Descrição de chapéu desmatamento

BR-319 pode impactar área da Amazônia maior que estado de SP

Novo estudo aponta que pavimentação da estrada pode afetar uma região de 300 mil quilômetros quadrados

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São Paulo

A pavimentação da rodovia BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM), pode gerar impacto —incluindo risco de desmatamento— em mais de 300 mil quilômetros quadrados da Amazônia. Isso representa uma área maior que todo o estado de São Paulo.

A conclusão faz parte de um estudo desenvolvido pelo CPI (Climate Policy Initiative)/PUC-Rio, junto ao projeto Amazônia 2030, uma iniciativa de cientistas brasileiros em busca de planos de desenvolvimento sustentável para a região. Os resultados do estudo foram apresentados em um evento na Universidade Princeton (EUA) no fim da última semana.

Segundo os pesquisadores, a rodovia deve causar impacto em nove municípios do Amazonas, que, juntos, possuem população superior a 320 mil habitantes. Sob a área de influência da BR-319 estão também 49 terras indígenas, 49 unidades de conservação e 140 mil km² de florestas públicas não destinadas —terras públicas que não receberam destinação (como se tornar uma unidade de conservação, por exemplo) e que costumam ser focos de desmate e grilagem na Amazônia.

À esquerda da imagem, a BR-319 segue em direção ao horizonte; à direita da imagem, uma pequena estrada leva a uma casinha, em meio a uma área desmatada
Área desmatada às margens da rodovia BR-319, próximo ao povoado de Realidade, no sul do Amazonas - 11.ago.2018 - Lalo de Almeida/Folhapress

Em geral, estudos de impacto ambiental se baseiam em distâncias físicas para avaliar a área de influência de uma construção, o que é importante para determinar medidas de compensação, mitigação e consultas a populações afetadas (como indígenas). Ou seja, para uma rodovia ou ferrovia, por exemplo, pessoas, animais e terras em até determinado número de quilômetros serão afetados.

A distância a ser considerada em cada caso, porém, varia. "A maneira como isso é definido é um tanto arbitrário", afirma Arthur Bragança, coordenador de avaliação de política pública do CPI/PUC-Rio.

Por isso, o estudo utilizou uma abordagem diferente para apontar a possível área de influência das obras: acesso a mercado. Ou seja, foram considerados os impactos econômicos que o projeto vai causar na região em que se encontra, explica Bragança.

Os 900km da BR-319 são a a única rodovia que liga Manaus ao resto do país. Construída, pavimentada e inaugurada, em 1976, durante a ditadura militar, acabou perdendo o pavimento.

Desde a década de 1990, obras de melhoria foram realizadas em diversas áreas da rodovia, mas um trecho central, com cerca de 400 km de extensão, é tema de controvérsia exatamente pelo seu possível impacto.

O MPF (Ministério Público Federal) tem questionado a realização de audiências públicas sobre o licenciamento desse trecho por, segundo o órgão, não haver estudos de impactos ambientais completos até o momento.

A preocupação é ainda maior porque as estradas costumam levar a um aumento do desmatamento —o Amazonas é o estado com as áreas mais intocadas de floresta no país.

Área de pasto queimado visto ao pôr do sol
Área de pasto queimado às margens da BR-319, próximo a Humaitá, no sul do Amazonas - 11.ago.2018 - Lalo de Almeida/Folhapress

Para Bragança, asfaltar esse trecho muda a acessibilidade a algumas regiões, o que altera a dinâmica econômica do local. "Em particular, para quem tem um pedaço de terra, você muda a decisão de abrir [derrubar] a floresta", diz ele.

Esse tipo de metodologia de acesso a mercado —já utilizada internacionalmente para projetos de transporte em cidades e comércio internacional— leva em conta os custos em toda a malha de transportes da região (no caso de estradas, sejam ela asfaltadas ou não). Com isso, é possível ver quais áreas devem sofrer maior influência da rodovia.

Traçada a área de influência (o que já pode ser feito logo após se ter um desenho da obra), é possível olhar para as áreas impactadas e observar, em cada local, quais são os riscos envolvidos, afirma o pesquisador.

"O objetivo é efetuar infraestrutura de uma forma que não agrida tanto o meio ambiente", afirma Bragança. "Quase a totalidade dos projetos de construção de rodovias na Amazônia, historicamente, estão ligados a impactos socioambientais grandes."

Mapa do Brasil, com destaque para a Amazônia Legal, com pontos escuros mostrando desmatamentos
No centro da imagem, a linha branca que se liga a Manaus é a BR-319, ao redor da qual há diversos pontos escuros, que apontam alertas de desmatamento registrados pelo Deter, do Inpe, em abril de 2022, na Amazônia Legal - Reprodução/Deter/Inpe

Outros estudos já apontavam que a BR teria uma área de influência equivalente às áreas da Alemanha e Holanda juntos, segundo uma pesquisa do Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia).

Uma nota técnica feita pelo Observatório da BR-319, em abril deste ano, aponta a abertura de cerca de 4.752 km de ramais (estradas menores não oficiais) a partir da rodovia em quatro municípios (Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá), ao sul da estrada.

O Deter, programa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), apontou em abril uma concentração de áreas de derrubada de floresta ao redor da BR-319. Um levantamento do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) já tinha apontado uma explosão do desmatamento em terras públicas sob o governo Jair Bolsonaro (PL).

Procurado pela Folha, o Ministério da Infraestrutura afirmou que o estudo de impacto ambiental do "trecho do meio" foi desenvolvido "atendendo ao termo de referência emitido pelo Ibama, que é o órgão licenciador. Seguindo a metodologia aprovada, a área de influência foi estabelecida após o estudo de diversos elementos do meio ambiente".

A pasta disse ainda que o desenvolvimento da infraestrutura e a preservação do meio ambiente devem caminhar juntos.

A Folha questionou o ministério se há alguma preocupação específica quanto ao licenciamento da BR-319. A pasta diz não haver preocupação. "Ressaltamos que todo o processo, robusto e adequado para o empreendimento, vem sendo acompanhado de perto por diversas organizações da sociedade civil e por órgãos de controle", disse em nota o ministério.

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