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Na Escócia, recuperação da natureza vira negócio lucrativo

Turfeiras recobrem 20% do país e são importantes para combater o aumento da temperatura do planeta

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David Segal
The New York Times

Numa manhã fria de fevereiro nas Highlands escocesas, Thomas MacDonell caminhou por um terreno que parecia um tapete persa criado pela natureza. A superfície era um caleidoscópio de tonalidades de vermelho, branco e verde produzidas pela sobreposição de tufos de capim, urze e esfagno (um tipo de musgo). Ele se ajoelhou sobre uma área de turfa úmida, ao lado de uma série de ranhuras de cerca de meio metro de profundidade que percorriam linhas quase paralelas.

"Está vendo todas aquelas áreas pretas?", perguntou, apontando para as crateras que percorriam o chão. "Isso é um exemplo de turfeira danificada. A cobertura de musgo não está mais presente. Sem essa cobertura para selá-la, a turfa seca e apodrece. E quando apodrece, emite dióxido de carbono."

Pensativo e grisalho, MacDonell, 57 anos, se descreve como um "detetive da paisagem", alguém que interpreta a terra como os detetives da vida real fazem com os locais onde foram cometidos crimes. A turfa danificada representa para ele ao mesmo tempo um problema e uma oportunidade. O problema é que o dióxido de carbono emitido quando a turfa resseca contribui para a mudança climática.

Thomas MacDonnell observa o vale Glenfeshie, no interior da Escócia
Thomas MacDonnell observa o vale Glenfeshie, no interior da Escócia - Catherine Hyland/The New York Times

A oportunidade vem de se reparar o dano, que pode vir a tornar-se um negócio de muitos milhões de dólares. Ou, pelo menos, é o que esperam MacDonnel e o dono desta propriedade, um multibilionário dinamarquês chamado Anders Holch Povlsen.

Povlsen comprou a propriedade, chamada Glenfeshie, em 2005, dando início a uma série de aquisições que de lá para cá o converteu no maior proprietário de terras privadas da Escócia. Ele é dono de 850 km² de terra distribuídos entre 12 propriedades.

Desde que se conheceram, 17 anos atrás, os dois homens colaboram em um experimento inovador do capitalismo na era da crise ambiental. Através de uma empresa chamada Wildland Ltd. estão tentando provar que é possível recuperar áreas enormes de terra de maneiras ao mesmo tempo verdes e lucrativas.

Com esse objetivo em vista, eles operam várias pousadas de alto padrão voltadas a hóspedes interessados no "poder restaurador da natureza", como diz o site da ​Wildland, e dispostos a pagar cerca de US$ 520 por noite para hospedar-se numa casa rural renovada com decoração "escandinavo-escocesa".

Se tudo correr conforme o planejado, a renda conseguida pelo plantio de árvores e a restauração das turfeiras acabará se igualando à receita das pousadas. Esse esforço produzirá créditos de carbono, vendidos através de um mercado ainda nascente, que serão comprados por empresas interessadas em compensar por suas emissões prejudiciais ao ambiente.

A parte dessa operação ligada à turfa ainda é relativamente nova. Até recentemente, as turfeiras eram desprezadas, vistas como terreno pantanoso inútil —ideais para sepultar corpos em livros de ficção policial, talvez, mas não para muito mais que isso. Os donos de terras na Escócia frequentemente drenavam seus terrenos com turfeira para plantar árvores, ou então os enchiam de ovelhas e as deixavam consumir o capim superficial.

Nos últimos anos, porém, as turfeiras vêm sendo cada vez mais valorizadas, na medida em que o mundo entendeu que não existe nada no planeta mais eficiente que a turfa para capturar carbono, potencialmente por milhares de anos, se as turfeiras forem corretamente mantidas.

"Turfeiras não são carismáticas como são as florestas tropicais, mas são mais importantes", disse Roxane Andersen, professora de ciência de turfeiras na University of the Highlands and Islands. "É como se possuíssem superpoderes."

Embora as turfeiras sejam raras na maior parte do mundo, elas recobrem cerca de 20% da Escócia, oferecendo a este país de apenas 5,5 milhões de habitantes um papel desproporcionalmente importante na campanha para combater o aumento da temperatura do planeta. O governo escocês tem consciência dessa responsabilidade e agora está subscrevendo o processo custoso e árduo de recuperação de turfeiras.

Proprietários particulares de terras que restaurarem suas turfeiras terão 80% de seus gastos reembolsados pelo governo e depois disso poderão ficar com os lucros das vendas de créditos de carbono. A Escócia disse a eles, na prática: "Podem nos cobrar pela escavação e ficar com todo o ouro que conseguirem extrair". Isso vem levando a uma corrida pela terra entre investidores.

Entre os que vêm comprando terras na Escócia assim que chegam ao mercado estão empresas de seguro de vida, fundos de private equity e a BrewDog, uma rede de cervejarias e pubs.

O volume de dinheiro investido em terras na Escócia dobrou no ano passado, chegando a US$ 330 milhões. Uma imobiliária, a Savills, disse que tem clientes dispostos a investir US$ 2,5 bilhões em todo o Reino Unido no chamado capital natural.

Mas para a grande maioria dos escoceses, essa onda toda é como uma festa em seu quintal da qual eles próprios estão excluídos. Nos últimos anos, a entrada do fluxo de dinheiro triplicou o preço de boas terras rurais, colocando-as fora do alcance financeiro dos escoceses.

Tudo isso está trazendo de volta memórias amargas de um tempo, séculos atrás, quando os proprietários de terras rurais modificaram a utilização de suas terras de uma maneira que ainda é recordada como as Highland Clearances (os Despejos das Highlands, a expulsão forçada dos habitantes das Highlands), uma calamidade histórica.

Sendo o proprietário que tem as ambições mais abrangentes, Povlsen tornou-se o alvo favorito dos insatisfeitos. Ele fez sua fortuna, estimada pela Forbes em US$ 13 bilhões, como dono de um império de "fast fashion" composto de mais de 20 grifes voltadas ao público jovem que são populares na Europa, tornando-o líder de uma indústria profundamente repudiada por ambientalistas.

A moda é responsável por emissões globais de carbono que superam as dos transportes marítimos e viagens aéreas somados, segundo informe da Fundação Ellen MacArthur.

Apesar de ser um gigante no mundo da moda, Povlsen mantém um perfil público baixo. Numa rara entrevista em vídeo de uma hora de duração que concedeu desde sua casa na Dinamarca, seu fascínio com a paisagem escocesa pareceu totalmente sincero.

"A gente não é dono de algo como isso", ele falou, aludindo às suas propriedades. "Você é zelador ou guardião por um período de tempo apenas."

Agora que os executivos de grandes empresas estão soando o alarme sobre emissões de carbono —até a Exxon Mobil tem um plano de emissões zero—, Povlsen se destaca como uma espécie de pioneiro, cuja carreira, à primeira vista, parece um paradoxo.

Ele é ao mesmo tempo parte do problema e, com a ajuda de MacDonell, uma pequena parte da solução. Dependendo do ponto de vista de quem o considera, ele é o maior dos "amigos inimigos" do planeta ou é o tipo de executivo sem o qual a causa ambiental nunca conseguirá vencer. No mínimo, ele demonstra como é difícil misturar lucros com as intenções ambientais, por mais verdes possam ser.

Restaurar a natureza requer matar cervos

A sede da Wildland ocupa uma antiga pousada de caça da era vitoriana perto de uma pequena cidade chamada Aviemore, situada 200 km ao norte de Edimburgo. Ela dá para o rio Spey e fica na propriedade Glefenshie, feita de gramados, montanhas e rios. Sua paisagem pitoresca ambientou cenas da série da Netflix "The Crown".

MacDonell levou a reportagem numa tour da pousada. "Lugares como estes frequentemente pertenciam a industriais ricos. Muitas foram compradas com os lucros do comércio de escravos", ele contou. "Eram usadas para o proprietário receber seus amigos e entretê-los com caçadas. Estamos tentando romper esse molde."

Durante dois dias passados atravessando propriedades da Wildland, pudemos ver que MacDonell é paciente, intenso e indiferente às condições do tempo. Durante dois dias em que passamos sete horas de cada vez dirigindo e caminhando sob frio intenso numa paisagem que parecia de tundra subártica, ele não usou chapéu ou luvas e estava agasalhado apenas com uma parca leve. Não fazia intervalos para almoçar e raramente parava de falar. Quando queria enfatizar algo que estava dizendo, parava de andar –ou, se estivesse dirigindo, estacionava sua picape.

Ex-mecânico de carros que cresceu num vilarejo das redondezas, MacDonell sempre sentiu um vínculo com a paisagem local, algo que se aprofundou quando ele tornou-se construtor de cercas. Ele não estudou gestão florestal. "Não sou necessariamente a pessoa capaz de identificar cada tipo de musgo por seu nome latino", comentou. "Mas acho que isso ajuda. Não sou limitado por ideias preconcebidas."

Essa formação pouco ortodoxa pode tê-lo deixado receptivo a uma ideia de Richard Balharry, iconoclástico conservacionista escocês. Balharry, que morreu em 2015, vinha argumentando havia muito tempo que os cervos limitam a biodiversidade na Escócia. Durante séculos se permitiu que a população de cervos crescesse sem limites, devorando tudo sobre o solo e convertendo grandes extensões da Escócia em algo que lembra um campo de golfe mal cuidado.

Balharry defendia a proposta de que os cervos deveriam ser abatidos em massa. Mas boa parte da economia local das Highlands girava em torno da caça, e uma redução drástica no número de cervos prejudicaria os guias profissionais que ajudavam visitantes a abater cervos e levar uma bela galhada para casa como troféu. Isso tampouco ajudaria a empresa de construção de cercas de MacDonell, que muitos proprietários de terra contratavam para erguer cercas em volta de áreas arborizadas que queriam proteger contra os ungulados famintos.

Mas MacDonell não podia negar o que via com seus próprios olhos. Aqueles cervos tão belos e altamente desejáveis para caçadores haviam convertido a Escócia rural numa monocultura.

Quando MacDonell quebrou uma vértebra, mudou de emprego, e em 2002 passou a administrar Glenfeshie. Naquele ano ele convenceu o proprietário na época –que, por acaso, era outro dinamarquês rico—que a propriedade deveria concentrar-se em salvar a paisagem. Para isso seria preciso matar cervos. Muitos cervos.

O que foi feito ficou conhecido como o grande abate de Glenfeshie. MacDonell e sua equipe mataram cerca de mil cervos por ano por muitos anos, usando helicópteros para transportar atiradores e remover as carcaças. Tudo isso provocou manifestações de repúdio intenso. Com sua categoria profissional ameaçada, a Associação Escocesa de Guarda-Caças fez manchetes nacionais, denunciando o abate como antiesportivo e vergonhoso. MacDonell passou algum tempo sendo expulso de bares a tapas.

"Deve ter sido por conta de minha personalidade", ele falou. "Eu poderia ter saído sem alarde quando as pessoas começavam a me xingar, mas isso não é do meu temperamento."

A matança de cervos já havia começado havia alguns anos quando Povlsen chegou a Glenfeshie para avaliar o lugar com vistas à sua aquisição. MacDonell o levou de jipe para o alto de uma colina e explicou sua visão. Esqueça a história toda de caça, ele disse a Povlsen. Deixe a matança continuar, e a gente recupera a terra.

Semanas depois daquele momento em 2005, MacDonell descobriu que o novo proprietário não apenas aprovara sua ideia, mas seria seu parceiro entusiasmado. Povlsen comprou outras proprietárias próximas e Glenfeshie e também no oeste da Escócia, incluindo Aldourie, que abrange o único castelo habitável às margens do lago Ness. Ele possui algumas propriedades no norte do país e está transformando uma residência projetada em 1878 para o duque de Sutherland em spa e pousada cinco estrelas.

O abate de cervos beneficiou tremendamente as árvores e a vegetação. Hoje a paisagem de Glenfeshie é recoberta de juníperos, urze e uma variedade grande de musgos. Há também abundantes mudas de pinheiros e bétulas, algumas com apenas alguns centímetros de altura.

Em 2012, o governo escocês lançou o Programa de Ação das Turfeiras, alocando fundos para administradores de terras interessados em restaurar turfeiras. Para MacDonell, foi o primeiro sinal de que as turfeiras estavam prestes a virar uma mina de ouro.

Capturando carbono em troca de créditos de carbono

Durante séculos, quando se avaliavam terras escocesas não cultivadas, apenas dois números eram levados em conta: quantas aves podiam ser abatidas no céu acima da área e quantos cervos podiam ser abatidos em terra. Nada era tão sinônimo de "riqueza" quanto um grupo de caçadores trajando roupas de tweed, acompanhados por empregados que carregavam seu almoço, armas e munições.

Hoje os potenciais compradores de terras têm uma nova pergunta a fazer: qual é a área de turfeira danificada na propriedade? A resposta mais comum é "uma área grande". Mais ou menos 80% das áreas de turfeira escocesas precisam de reparos, segundo a NatureScot, órgão público que assessora o governo em questões ambientais. A culpa por isso é atribuída a muitos fatores. O problema é causado pelo excesso de cervos e ovelhas que pastam nas terras, mas também por poluentes industriais como a chuva ácida –parte das consequências do desastre de Chernobyl, que afetou boa parte da Europa.

O problema também se deve em parte ao aquecimento do planeta. No primeiro dia de nossa visita, em fevereiro, MacDonell ficou espantado por poder subir de jipe uma estradinha de terra esburacada na propriedade. "Esta estrada geralmente é coberta de neve", ele disse. "Geralmente só consigo subi-la de carro por volta de julho."

Sem neve, as áreas de turfeira ficam mais vulneráveis aos ventos fortes que erodem a tampa verde que as protege. Produzir novas tampas é um fator central da restauração de turfeiras. Um método utiliza escavadeira para recolocar musgo no local e depois cobrir o musgo com composto. Juta, uma fibra natural, é colocada em cima de tudo, para conservar o composto no lugar. Também são construídas barragens para armazenar a água que manterá a turfa encharcada.

"O importante é conservar o terreno encharcado", disse MacDonell. "Se a hidrologia estiver correta, a turfeira está em conserva, e não em putrefação."

O trabalho não é barato. Restaurar 250 acres custa cerca de US$ 270 mil. Com 4,5 milhões de acres de turfeira a reparar em todo o país, o governo não tem meios para subsidiar os esforços de restauração por tempo indefinido. É preciso que a salvação das turfeiras vire um empreendimento lucrativo que atraia o interesse de investidores. É preciso que vire um negócio.

É onde entram os mercados de crédito de carbono. No Reino Unido, o Código das Turfeiras oferece um padrão certificado para projetos de turfeiras que visam vender benefícios climáticos. Um proprietário de terras registra no Cadastro Britânico de Carbono Territorial uma quantidade de turfeira a ser restaurada. Um avaliador terceiro independente é enviado para avaliar a terra, quantificar as emissões de gases estufa que serão salvas se a turfa for reparada e avaliar os planos de restauração.

Um verificador independente retorna ao local cinco anos mais tarde para checar se a restauração prometida ocorreu e se o sítio está de fato reidratado e vegetado. Se isso tiver ocorrido, o proprietário da terra recebe Unidades de Carbono de Turfeiras que podem ser vendidas, ou através de um corretor ou diretamente pelo proprietário. Os compradores são empresas ansiosas por mitigar sua pegada de carbono, ou porque isso faz bem à Terra ou porque beneficia suas relações públicas —​ou, ainda, pelas duas razões.

Ainda está longe de estar claro se centenas de programas de compensação de carbono experimentados pelo mundo afora funcionam de fato, ou seja, se fazem mais que acalmar a consciência de poluidores e cidadãos preocupados. Alguns climatologistas consideram que a abordagem de dinheiro-por-créditos ainda não produziu nada que se aproxime dos benefícios ambientais prometidos. Outros dizem que esses sistemas podem funcionar se forem ampliados para além de um grupo modesto de participantes voluntários.

Para que o financiamento de carbono perdure, é preciso pelo menos que seja rentável. E é possível que acabe sendo lucrativo na Escócia.

"Ainda é um mercado muito novo", comentou Renée Kerkvliet-Hermans, coordenadora do código de turfeiras no Programa de Turfeiras do Reino Unido da União Internacional para a Conservação da Natureza. "Temos 11 projetos validados, e o primeiro foi registrado em 2018. Portanto, teremos nossa primeira verificação em 2023."

A grande incógnita é quanto vão valer esses créditos de carbono.

"Estamos falando em £10 por tonelada de carbono capturado ou de £400 por tonelada?" perguntou Peter Hutchinson, gerente do programa de turfeiras da NaturScot.

"Precisamos tornar esse mercado atraente para o dinheiro privado, e não estamos esperando. Estamos conversando com várias companhias, consultando assessores financeiros. O governo prometeu £250 milhões (cerca de US$ 325 milhões) e queremos que os proprietários de terras aproveitem esses recursos.

Devido aos bolsos fundos de Povlsen, a Wildland não se apressou a registrar suas turfeiras —só o fez pela primeira vez no ano passado. Com isso a empresa terá quatro anos para traçar estratégias para vender esses créditos. MacDonell já tem uma coisa clara na cabeça: não vai vender a qualquer interessado.

"Quando se vendem créditos às pessoas erradas, isso coloca nossa reputação em risco", ele disse. Ele não quer ver créditos da Wildland vendidos, por exemplo, a alguma empresa que extrai lítio da República Democrática do Congo ou a uma companhia ligada ao petróleo russo.

O comprador mais provável é Povlsen, em nome da Bestseller ou uma de suas outras holdings, o que para alguns pode parecer perverso. Povlsen estaria recebendo um subsídio governamental para uma empresa (a Wildland) criar créditos de carbono que poderiam ser comprados por outra (a Bestseller) para minimizar a pegada de carbono desta última. Mas há outro ponto de vista: talvez criar e comprar seus próprios créditos de carbono seja uma definição de responsabilidade ambiental. Isso demonstra no mínimo um compromisso com o planeta que é mais profundo que o da maioria dos pares corporativos de Povlsen.

Como proprietário de uma empresa de fast fashion, Povlsen compreende plenamente que a fonte de sua riqueza o converte em alvo de desconfiança de algumas pessoas.

"Eu entendo, entendo", ele me disse durante nossa videoligação. "A indústria da moda tem problemas enormes. Estou falando de coisas das quais cinco anos atrás nem tínhamos consciência, como o impacto dos microplásticos sobre o oceano."

Habitantes foram expulsos para dar espaço a ovelhas

Na Escócia, por muitos anos as ovelhas valeram mais que as pessoas. Valiam mais pelo menos para os grandes proprietários de terras, conhecidos como "lairds". A partir de 1760, mais ou menos, no início da Revolução Industrial, a fiação de lã ingressou na era de produção em massa. Alguns milhares de ovelhas podiam gerar mais renda para um "laird" que algumas centenas de agricultores arrendatários. Esse cálculo frio levou à expulsão forçada de pessoas que haviam vivido e trabalhado nas propriedades havia gerações.

As Highland Clearances haviam começado. Milhares de escoceses foram despejados ao longo de décadas. Suas casas foram queimadas. Algumas pessoas mais velhas morreram de fome ou frio. Em uma propriedade apenas, pertencente à duquesa de Sutherland, 15 mil pessoas foram expulsas para criar espaço para 200 mil ovelhas. Muitos dos despossuídos emigraram para os Estados Unidos ou outros países. As Highland Clearances foram um dos principais fatores responsáveis pela diáspora escocesa.

Um novo capítulo foi aberto nessa história terrível quando o governo britânico começou a pagar antigos donos de escravos e outros beneficiários da economia escravista, para compensá-los pela abolição do comércio escravista em 1833. E equivalente a US$ 20 bilhões em valores atuais acabou sendo distribuído entre milhares de beneficiados. Os recém-enriquecidos compraram terras nas Highlands e as povoaram com tetrazes e cervos.

Embora as Highland Clearances não sejam tão amplamente conhecidas quanto a Grande Fome das Batatas (provocada por uma praga que dizimou a produção de batatas na Europa no século 19), que levou a um êxodo em massa da Irlanda, o trauma que provocaram exerceu efeitos duradouros.

"As pessoas me perguntam com frequência: ‘Por que a gente deveria se preocupar com algo que aconteceu 200 anos atrás?’", disse Magnus Davidson, pesquisador da University of the Highlands and Islands. "Mas se você olhar em volta, verá repercussões das Highland Clearances por toda parte: paisagens ambientalmente degradas e que foram destituídas de habitantes humanos."

Para Davidson, os novos "lairds verdes", como vêm sendo chamados, soam deprimentemente familiares. Mais uma vez, pessoas ricas estão comprando áreas imensas de terra na Escócia e decidindo o que será feito delas. Nenhum país da Europa tem uma concentração maior de propriedade da terra que a Escócia, onde 67% das terras rurais pertence a uma fração de 1% da população, segundo a Community Land Scotland.

Davidson é totalmente a favor da restauração das turfeiras. Mas acha péssima ideia que o trabalho e seus benefícios sejam confiados a um grupinho restrito de empresas e homens riquíssimos, poucos dos quais residem na Escócia. Ele ironizou os esforços de resgate de turfeiras de Povlsen, descrevendo-os como "compensação moral" e sugerindo que o objetivo é capturar culpa tanto quanto capturar carbono.

Existem regras que concedem a moradores locais que se uniram em grupos, frequentemente com algum dinheiro do governo, os primeiros direitos sobre os lotes que acabam de ser disponibilizados. O governo tem US$13 milhões para entregar a tais grupos, montante que vai dobrar no ano que vem. Mas Davidson argumenta que isso está longe de nivelar a concorrência, já que grupos locais levam tempo para se cadastrar, o que os coloca em desvantagem imensa em relação aos lairds verdes, capazes de agir mais prontamente. E em um mercado aquecido esses grupos comunitários não conseguem levantar recursos suficientes, mesmo contando com apoio do governo.

MacDonell estava sentado recentemente na sala de trabalho de Tim Kirkwood, o executivo-chefe da Wildland. Os dois estavam discutindo como vão colocar créditos de carbono de trufeira no mercado. Será contratada uma firma profissional de relações públicas. Eles discutiram a possibilidade de um folheto. E quanto ao preço? Quem sabe.

"Alguns dos primeiros créditos foram vendidos por £7 a tonelada", falou Kirkland.

MacDonell respondeu: "Alguns anos atrás uma firma de aviação nos ofereceu £60 a tonelada".

Ele disse que os créditos da Wildland serão "carismáticos", ou seja, serão mais prestigiosos que os de seus concorrentes. Essa ideia sugere que uma tonelada de carbono capturado não é como uma tonelada de níquel, por exemplo. Talvez, quando as pessoas tomarem conhecimento da história da Wildland e compreenderam o cuidado e a extensão dos esforços empreendidos em lugares como Glenfeshie, os créditos de carbono da empresa alcançarão um preço mais alto, pelo mesmo motivo por que uma bolsa produzida pela Hermès é mais cara que uma da Banana Republic.

Isso dependerá, é claro, de como os compradores vão encarar a história de Anders Holch Povlsen e da Wildland. Trata-se do esforço de um homem dotado de todos os recursos necessários para recuperar ambientalmente um pedaço impressionantemente grande da Escócia? Ou é uma tentativa de compensar em um país pelo dano que ele está provocando em outros?

"Há uma grife incipiente aqui, desde que não estraguemos tudo", disse Kirkwood.

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