Focos de incêndio na Amazônia têm assinatura do desmatamento, diz Nasa

Cientista da agência americana diz que cenário semelhante foi visto de 2002 a 2004, quando desmate era superior a 20 mil km quadrados por ano

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Rafael Garcia
São Paulo

Pesquisadores da Nasa que monitoram focos de queimada no planeta afirmam que seus dados sobre o Brasil estão consistentes com o aumento abrupto que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais) vem reportando nas últimas semanas. 

"Vimos sinais de que o desmatamento está aumentando neste momento", diz Douglas Morton, chefe do Laboratório de Ciências Biosféricas do Centro Goddard de Voo Espacial da Nasa, em Maryland, nos Estados Unidos.

Segundo o pesquisador, é possível correlacionar os principais focos de calor detectados pelos satélites Terra e Aqua da Nasa ao corte raso de floresta na região, e não a outros tipos de atividade que implicam queimadas sem desmatamento, como limpeza de pastos, preparo de plantios ou queima de bagaços.

Focos de incêndio e fumaça em Rondônia em 16 de agosto de 2019 - Dados de satélite do EOSDIS, programa de observação terrestre da NASA
Focos de incêndio e fumaça em Rondônia em 16 de agosto de 2019 - EOSDIS/NASA

"Dez dias atrás, olhei as imagens dos nosso sensores dos satélites em órbita e eles mostravam claramente os focos de calor separados, com colunas de fumaça enormes saindo daquelas áreas da fronteira agrícola, como Novo Progresso, a região da Terra do Meio, no Pará, e o sudeste do estado do Amazonas", afirma Morton à Folha

"Não existe uma quantidade de combustível suficientemente alta para gerar aquelas colunas de fumaça se aquilo for somente limpeza de pasto, por exemplo."

Segundo o pesquisador, o padrão de nuvens visto na região é o de "pirocúmulo", que está associado a fogo ou atividade vulcânica. Morton afirma que na última vez que um cenário assim foi capturado por satélites da Nasa sobre a Amazônia foi nos anos de 2002 a 2004, quando o desmatamento anual estava acima dos 20 mil km² por ano.

Uma nota divulgada pelo site Earth Observatory da Nasa foi extensamente compartilhada em redes sociais por perfis da rede bolsonarista nesta quinta (22), por incluir a informação de que "a atividade total de fogo ao longo da Bacia Amazônica neste ano esteve perto da média em comparação aos últimos 15 anos".

Morton confirma que o texto está correto porque inclui o ano de 2004, que infla a média por ter sido mais que o triplo do desmate anual típico dos últimos sete anos. Não pode ser usado, porém, para negar uma tendência alta de aumento no desmate em 2019. "O ano de 2010, quando uma grande seca se abateu sobre a Amazônia, também contribuiu para os dados de queimadas registrarem um viés de alta."

"A afirmação [da Nasa] coincide com os dados do Programa Queimadas do Inpe", diz o coordenador do projeto, Alberto Setzer. "Os dados de focos de queima de vegetação que usamos na geração dos nossos dados --os focos do satélite Aqua-- são em princípio exatamente os mesmos que a Nasa usa no monitoramento que fazem para todo planeta. Os valores finais do Inpe são um pouquinho inferiores, pois retiramos o sinal de fontes industriais, como siderúrgicas."

Segundo ele, o fato de a Nasa afirmar que Mato Grosso e Pará estão abaixo da média para queimadas também não conflita com os dados do Inpe.

"Mato Grosso é o estado com mais focos neste ano; por outro lado, em termos de aumento porcentual, o Pará está muito mais alto", diz Setzer. "Mato Grosso tem apresentado queda nos últimos anos, embora nada se possa dizer para 2019, uma vez que ainda temos quatro meses pela frente."

O Programa de Queimadas do Inpe não emitiu relatório sobre a origem das queimadas de 2019, mas está disponibilizando os dados com diversos recortes em seu site.

Em uma nota técnica assinada por quatro cientistas, a ONG Ipam (Instituto de Pesaquisa Ambiental da Amazônia) dá seu parecer sobre os números. "O número de focos de incêndios, para maioria dos estados da região [amazônica], já é [ainda em agosto] o maior dos últimos quatro anos. É um índice impressionante, pois a estiagem deste ano está mais branda do que aquelas observadas nos anteriores", afirma o grupo, encabeçado pelo pesquisador Divino Silvério.

Os cientistas dizem ver na presença do fogo sinal claro. "As chamas costumam seguir o rastro do desmatamento: quanto mais derrubada, maior o número de focos de calor."

Segundo o Ipam, não se pode dizer que o Inpe esteja superestimando os dados. No caso do Acre, estado que tem sofrido muito com a qualidade do ar em função das queimadas, o cenário pode estar sendo até subestimado. "Uma análise realizada a partir dos alertas de incêndios utilizando multissensores (imagens de satélite Sentinel, Landsat e CBERS) já soma mais de 19 mil hectares em cicatrizes de queimadas no estado."

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