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Licenciamento de exceção traz risco ao ambiente e também ao empreendedor

Deputados ignoraram críticas de amplos setores da sociedade, incluindo associações de municípios, estados, do campo e de membros do Ministério Público

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São Paulo

Não foram só os ambientalistas que criticaram o projeto de fim do licenciamento ambiental aprovado pela Câmara dos Deputados por ampla maioria —foram 300 votos a favor e 122 contra.

Ao transformar em exceção a aplicação do licenciamento ambiental, dispensando a maior parte dos empreendimentos de licença, avaliação e vistoria, o projeto de lei, que tramita há 17 anos no Congresso, encontrou no relatório atual a sua versão mais extrema e perigosa para a segurança ambiental, jurídica e também econômica no Brasil.

“O governo brasileiro continua falhando notavelmente em conter o desmatamento e proteger os direitos das comunidades. Se esse perigoso projeto de lei for aprovado no Senado, mostrará que o governo está ativamente buscando acelerar seu atual caminho de destruição ambiental em massa”, disse à Folha o analista de investimentos responsáveis do maior fundo de pensão norueguês, Kiran Aziz, que administra cerca de US$ 85 bilhões (R$ 424 bilhões) em ativos.

“Os investidores estrangeiros estão observando muito de perto esses desdobramentos altamente evitáveis, assim como os níveis de desmatamento, e não serão acalmados por promessas vazias”, afirmou Aziz.

Os posicionamentos do governo brasileiro mostram, para além do clima de desconfiança internacional, o atraso nacional ao insistir em uma dicotomia entre a proteção ambiental e o avanço econômico.

Caso o Senado aprove o projeto dos deputados, uma barragem de rejeitos como a de Brumadinho (MG) seria aprovada com uma autodeclaração do empreendedor feita pela internet, como se fosse uma simples declaração de imposto de renda, com a diferença de que coloca em risco a vida ao redor da obra e, logo, do próprio empreendimento, que se torna menos atraente ao investidor.

O alerta do perigo veio de entidades de diversos setores da sociedade, por meio de cartas enviadas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Além de dezenas de entidades ambientalistas, manifestaram-se contra a votação do projeto associações nacionais que representam os membros do Ministério Público de Meio Ambiente, dos servidores de órgãos ambientais (Ascema), das entidades ambientais de estados e municípios (Abema e Anamma), antropólogos e arqueólogos, cientistas reunidos na SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), ex-ministros do Meio Ambiente e movimentos do campo, como o MST, a Articulação Semiárido Brasileiro e a Associação Brasileira de Reforma Agrária.

As críticas só foram possíveis porque o texto do relator foi vazado. Uma nota assinada por dezenas de ONGs ambientalistas registra que o texto colocado em votação não ficou disponível ao público.

A Abema, Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente, pediu que o projeto saísse da pauta da votação para ser debatido publicamente. A exigência também foi o foco da carta enviada pela Ascema, a associação nacional dos servidores da área ambiental.

Já a Anamma, que reúne os órgãos ambientais municipais, apontou seis problemas no relatório votado pela Câmara, que vão de conflitos com outras legislações que determinam as competências dos órgãos municipais e estaduais para controle ambiental à contrariedade à autodeclaração.

“Ora, se delimita que um empreendimento de impacto nacional, estadual, regional ou local é passível de licenciamento, significa que há impacto, caso contrário sequer seria passível de controle ambiental”, diz a nota, apontando um contrassenso básico da dispensa de licença.

Apesar de se intitular Lei Geral do Licenciamento, o texto permite que estados e municípios definam seus próprios critérios sobre quais empreendimentos precisam de licença, o que pode gerar uma competição pela desregulamentação. Há, por outro lado, um ataque ao pacto federativo ao se dispensar a apresentação da certidão de uso do solo emitida pelos municípios.

O projeto também dispensa avaliações que poderiam apontar impactos ambientais e sociais, assim como a consulta a indígenas e quilombolas e a gestores de unidades de conservação indiretamente afetadas pelos empreendimentos.

“Todas essas omissões criam um cenário de indesejável insegurança jurídica, em relação à qual determinados empreendimentos e atividades estarão sujeitos a paralisações, atrasos e questionamentos judiciais, com um aumento do risco-país e, portanto, maiores dificuldades para a obtenção de investimentos privados, bem como um enorme dispêndio de energia e recursos públicos”, afirma a nota da Associação Brasileira dos Membros do Ministérios Público de Meio Ambiente.

As dispensas de licenciamentos para mineração, hidrelétricas, linhas de transmissão, estradas, agropecuária e estações de tratamento de água e esgoto dão dicas dos setores ouvidos pelos deputados, que construíram o texto a portas fechadas.

Agora cabe ao Senado abrir audiências públicas para ouvir uma realidade socioambiental e econômica mais complexa e mais avançada do que aquela que pauta os deputados ligados ao agro, ao centrão e à base do governo. Ao abrir as portas para ouvir o país, os parlamentares terão a chance de entender que a segurança ambiental é garantidora —e não entrave — do desenvolvimento econômico.

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