Descrição de chapéu Mangues Amazônicos

Proteção da pesca do caranguejo ajuda na preservação dos manguezais na região Norte

Regra restringe captura no período reprodutivo para reduzir impacto nas populações

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Homem segura vara com caranguejos

Catador de caranguejo segura vara com crustáceos em estrada na região de Bragança (PA) Giovanna Stael/Folhapress

BRAGANÇA (PA) e ILHA DO MARAJÓ (PA)

Sentar em um quiosque à beira da praia com uma porção de pata de caranguejo pode ser um hábito apreciado por muitos brasileiros —e também por turistas que visitam o Brasil. Mas, se uma dessas praias for no Nordeste, é provável que o caranguejo tenha viajado pelo menos 1.500 km para chegar ali.

Isso porque, diferentemente de grande parte da costa brasileira, os manguezais na região Norte continuam preservados. Isso garante o ecossistema necessário para a sobrevivência do caranguejo-uçá, principal espécie de valor comercial no país. Assim, é justamente de lá que vem a maioria do que é consumido na região Nordeste.

Caranguejo em área de mangue
Caranguejo em área de mangue na vila de Ajuruteua, dentro da Resex (Reserva Extrativista) Caeté-Taperaçu, em Bragança (PA) - Giovanna Stael/Folhapress

A preservação dos manguezais só existe devido à baixa densidade populacional e da presença de unidades de conservação, como as Resex (Reservas Extrativistas), onde vivem comunidades tradicionais que ajudam a manter o ecossistema e o crustáceo intactos.

O caranguejo-uçá é uma espécie endêmica dos manguezais, com distribuição da Flórida, nos Estados Unidos, até Santa Catarina, no Brasil.

Segundo Tânia Marcia Costa, professora associada do Instituto de Biociências da Unesp (Universidade Estadual Paulista), campus de São Vicente, o caranguejo adulto possui, em média, 6 cm ou mais de largura de carapaça, e a coloração varia entre azul, verde, amarelo e branco, dependendo da idade.

Os machos possuem um ventre em formato de "T" invertido, enquanto nas fêmeas essa parte é arredondada, local onde elas também guardam a bolsa de ovos após a fecundação. A maturidade sexual é lenta, demorando em média seis a oito anos para atingir o tamanho comercial do adulto.

Os uçás são territoriais, isto é, vivem em uma única toca e a mantêm sob guarda, raramente ocupando outra —caso isso ocorra, o dono da toca pode expulsar o intruso. As tocas variam de 60 cm a 180 cm de profundidade.

A captura, de acordo com Costa, é uma tarefa difícil. O meio mais usado de "catar caranguejo" é o "braceamento", que consiste em colocar todo o braço dentro da toca para retirada do animal. Alguns ainda derrubam lama das paredes da toca no crustáceo para evitar uma pinçada.

"No entanto, durante o período da reprodução, estes caranguejos apresentam o fenômeno da ‘andada’, quando machos e fêmeas saem das tocas para o acasalamento, podendo ser facilmente capturados", explica.

Essa prática, porém, é ilegal. Desde 2003, o governo criou o chamado defeso do caranguejo, período em que a captura, o transporte, a comercialização ou qualquer atividade envolvendo o animal é proibida, sujeito à multa no valor de R$ 700 a R$ 100 mil.

O período varia —influenciado pelo regime de marés e luas—, mas no Norte ocorre geralmente de janeiro a março. A reportagem esteve em Bragança, no Pará, uma semana antes do período de defeso, que neste ano ocorreu em três partes: de 12 a 17 de janeiro, de 10 a 15 de fevereiro e entre os dias 11 e 16 de março.

"Os pescadores profissionais usam o ‘braceamento’, mas o indivíduo comum não consegue e, nesse momento [reprodutivo], ele se acha no direito de pegar o caranguejo. Por isso é importante trabalhar com a sociedade, com o estado e também com o governo federal a proteção do animal durante o defeso", explica Ednaldo Gomes da Silva, gestor ambiental e chefe da área temática de proteção do Núcleo de Gestão Integrada de Bragança do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

O uçá é classificado como quase ameaçado pelo ICMBio, o que o coloca em uma situação de menor preocupação para políticas de conservação nacionais. Mas a degradação de manguezais no Sul, Sudeste e Nordeste e a superexploração do recurso acabaram reduzindo drasticamente as populações.

Por esse motivo, uma portaria federal que protege a espécie foi criada em dezembro de 2020.

Pescador próximo ao curral, uma estrutura de madeira e rede para pesca.
O pescador Ageu Mescoto de Melo, morador de Ajuruteua, na costa paraense, afirma que é importante ter também o defeso para os pescadores da região - Giovanna Stael/Folhapress

Como o texto tem validade até o final de 2024, Silva espera que seja lançada uma nova portaria para o próximo ano. "A pesca do caranguejo é a principal base econômica da população extrativista, e daí a razão de fazer esse controle para que não haja problemas no recurso natural mais à frente."

Esse é um dos pilares das Resex, únicas unidades de conservação que têm como objetivo preservar também as relações dos moradores com o meio ambiente. Fora delas, são comuns notícias de pesca ilegal e sobrepesca.

Em março de 2023, o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), em ação conjunta com a Polícia Federal e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá, apreendeu mais de 2.000 caranguejos durante o período do defeso.

Nas unidades visitadas pela reportagem, pescadores e moradores afirmaram respeitar a legislação e entender a importância da conservação, mas lamentaram que não haja o pagamento do "salário-defeso" para os catadores de caranguejo, como já existe durante a fase de proteção de peixes.

"Antigamente, a gente não tinha esse negócio de o governo ajudar para ter aquela renda no fim do mês", conta Ageu Mescoto de Melo, pescador e morador da vila de pescadores de Ajuruteua, na Resex Caeté-Taperaçu, em relação à defesa do pescado.

Em resposta à reportagem, o Ministério da Pesca e Aquicultura (antiga Secretaria de Pesca e Aquicultura) disse que a exploração do caranguejo ocorre nos manguezais majoritariamente pela coleta manual, não apenas nas Resex, mas também fora das mesmas. Segundo a pasta, não há estatísticas de pesca do caranguejo no país, por isso não é possível estabelecer políticas de recompensa pelo período do defeso.

Em relação à fiscalização, os responsáveis são o Ibama e o ICMBio, mas os órgãos relatam escassez de recursos e de equipes para essa tarefa. Ambos mantêm, desde o início do ano, paralisações nas atividades de controle ambiental em busca de reajustes salariais e melhores condições de trabalho.

"Não é uma relação em que eles extraem os recursos naturais no sentido de transformar isso em riqueza, que é a lógica da sociedade ocidental industrializada. Essas comunidades preservam a relação também com os manguezais, o que pode ser percebido no modo de vida dessas populações", avalia Queren Lobo, oceanógrafa e mestra em sociologia e antropologia pela UFPA (Universidade Federal do Pará).

A percepção da importância da preservação dos manguezais é um trabalho também realizado pelos cientistas com a população local por meio de projetos de educação ambiental, explica o biólogo e coordenador do Laboratório de Ecologia de Manguezais da UFPA, Marcus Fernandes.

"A gente trabalha em cima de educação, especialmente básica, com as crianças, e junto aos conselhos das Resex, para estimular a população na preservação. E o outro [jeito] é trabalhar, dentro das unidades, o fortalecimento das entidades que fazem a fiscalização."

Há uma urgência nas políticas de conservação dos mangues devido às mudanças climáticas e do efeito delas no ecossistema, ele destaca.

Segundo Silva, a "andada" já está acontecendo mais cedo, em dezembro, o que pode ser um efeito do aquecimento da água. "A nossa região já vê esse efeito, e esses são os manguezais ainda preservados. Imagina se as 'andadas' acontecerem antes da nova definição do período de defeso?", indaga.

A série de reportagens Mangues Amazônicos tem apoio do Rainforest Journalism Fund do Pulitzer Center

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