Desejada por Lula, parceria com Indonésia e República Democrática do Congo pode sair sob Bolsonaro na COP27

'Opep das florestas', que tem disputa de 'paternidade', promete posições conjuntas dos três países, donos das maiores florestas tropicais do mundo

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Sharm el-Sheikh (Egito)

Donos das maiores florestas tropicais do mundo, Brasil, Indonésia e RDC (República Democrática do Congo) pretendem lançar a "Opep das florestas". O apelido é inspirado na força que a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) tem sobre os rumos do mercado global e das relações internacionais.

Com a aliança, os países devem se coordenar para adotar posicionamentos conjuntos nas negociações sobre florestas, como as COPs do clima e da biodiversidade. Uma declaração conjunta de duas páginas passa por últimos ajustes e pode ser publicada ainda na COP27, a conferência do clima da ONU, que acontece até o dia 18 no Egito.

Embora a ideia tenha sido divulgada em veículos da imprensa internacional como uma articulação do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, a construção da parceria aconteceu ao longo do último ano, durante a gestão Bolsonaro, segundo o MMA (Ministério do Meio Ambiente) e também de acordo com membros dos governos da Indonésia e da RDC.

Montagem com retratos de Lula e Bolsonaro
Lula, presidente eleito, e Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil - Marlene Bergamo/Folhapress e Gabriela Bilo/Folhapress

Pessoas próximas à agenda ambiental de Lula afirmaram à reportagem que a ideia está nos planos do presidente eleito e que já havia sido buscada nas gestões anteriores do PT, quando o Brasil criou uma aliança com países da Panamazônia e chegou a tentar a inclusão de nações africanas e da Indonésia.

No início de agosto, Aloizio Mercadante, então na coordenação do programa de governo de Lula, citou a proposta de reunir Brasil, Indonésia e RDC em uma parceria sobre florestas.

A fala aconteceu durante uma palestra do economista americano Jeffrey Sachs, renomado pesquisador do desenvolvimento sustentável, na Fundação Perseu Abramo. Naquela oportunidade, ele foi convidado por Mercadante para servir como consultor das posições do país sobre créditos de carbono em negociações internacionais.

Segundo representantes dos governos dos três países, a ideia começou a ser gestada na COP26, que aconteceu há um ano, na Escócia.

Segundo Agus Justianto, diretor de gestão sustentável florestas do Ministério do Ambiente e Floresta da Indonésia, a iniciativa para a conversa teria partido do seu país. "Mas isso ficou parado por uns meses e mais recentemente recebemos um email do Brasil, que chegou para a pasta econômica, e retomamos", ele conta.

"Começamos a tratar uma proposta de parceria sobre florestas com o Brasil lá em 2012, só depois chegou a Indonésia", afirmou à Folha o economista-chefe do Ministério de Finanças da República Democrática da RDC, Jean Paul Boketsu Bofili, que acompanha as reuniões.

Para Marcelo Donnini Freire, secretário de Amazônia e de serviços ambientais do MMA, que participou de reuniões com os dois países, "quem tem que puxar a agenda de florestas do mundo são os grandes países florestais do mundo".

"A gente precisa estar coordenado e unido para preservar e para não prostituir o valor dos ativos ambientais. Se a gente não está coordenado, há chance da gente começar a se canibalizar", completa.

Três pessoas posam para foto com as mãos juntas ao centro
Marcus Paranaguá (à dir.), secretário de clima e relações internacionais do Ministério do Meio Ambiente, com representantes dos governos da República Democrática do Congo e da Indonésia na COP27, em evento sobre parceria de florestas realizado no estande da Indonésia - Daniela Luquini/Divulgação

A posição do Itamaraty sobre a defesa das florestas mantém entendimentos que atravessam governos, o que ajuda a explicar como uma mesma parceria pode ser desejada por duas gestões com visões opostas —já que o atual presidente implementou uma política antiambiental desde que assumiu o poder, enquanto Lula tornou a pauta climática um de seus temas prioritários nessa última campanha eleitoral.

Entretanto, a parceria pode ganhar contornos bastante distintos a depender de quem estiver no poder quando ela for fechada.

Sob Bolsonaro, o esforço de posicionamento conjunto do Brasil com Indonésia e RDC, além de outros países em desenvolvimento com grandes reservas florestais, tem sido na direção de evitar compromissos internacionais para aumentar a proteção ambiental, de acordo com posicionamentos conjuntos enviados pelos países em negociações de clima e biodiversidade.

Antes do encontro dos ministros do meio ambiente do G20, ocorrido em agosto em Bali, o Brasil e a Indonésia lideraram uma reação conjunta com 11 países contra a proposta da União Europeia de barrar a importação de commodities ligadas ao desmatamento. A principal crítica do grupo de 13 países é à ação unilateral dos europeus.

Sob Lula, a expectativa dos brasileiros e também dos países parceiros é de investimento na cooperação Sul-Sul, marca da gestão petista.

A princípio, a aliança não envolve um corpo executivo e não prevê um fundo para os três países ou linhas de cooperação técnica entre eles, mas representantes do dois países afirmaram esperar que a parceria alavanque as políticas de proteção ambiental através do aprendizado com o Brasil, que foi citado como "guru" por um representante do governo da Indonésia em conversa com a reportagem.

O Brasil é visto por países detentores de florestas como um exemplo de implementação de mecanismos negociados internacionalmente, como o Redd, que paga por resultados em conservação ambiental e no Brasil foi executado através do Fundo Amazônia.

O apelido "Opep das florestas" também tem "paternidade" dividida. O diretor de campanhas da Avaaz, Oscar Soria, afirma ter criado o termo. A ONG incentivou a articulação entre os países durante a reunião ministerial do G20. Segundo o MMA, no entanto, o autor do termo seria o secretário de clima e relações internacionais da pasta, Marcus Paranaguá.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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