo sobre Amazônia - 24.08.2019 - Danilo Verpa/Folhapress


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O presidente Bolsonaro pediu calma no sábado (24) porque as queimadas estão dentro da média dos últimos 15 anos. O que está acontecendo na Amazônia agora? O dado que o presidente Bolsonaro citou, dizendo que as queimadas estão dentro da média dos últimos 15 anos, se refere ao Brasil inteiro, e considera o período de janeiro a agosto. Levando isso em conta, a gente estaria mesmo na média dos últimos 15 anos, período que inclui alguns anos com índice muito alto. Agora, quando você faz um recorte da Amazônia, você percebe esse aumento muito forte em relação ao ano passado, por exemplo. Este não é um ano mais seco, como alguns têm falado. Pelo contrário, está sendo um ano mais úmido, e nós estamos no começo do período da seca.
O segundo aspecto é que se você cruzar os dados dos focos de calor com os dados de CAR [Cadastro Ambiental Rural], por exemplo, você vai ver que os focos de calor estão concentrados nas áreas de CAR, ou bem no entorno.

Existe alguma chance de o desmatamento dos últimos 12 meses ter diminuído ou de ter tido apenas um aumento modesto em relação a anos anteriores? Não acredito. Se a gente pegar a série histórica de alertas de desmate do sistema Deter e comparar com o Prodes, a gente vê uma correlação muito forte entre o aumento do Deter com o aumento do Prodes.
A gente pode esperar um número do desmatamento na casa dos 10 mil km² ou mais. Faz muito tempo que o desmatamento não passa dessa marca. Devemos ter um aumento expressivo. Não quero ser fatalista, mas olhando para a série histórica a gente vê que um número de 10 mil km² ou mais é bem possível. 

Existe uma pressão no governo para que os alertas de desmatamento do Inpe deixem de ser abertos. Isso faz sentido? O que mostra o desmatamento são os satélites, e as imagens são feitas todo dia, quer a gente queira ou não, são armazenadas e estão disponíveis. Isso vale para boa parte das imagens usadas nos sistemas de monitoramento. Não dá para esconder desmatamento.
Existe, entre os órgãos de governo, o Inpe, o melhor instituto, que faz um trabalho de longo prazo e que produz um dado de qualidade que é referência no mundo. Se você deixa de publicar, outros vão aparecer. Só no Brasil hoje existem 11 sistemas de alerta de desmatamento operando.

A proposta de contratar um serviço privado de satélite com imagens de melhor resolução faz sentido? Elas não são necessárias para produzir o alerta. Nós já produzimos muito alerta de desmatamento hoje. O problema não é falta de alerta. Os alertas seguem todo dia, direto para o Ibama, e depois de algum intervalo ficam públicos. 
Obter imagens diárias de alta resolução seria fantástico, mas não é prioridade. A prioridade é colocar recursos em ações, nas operações que estão sendo feitas agora. O que a gente faz no Map-Biomas, em parceria com o ministério e com o Ibama, é pegar os alertas gerados pelo Inpe e comprar imagens de alta resolução só das áreas de alerta. Gastamos muito menos para fazer isso.
Nós entregamos os relatórios para cada um desses alertas, indicando se tem cruzamento com reserva legal, com áreas de proteção permanente no CAR, e mostramos isso para o governo.

Se não faz sentido abrir mais áreas, e se desmatar é uma operação cara, o que está empurrando o agronegócio para dentro da floresta? Temos que fazer uma distinção do agronegócio. A gente pegou todos os dados de desmatamento do ano passado e cruzou com o CAR. Desse cruzamento, nós vimos que menos de 0,5% do total de propriedades desmataram. Então, 99,5% das propriedades não tiveram desmatamento e estão produzindo. 
Esse 0,5% de propriedades está concentrado em regiões de fronteira agrícola, e hoje a decisão de desmatar ou não é uma decisão de cada proprietário e faz sentido apenas no contexto individual. 
Na Amazônia, os dados da Embrapa e do Inpe são muito claros: desde 1988, 63% de tudo o que foi desmatado na Amazônia se transformou em pasto de baixa produtividade, com solos em degradação. Outros 23% se tornaram área abandonada, que está regenerando. Só o restante disso, 13%, está destinado a agricultura e uso urbano. Não faz sentido para o país desmatar a Amazônia para transformá-la em área abandonada.

Se o desmatamento que foi verificado chegou mesmo aos 10 mil km², isso compromete os compromissos de redução de emissões de CO2 que o Brasil assumiu no Acordo de Paris? Sim. A gente tem um compromisso, que é para o período até 2020, assumido voluntariamente pelo Brasil na cúpula do clima de Copenhague em 2009, que era diminuir o desmatamento em 80% até o ano que vem, em relação à média do que foi entre 1995 e 2005. Isso daria 3.800 km² de desmatamento. 

O estágio atual de implementação do CAR já é suficiente para ajudar a coibir o desmatamento? Muito, desde que seja usado. Duas coisas ajudariam muito o CAR. Primeiro, o CAR deveria ser totalmente público. Hoje estão disponíveis as bordas das áreas e o código do CAR, mas não não tem nenhuma razão para que os outros dados também não sejam públicos, com o nome das propriedades e nome e CPF do proprietário.
A segunda é que hoje, com o dado do CAR, a gente é capaz de especificar, para cada alerta de desmatamento que cai dentro de um registro do CAR, qual é a propriedade que está indicada. Isso viabiliza, por exemplo, para todos os casos em que tem ilegalidade, mandar uma multa pelo correio.
É isso que a gente faz com aqueles laudos [do MapBiomas]. A gente propõe laudos que estão prontos para serem enviados pelo correio. 

É mais urgente agora investir em incentivos para o agronegócio seguir a regra ou fiscalização para identificar quem não segue a regra? A fiscalização é absolutamente essencial. Se não tiver radar funcionando e você souber que não vai receber nenhuma multa pelo correio, é um ótimo incentivo para andar fora da velocidade e cruzar farol vermelho.
Hoje a gente tem um “radar”, que são os satélites passando pelo planeta o tempo inteiro, e nunca são desligados. Existe satélite que faz imagem diária com 3 m de resolução, e você pode ver o que está acontecendo no mundo inteiro.
E não importa quando você fez. Se você fez uma coisa ilegal, a gente é capaz de enxergar, produzir o relatório e enviar para você uma multa, igualzinho a que chega para excesso de velocidade. A gente já tem os instrumentos para fazer isso e tem que colocar em prática.

Se o MapBiomas não produz alertas por conta própria, o que vocês estão fazendo lá exatamente? O Brasil gerou no ano passado 150 mil alertas entre os três principais sistemas que operam: o Deter, do Inpe, o SAD, do Imazon, e o GLAD, da Universidade de Maryland. Desses 150 mil alertas, menos de 1.000 viraram relatórios com ações efetivas. 
Então, não falta alerta. O que falta é transformar isso em ações. Um dos problemas para gerar ações é que é preciso fazer um relatório, e essa é uma atividade que leva em média seis horas, por uma série de questões tecnológicas. 
Uma delas é poder usar imagens de alta resolução em maior frequência para fazer o refinamento do alerta, com a identificação precisa, com uma imagem de antes e depois. Precisa ficar bem claro, igual a foto da placa do carro que furou o farol vermelho.
Na fase de teste, no primeiro semestre, a gente gerou até dia 7 de junho, 4.577 alertas com respectivos relatórios, 1.800 deles na Amazônia. 
Quando o poder público acessa, pelo código da propriedade podem achar o proprietário. Mas o ideal é que já estivesse na plataforma pública o nome, porque essa é a forma de constranger quem faz ilegal. Se não querem colocar o nome de todos os proprietários, pelo menos os daqueles que estão fazendo ilegal.

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