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Corais são replantados no Brasil em luta contra branqueamento

Projeto pretende usar recuperação para atrair turistas, como é feito em outros países

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São Paulo

Uma iniciativa de recuperação e plantio de corais em Porto de Galinhas, em Pernambuco, pretende, além de recuperar colônias degradadas desses seres vivos, incrementar o turismo local.

O trabalho do projeto começa com pedaços de corais quebrados e debilitados, com até 50% de tecidos perdidos —mas ainda vivos—, que são encontrados no assoalho marinho.

Esses pequenos animais são então colocados em bases de plástico biodegradável feitas com impressão 3D. Não qualquer peça, mas uma que, a partir de protuberâncias, ajude no crescimento do ser vivo.

O passo seguinte é a fixação dessas bases com pedaços de coral em uma espécie de berçário. É ali que os seres irão se recuperar e voltar a se desenvolver.

A última fase, já testada em um projeto piloto, é a fixação definitiva da base e do coral recuperada em algum local propício no mar.

Como você deve imaginar, o processo é muito mais complexo do que esse pequeno passo-a-passo faz parecer.

O projeto, chamado de Biofábrica de Corais e desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Enzimologia Luiz Accioly da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), até o momento já consegue trabalhar animais das espécies Millepora alcicornis, conhecido como coral-de-fogo, e o endêmico do Brasil Mussismilia harttii, o coral-vela ou coral couve-flor —classificado como em risco de extinção.

Nesse momento, os berçários estão em três piscinas naturais de Porto de Galinhas com condições favoráveis para o desenvolvimento dos animais. Rudã Fernandes, coordenador técnico da Biofábrica, diz que agentes comunitários e jangadeiros ajudam a tomar conta desses locais para evitar acidentes com curiosos.

Mas, ao mesmo tempo, curiosos podem ser de grande ajuda nesse tipo de projeto e para a conservação geral de corais, segundo Vinicius Nora, analista de conservação da ONG WWF - Brasil.

Uma das ideias relacionadas à plantação de corais —e parte do projeto Coralizar, iniciativa da WWF e do Instituto Neoenergia— é incentivar o turismo local, com participação de hotéis, pousadas e outros estabelecimentos. Esses locais poderiam hospedar aquários com corais em recuperação, por exemplo.

Há possibilidades que vão bem além disso, porém.

O Coralpalooza —uma brincadeira que faz referência ao festival de música Lollapalooza— é um evento que ocorre na Flórida, nos Estados Unidos, e que busca atrair pessoas para participar da recuperação de corais.

“Você está desenvolvendo um novo nicho de mercado”, diz Nora, ao falar sobre a possibilidade de uso turístico da recuperação de corais. “Nosso projeto vai trazer uma proposta de modelo socioturístico que se desenvolva a partir da restauração de corais. Isso já é realidade em outros lugares do mundo.”

O Coralizar conta com um investimento de cerca de R$ 800 mil. O início ocorreu em 2019 e, inicialmente, o projeto iria até 2021. “Não temos nenhuma intenção de pausar. Nós acreditamos em projetos de média a longo prazo. Temos tudo para dar continuidade ao Coralizar”, diz Renata Chagas, diretora-presidente do Instituto Neoenergia.

“Eu não imagino que haja mudanças, mas eu não consigo garantir. Depende do que vem de fora [a Neoenergia faz parte do grupo espanhol Iberdrola​] e de orçamento, mas a nossa intenção é dar continuidade.”

O projeto Biofábrica de Corais é apoiado pelo Coralizar e também recebe financiamento da Fundação Grupo Boticário, do Uber, do Instituto Serrapilheira e da WWF. A iniciativa conta com a parceria da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco) e da Nautilus. Segundo Nora, a ideia é tentar acelerar a Biofábrica, que deve tomar a forma de uma startup.

“Se algum hotel hoje quer ser parceiro, é muito bem-vindo. Qualquer estabelecimento que tenha interesse pode entrar em contato com a WWF. É o que estamos buscando”, diz Nora.

Mas você, leitor, deveria se preocupar com corais? Por quê?

Sim, deve.

Os recifes de corais são áreas marítimas extremamente biodiversas. Estimativas apontam que cerca de 25% das espécies de peixes do oceano dependem dessas estruturas vivas. Diversos animais marinhos se alimentam, reproduzem-se e encontram abrigo nos corais.

Aqui vale um parênteses pop. Quem já viu o filme “Procurando Nemo” talvez lembre um pouco melhor da importância dos corais. Os peixes-palhaço —Nemo— vivem em recifes de corais.

Com isso, é possível imaginar, ao mesmo tempo, a importância econômica dos corais, passando por turismo, pesca e tendo algum impacto até em cinema. Eles também são importantes para prevenir erosão no litoral por ondas e tempestades, além de absorver carbono.

O problema é que, ao mesmo tempo, os corais são seres sensíveis e estão extremamente ameaçados, principalmente pelas mudanças climáticas. Elevações de temperatura nos mares colocam esses animais sob estresse e causam eventos de branqueamento —que podem levar à morte. No branqueamento, de forma geral, os corais perdem as algas fotossintetizantes que produzem alimento.

Relatório recente do Unep (programa ambiental das Nações Unidas) aponta que todos os corais do mundo podem sofrer branqueamento até o fim do século. O mais longo evento mundial de branqueamento é recente. Ocorreu de 2014 até 2017.

A região de Porto de Galinhas viu um intenso processo de branqueamento mais recente ainda, em 2019 e 2020, segundo os pesquisadores da Biofábrica.

Segundo o acompanhamento feito pelos cientistas na região, o coral Millepora alcicornis foi o mais afetado pelo processo de branqueamento recente. Somente cerca de 9% das colônias do animal na região estavam saudáveis. Entre as colônias, 43% tinham enfermidades severas, 20% moderadas e 27% estavam mortas.

O levantamento também apontou situação preocupante da Mussismilia harttii.

Em 2019, o Nordeste brasileiro foi atingido por meses por manchas de óleo. A situação preocupava pesquisadores, entre outros motivos, pelo potencial impacto nos corais.

Resgatar, reabilitar e replantar corais danificados logicamente não vai resolver o amplo problema de branqueamento, mas é uma ferramenta de mitigação de danos.

Projetos semelhantes são feitos em outras partes do mundo. A agência americana NOAA, por exemplo, tem estratégias de recuperação de corais —e posterior replantação— a partir de berçários que assumem diversas formas, como pontos de apoio que lembram árvores, com fragmentos de corais dependurados.

A agência ainda tem uma iniciativa que, ao invés de fragmentos, tenta recuperar colônias inteiras de corais que foram deslocadas por acidentes ou ondas. Nesse caso, em vez de berçário, os corais estariam em um local semelhante a uma creche enquanto se recuperam.

Enquanto isso, no Brasil, “ainda estamos engatinhando no assunto”, diz o analista de conservação da WWF, daí a importância de projetos que estudem os corais presentes no litoral nacional.

Nora afirma que o Coralizar também está direcionando atenção para Abrolhos, região que, segundo o ICMBio, possui o maior banco de corais do Atlântico Sul, além da importância como berçário de baleias jubarte.

“Não temos na mão um protocolo, uma resposta para os processos de branqueamento de corais”, afirma.

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